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Postado em 9 de maio de 2019 | 18:56

Solução para caminhoneiros passa por 1 programa estrutural

Menos de um ano após a Greve dos Caminhoneiros que paralisou o Brasil, o país se vê em meio a rumores de uma nova mobilização. Fica evidente que a estratégia adotada pelo governo anterior, que subsidiou o preço do diesel, não solucionou o problema e ainda causou prejuízos à Petrobras, responsável por quase toda a oferta de combustíveis, de origem nacional ou importada.

Já passou da hora do país adotar uma solução definitiva para o problema, ao invés de buscar enxugar gelo com medidas pontuais, populistas e prejudiciais ao setor de combustíveis. Estamos enfrentando um problema estrutural, iniciado no governo Lula quando foram criadas linhas de crédito especiais para os caminhoneiros adquirirem mais veículos. Como consequência, a frota de caminhões aumentou mesmo em momentos de estagnação e crise econômica, o que provocou um descasamento da oferta e da demanda no transporte de cargas.

A situação é mais crítica ainda para trabalhadores autônomos, que são responsáveis por movimentar cerca de metade do volume total no país, totalizando aproximadamente 11 bilhões de litros de diesel por ano. Porém, ao comparar a idade da frota, há uma grande discrepância, com média de 18,4 anos para os veículos de autônomos e 8,4 anos para os de transportadores, segundo pesquisa da Confederação Nacional do Transporte.

Dessa forma, é preciso pensar em uma proposta abrangente, que ao mesmo tempo não reduza a arrecadação pública e seja adequada para estimular tanto a produção nacional quanto a abertura do mercado de importação. Para isso, um Programa Estrutural deve ser adotado, com o objetivo de rebalancear a oferta de caminhões autônomos e criar mecanismos de mercado para maior estabilidade no preço do diesel.

O programa seria ancorado no tripé: (i) redução em 10% da oferta de caminhões, com criação de uma bolsa para requalificação dos caminhoneiros; (ii) criação de um fundo para estabilização do preço do diesel; (iii) mudança na forma de incidência do ICMS do diesel para ad-rem, ou seja, considerando um valor fixo por litro de combustível.

O primeiro item prevê a retirada de 110.000 caminhões de autônomos das estradas, o que corresponde a 20% do segmento e 10% do total. A estratégia seria adquirir os veículos que têm mais de 23 anos, reduzindo a idade média da frota. Em seguida, serão oferecidas bolsas para requalificação desses caminhoneiros com duração de 2 anos, em parceria com instituições de ensino profissionalizante, como Sesc e Senai. No futuro, quando o país retomar o crescimento econômico, a parcela da frota que foi retirada de circulação deverá ser substituída por caminhões a GNL, menos poluentes.

O custo final da primeira medida seria de aproximadamente R$ 13,55 bilhões, sendo R$ 7 bilhões em 2019. Desse total, R$ 4,95 bilhões seriam relativos à compra dos 110 mil caminhões, a um custo médio de R$ 45 mil cada. As bolsas, no valor de R$ 3,25 mil ao mês, representariam mais R$ 4,3 bilhões ao ano, por 2 anos.

Já o fundo de estabilização do preço do diesel é importante para amortecer a volatilidade dos preços do combustível, principalmente nos momentos de alta. Apesar de importar derivados, o Brasil é um exportador líquido de petróleo, o que gera renda com Royalties e Participações Especiais (PE). O valor direcionado ao fundo seria apenas o excedente em relação ao estabelecido no orçamento, que todo ano estabelece premissas para a cotação do Brent e do câmbio.

Considerando uma previsão de US$ 60 por barril de petróleo Brent e um câmbio de 3,80 US$/R$, teríamos R$ 228 por barril. Nesse cenário, a cada R$ 5 de aumento no preço do petróleo corresponderia a um impacto de R$ 0,031 no preço de refinaria do diesel. Já a arrecadação com royalties e PE subiria em R$ 1 por barril, o que equivale a R$ 0,022 por litro do combustível refinado. Sendo assim, se esses R$ 0,022 extras arrecadados fossem aplicados no Fundo, seria possível reduzir em 70% o impacto no preço da refinaria sem necessidade de subsídios e respeitando o orçamento anual.

Por fim, já passou da hora de se discutir a carga tributária que incide sobre os combustíveis. A incidência de um ICMS ad-valorem (baseado em valores percentuais) em todos os estados amplificam os reajustes, uma vez que o imposto estadual acompanha o aumento no preço de refinaria. A proposta seria transformar em um imposto ad-rem (um valor fixo), fixado por 6 meses, considerando as mesmas premissas para o Brent e o câmbio assumidas no orçamento. A medida reduziria, em média, mais R$ 0,01 por litro de diesel refinado a cada R$ 5 de aumento no preço do barril e eliminaria mais uma volatilidade do sistema.

Os desafios do Programa seriam: (i) definir a melhor forma para alocar os R$ 13 bilhões previstos com a aquisição de caminhões e concessão das bolsas; (ii) estudar as barreiras legais e regulatórias para destinar a arrecadação excedente ao Fundo de Estabilização; e (iii) garantir uma adequada interlocução com os estados para alterar a forma de incidência do ICMS.

É importante destacar que o Programa Caminhoneiro não resulta em transferência de recursos entre segmentos da cadeia e não interfere na distribuição nem na revenda. Além disso, reduziria o Custo Brasil, retirando caminhões ineficientes da estrada, diminuiria as emissões de gases do efeito estufa e de poluentes locais e melhoraria a segurança nas rodovias. Outro aspecto importante é o respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, considerando que só seriam usados os recursos extras ao orçamento no Fundo de Estabilização.

A mudança no ICMS e a criação do Fundo de Estabilização reduziriam a volatilidade no preço do diesel, responsável por uma parte do custo extra que é sentido pelos caminhoneiros, podendo eliminar a necessidade de tabelamento do frete. O Programa reequilibraria de forma definitiva o mercado de fretes no Brasil e custaria menos que os R$ 9,5 bilhões gastos com o programa de subvenção ao diesel do governo Temer.

O momento é de garantir soluções estruturais, atacando o problema central para o transporte rodoviário de cargas, que é o excesso de caminhões. Tudo isso sem interferir artificialmente no funcionamento do mercado. Precisamos com urgência adaptar o famoso slogan nacionalista criado na década de 1940 para “O petróleo é nosso, mas a Petrobras não”.

Adriano Pires é sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE). Doutor em Economia Industrial pela Universidade Paris XIII (1987), Mestre em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ (1983) e Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980). Atua há mais de 30 anos na área de energia.

Fonte: Poder 360


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