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Postado em 17 de março de 2021 | 17:06

Maior cliente de ferrovia na Bahia é alvo de polêmicas

Com licitação conduzida a toque de caixa pelo governo Jair Bolsonaro, o primeiro trecho da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) terá como usuário quase exclusivo a Bahia Mineração S.A (Bamin). A ela pertence a mina Pedra de Ferro e projeto de terminal portuário para escoar o minério, operações que geram reação da população local e ambientalistas.

A Bamin é subsidiária brasileira do Eurasian Resources Group (ERG), do Cazaquistão, investigado por corrupção no Reino Unido e alvo do Departamento de Justiça americano (DoJ na sigla em inglês) e do FBI (ver Dona de subsidiária brasileira é investigada nos EUA). Tais problemas, por ora, não entraram no rol de preocupações de autoridades brasileiras responsáveis pela liberação dos projetos e concessões.

Em todas as etapas, o projeto da Fiol contempla 1.527 km de extensão e liga um futuro porto em Ilhéus a Figueirópolis, no Tocantins, ponto de possível conexão à ferrovia Norte-Sul (ver mapa acima). O primeiro trecho, único qualificado até agora para subconcessão, com prazo de 35 anos, tem licitação marcada para 8 de abril na B3, em São Paulo. Será uma concorrência com participação internacional e vence quem oferecer o maior valor de outorga fixa. O lance mínimo é R$ 32,7 milhões e o vencedor fará pagamentos trimestrais de outorga variável dentro do prazo contratual de 3,43% da receita operacional bruta da ferrovia.

O segundo trecho, entre Caetité e Barreiras, ainda não licitado, tem 485 km e cerca de 36% das obras executadas pelo governo e depois abandonadas. O investimento previsto pelo governo nas obras dos trechos 1 e 2 da Fiol é R$ 6,4 bilhões e mais R$ 3,3 bilhões para conclusão de obras remanescentes e outros investimentos da operação do trecho I.

A porção final da via férrea, com 505 km de Barreiras a Figueirópolis, ainda está em fase de análises e não se sabe se sairá do papel.

Os estudos para construção da Fiol começaram no governo Lula, em 2008, e ganharam impulso na gestão Dilma. As obras tiveram início em 2011, sob comando da Valec. A maior parte da ferrovia cruza território da Bahia, cujos governadores foram os grandes incentivadores da empreitada. O Estado está nas mãos do PT desde 2007, com dois mandatos de Jaques Wagner e Rui Costa em sua segunda gestão.

A carga a ser transportada no primeiro trecho da ferrovia é o minério de ferro extraído das regiões de Caetité e Tanhaçu. Será levado para os terminais do Complexo Portuário Porto Sul, na região de Aritaguá, em Ilhéus. Segundo o projeto, a estrutura terá área de retroporto de 12,2 km quadrados, uma ponte de acesso marítimo e píer com quebra-mar a ser instalado a 3,5 km da costa.

A Bamin, concessionária do porto, depende dele e da ferrovia para viabilizar a exploração de sua mina. Mas o projeto de um corredor para exportar o minério da Pedra de Ferro é controverso. Desde a concepção tem sido alvo de críticas de ambientalistas, que há anos alertam para o potencial desastroso de um porto em área costeira habitada por diversificadas e frágeis espécies animais.

O problema não é só o porto. A via férrea passará por uma região conhecida por abrigar um santuário ecológico. Ao longo de mais de 30 km ao norte de Ilhéus, se estendem florestas, manguezais e áreas de estuário. É também onde fica a Lagoa Encantada, espelho d’água de 15 km quadrados que abriga ilhas flutuantes que se deslocam de acordo com a intensidade do vento, cachoeiras e quatro grutas engastadas em área de Mata Atlântica até agora inteiramente preservada.

Projeto de mineração é contestado por ambientalistas, produtores rurais e moradores da região
Para dar escala à extração do ferro, será preciso construir uma barragem de rejeitos no município de Caetité (BA). Ela ficará acima de Guanambi, que conta 84.928 habitantes, e da represa de Ceraíma, que abastece a cidade e Caetité – município que contava 51.081 habitantes em 2020, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A barragem será cinco vezes maior que a do Fundão, que se rompeu em Mariana, e terá ao menos 12 vezes o tamanho da represa do Córrego do Feijão, que arrebentou em Brumadinho. O reservatório poderá armazenar até 180 milhões de metros cúbicos de água.

Desde que a Bamin iniciou o trabalho na região da jazida, entre os municípios de Caetité e Pindaí, lideranças comunitárias passaram a denunciar supostas irregularidades praticadas pela mineradora. Entre elas, a de que a Bamin teria se apropriado de áreas de uso comum em Caetité e avançado sobre os municípios de Pindaí e Licínio de Almeida – a empresa nega. Moradores alegam que o eventual rompimento da barragem os afetará e à represa de Ceraíma e ao rio São Francisco.

A mina de Caetité iniciou sua operação comercial em janeiro e tem escoado o minério até Minas Gerais pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), através do terminal da Bamin em Licínio de Almeida (BA). Mas o projeto ganhará outra dimensão com o corredor ferroviário para o Porto Sul, em Ilhéus, onde conta com apoio do governo da Bahia. Um investimento de US$ 800 milhões que deve levar dois anos e só terá início quando a construção do trecho da linha férrea tiver começado.

Será criada uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) da qual o governo baiano será sócio minoritário, com 2%. Os dois terminais do complexo portuário estarão unificados sob promessa de aumentar a eficiência operacional do Porto Sul com uso compartilhado, pela mineradora e pelo Estado, das estruturas marítimas e terrestres do equipamento. A expectativa é de armazenamento e transporte de até 41,5 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, segundo o governo da Bahia. A Bamin é responsável pela construção, operação e exploração do Terminal de Utilização Privada (TUP) do Estado da Bahia no Porto Sul, investimento superior a R$ 2,5 bilhões, de acordo com a empresa.

A mineradora obteve as licenças de operação da mina e do terminal portuário. A autorização de exploração minerária foi emitida em 2014. Três licenças de supressão vegetal (desmatamento) foram concedidas em 2017, venceram no ano passado, mas foram prorrogadas até março de 2025. Elas autorizam a construção de adutora, barragem de rejeitos, pilha de estéril e a cava da mina.

Em maio de 2020, para agilizar a licitação do trecho da Fiol no Tribunal de Contas da União (TCU), o relator do processo na Corte, Aroldo Cedraz, reuniu-se com os ministros de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e de Minas e Energia, Bento Albuquerque. O edital de licitação tinha ficado parado por mais de oito meses no TCU até o encontro. O projeto portuário ficou por 12 anos na gaveta do governo baiano. A licença prévia para a implantação do Porto Sul foi emitida em novembro de 2012 pelo Ibama. A autorização estadual foi concedida na gestão Jaques Wagner.

Procurada, a Bamin disse que está no Brasil há mais de 15 anos e que seus empreendimentos “possuem todas as licenças necessárias para implementação e operação de suas atividades e seguem todo o rito de licenciamento ambiental vigente”.

A Bamin afirmou também que “cumpre todas as condicionantes acordadas” e que a implantação e operação “estão estruturadas nas melhores práticas”, com padrões internacionais de gestão, eficiência, excelência e sustentabilidade”.

Segundo o Ministério de Minas e Energia, a mina fará da Bahia “o ºterceiro maior produtor de minério de ferro do país” e a solução logística de modais mistos “será âncora para outros depósitos minerais na região por viabilizar a criação de um novo corredor logístico de exportação de minérios e produtos agrícolas”.

Já o tema do impacto ambiental “cabe às autoridades ambientais e ao Ministério Público”, disse a pasta.

“Atinente aos riscos da atividade de mineração, como a mencionada lagoa de rejeitos, estas, além das autoridades ambientais, passam também pelo crivo da Agência Nacional de Mineração”, afirmou. Para o órgão, o Brasil passou a ter “uma das legislações mais rigorosas sobre o assunto” em setembro, com a edição da lei que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens.

O Ministério de Infraestrutura disse que o processo da Fiol “atendeu todas as exigências legais e passou pela avaliação dos órgãos ambientais e de controle”, estando apto para o leilão de 8 de abril.

A pasta afirmou ainda que os projetos de concessão de ferrovias seguem “diretrizes socioambientais e parâmetros exigidos por organização internacional que certifica iniciativas sustentáveis”. E que a Fiol “está elegível para obter ‘selo verde’, o que dependerá ainda da iniciativa do futuro concessionário, com possibilidade de acessar financiamento no mercado global de green bonds”.

Para garantir “maior competitividade”, o Minfra disse estar assegurando a disponibilização de área para que, “caso deseje, o eventual vencedor do certame possa instalar seu próprio terminal de uso privado”.

 

 

 

Fonte: Valor


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