Depois de conquistar Estados Unidos e Europa, café mineiro almeja mercado asiático
A importância do café para a agricultura mineira não está apenas no fato de o produto ser um dos principais exportados pelo estado para o resto do mundo, atrás apenas do minério de ferro. O grão que chegou ao Brasil há quase três séculos e encontrou, aqui, o ambiente ideal para o cultivo, ocupa hoje nada menos que 1 milhão de hectares plantados em Minas. No Dia Nacional do Café – comemorado em 24 de maio como marca simbólica do início da colheita – celebra-se também a relevância cultural e econômica dessa bebida que é consumida em nove de cada 10 lares brasileiros.
E não faltam motivos. Mesmo diante da pandemia da Covid-19, que acomete o mundo e cujos impactos a médio prazo sequer foram calculados, o consumo doméstico de café tem crescido. Estimativas da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) apontam que, durante a pandemia, a demanda pelo produto nos supermercados brasileiros já aumentou 35%.
Em Minas, onde a produção acontece em quase 500 municípios e emprega, direta e indiretamente, mais de 2 milhões de pessoas, a safra mais uma vez tende a ser histórica, ultrapassando 30 milhões de sacas. Diante disso, medidas para evitar a disseminação do vírus e proteger os trabalhadores já foram tomadas.
Dentre as ações, foram produzidos dois informativos pela Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) – um sobre as deliberações relativas ao trânsito interestadual de trabalhadores no período de quarentena e o outro com recomendações à respeito da colheita de café – e elaborada uma cartilha pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), também com orientações ao produtor desde o momento da contratação da mão de obra até as ações de prevenção no dia a dia da colheita.
No campo, o apoio tem feito a diferença para muitos cafeicultores. Produtora do município de Imbé de Minas, no Vale do Rio Doce, Thiana Luvizotto explica que a parceria com as famílias que realizam a colheita na sua propriedade tem evitado aglomerações, permitindo que o trabalho aconteça sem empecilhos.
“Desde 2017, quando conhecemos a Emater, percebemos que precisávamos não apenas aumentar a produção, mas também a qualidade do nosso produto. Começou aí todo o processo de reestruturação do modelo de gestão e isso trouxe um novo horizonte para o nosso trabalho. Hoje, cafeicultura é, para nós, sinônimo de vida”, relata.
Fomento
O caso não é isolado. Em parceria com a Seapa, a Emater-MG, Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) realizaram o mapeamento de todo o parque cafeeiro do estado.
“Essa ação nos fornece informações estratégicas para conhecermos nossa real área plantada, tomarmos decisões e inibirmos especulações de mercado sobre safras. É um trabalho constante de monitoramento e atualização. Algo único no Brasil”, explica o coordenador técnico de Cafeicultura da Emater-MG, Bernardino Cangussú.
Ele ressalta que inúmeras ações para o desenvolvimento do setor são feitas há décadas pelo Sistema Agricultura, o que contribuiu para que o café produzido em Minas chegasse a um patamar de excelência com reconhecimento nacional e internacional.
Uma delas é o Concurso Estadual de Qualidade do Café, que se tornou vitrine para a produção mineira. “O mercado internacional tem tido grande demanda para cafés com qualidade superior. Isso impõe ao setor produtivo uma busca constante pela excelência na produção”, destaca Cangussú.
Para José Maria de Oliveira, cafeicultor do município de Campos Altos, no Alto Paranaíba, a ponte para comercialização com outros países já está consolidada e deve trazer cada vez mais resultados para Minas.
“Já vendemos para os Estados Unidos, Alemanha e Argentina, sendo que a expectativa é ampliar ainda mais nosso alcance. Nosso produto está acima dos 80 pontos na escala internacional, o que nos confere um status especial. Mas o estado, de forma geral, tem um potencial enorme e um futuro promissor”, afirma Oliveira.
Pesquisa
O trabalho de cientistas e pesquisadores que, desde o início da década de 1970, vêm decifrando o universo do café também pode ser percebido nos resultados positivos obtidos em milhares de propriedades mineiras. Pesquisador de melhoramento e manejo cafeeiro e chefe geral da Epamig Sul, Cesar Elias Botelho relembra que a distribuição de sementes certificadas foi um dos grandes acertos da empresa.
“Houve um trabalho muito forte para formar os campos de sementes com produtores do estado. Essa base, criada há mais de 50 anos, permitiu uma revolução em termos de ganhos genéticos na cafeicultura mineira”, explica o pesquisador.
Quem experimenta essas soluções no dia a dia, comprova o feito. Produtor de café arábica em Caratinga, no Vale do Rio Doce, Mauro Grossi Araújo garante que o conhecimento acumulado por instituições como a Epamig e difundido para todo o setor tem um papel fundamental no reconhecimento que Minas alcançou ao longo dos anos.
“A produção de café arábica de qualidade, assim como dos cafés especiais, está diretamente ligada às variedades de sementes, escolha do relevo, altitude, dentre outros fatores. Nós temos hoje, em Minas, variedades extremamente resistentes a pragas, estresse hídrico e com altíssima qualidade e produtividade. Tudo fruto do trabalho de pesquisa”, comemora o produtor.
Em paralelo, o trabalho de certificação das propriedades é o que demonstra como o setor cafeeiro vem elevando a qualidade do grão. Por meio do programa Certifica Minas, o IMA já concedeu o selo a 1347 propriedades em 166 municípios mineiros. Uma prova de que critérios como responsabilidade socioambiental, rastreabilidade, gestão e segurança alimentar vêm sendo buscados pelo setor produtivo.
“Hoje, o desafio é o de aumentar ainda mais o já impressionante número de produtores certificados e também a tentativa de que a certificação seja uma boa resposta para auxiliar a recuperação pós-Covid-19”, avalia o gerente de Certificação do IMA, Rogério Fernandes.
Perspectivas
Se a posição ocupada pelo Brasil já é favorável entre os grandes exportadores de café, a expectativa é que no futuro, com a abertura de novos mercados, as possibilidades se tornem ainda maiores. A análise é do assessor técnico especial para o Café da Seapa, Niwton Castro Moraes.
Ele explica que, na escala internacional que uniformizou o entendimento sobre a qualidade dos cafés, com notas de 0 a 10, o Brasil tem obtido classificações superiores a 8. A avaliação positiva tem agregado valor ao grão brasileiro.
“É um caminho que aponta para uma demanda cada vez maior por cafés de alta qualidade. Hoje, o segmento já cresce cerca de 15% ao ano no mundo, enquanto para o café tradicional commodity o crescimento é de 2%. O Brasil já exporta para 137 países, mas sabemos que há uma nova fronteira de consumo na Ásia, principalmente na China e Índia, que concentram um terço de toda população mundial”, conclui.