Jornal Multimodal

Uma reflexão sobre o futuro: a exteriorização dos portos

O Porto de Santos é um porto estuarino concebido há quase um século e meio e foi expandindo aos poucos, na base do “puxadinho”, especialmente nas suas retroáreas. Foi desenhado para a classe de navios panamax, que conseguem entrar nas eclusas e cruzar o lago do Panamá. O tamanho máximo é ditado pela capacidade das eclusas: 289 metros de comprimento, 32,3 metros de largura e 12 metros de profundidade. Atualmente esse canal foi ampliado gerando a classe de navios denominada pós-panamax.

As embarcações, por sua vez, seguem crescendo, e os complexos marítimos possuem limitações físicas importantes, seja pela compressão decorrente do crescimento das cidades ou pelas restrições da hidrografia local.

Em síntese, os navios crescem numa velocidade bem superior ao incremento físico dos portos que, muitas vezes, atingem o limite físico da sua expansão para receberem os big ships de última geração! Eterno conflito entre armadores e portos ou terminais.

O Porto de Santos vive essa situação e isso nos obriga, inexoravelmente, a olhar para a sua exteriorização. Não resta dúvidas de que o futuro do maior porto da América Latina será a sua ampliação em direção ao Oceano Atlântico, buscando profundidades naturais maiores, sem as barreiras físicas referidas e sem demandar elevados custos para a manutenção do seu canal e bacias.

O eventual futuro túnel submerso, ligando as cidades de Santos e Guarujá (ou seja, as duas margens do Porto de Santos) foi projetado para 21 metros na sua soleira superior, o que permitiria a passagem de navios com 17,5 metros de draft , segundo as normas, portanto a classe dos baby-panamax.

O canal do Panamá, atualmente ampliado, possui 26 metros de profundidade .

Conforme ocorre hoje com a expansão do Porto de Roterdã, na Holanda, chamado Projeto Maasvlakte 2, que cresce para o mar e está quase concluído, o Porto de Santos terá que enfrentar esse desafio! O novo porto offshore de Shanghai é outro exemplo disso.

O navio grande não vai entrar para buscar a carga, ao contrário, a carga irá encontrar o navio grande lá fora, seja por duto, esteira ou via contêiner pelos modais terrestres conhecidos. Um porto que não se planeja para acompanhar o crescimento dos navios é um porto fadado à deterioração. Isso significa um complexo caro e, naturalmente, a carga vai se afastando dele. Um porto sem carga é um porto obsoleto e condenado à morte!

Canal de Acesso

A curva do canal de acesso ao Porto de Santos, na Ponta da Praia, torna-se um limitador físico importante para o seu crescimento interior, e o acidente recente é prova inequívoca disso. No último domingo, dia 20, um navio de contêineres da operadora Hamburg Süd bateu na estação de balsas de Guarujá. Ao navegar próximo ao local, ele atingiu um flutuador utilizado para embarque e desembarque de ciclistas, que fazem a travessia Santos-Guarujá.

O porta-contêiner de 366 metros para 10/12 mil TEUs (medida equivalente a um contêiner de 20 pés), que Santos quer habilitar, já não representa os big ships atualmente operantes mundo afora nas grandes rotas, para 20/25 mil TEUs e calado de 19/20 metros.

E não é só calado a medida restritiva. O comprimento superior a 400 metros impede fisicamente a geometria daquela curva, de receber esses jumbos! Perde o porto e perde o Brasil, pois um contêiner transportado nesses jumbos tem o seu frete reduzido em 70%, se comparado aos navios menores, que atuam em Santos.

A engenharia tem ferramentas para alargar e melhorar a geometria dessa curva referida, trazendo mais segurança àquele trecho, no sentido de reduzir os riscos atuais, ao invés de acolher navios bem maiores.

Vale destacar que o acidente ocorreu com um navio de 333 metros, que poderia facilmente ficar entalado num canal com 220 metros na soleira. Se isso acontecesse o Porto de Santos estaria nas manchetes mundiais, interditado por semanas ou meses, assim como ocorreu com o recente acidente no Canal de Suez.

O Porto de Santos será privatizado e o futuro gestor privado vai querer tornar o seu negócio competitivo e eficiente à luz dessa realidade. Para isso, será fundamental que encare esse tema, pois Santos não poderá deixar de receber os capesizes, os VLCC e ULCC, com calado de 24/25 metros e que operam pelo mundo afora.

A ferrovia privada e ativa poderia trazer o minério de ferro nobre de Corumbá, e embarcá-lo em Santos no seu porto offshore, que certamente seria em São Vicente, onde Papai do Céu já deixou essa geografia desenhada pensando nesse futuro que já chegou (…)

Vamos pensar grande, sem paixões e com os pés no chão, olhando para o novo Porto de Santos como o verdadeiro hub brasileiro, especialmente agora com a BR do Mar, onde a almejada cabotagem deve explodir na nossa extensa Costa Atlântica.

 

 

 

 

Fonte: João Acácio, presidente da DTA Engenharia é engenheiro civil formado pela EPUSP-Escola Politécnica da USP, com especialização em portos e dragagem pela Universidade de Delft-Holanda. Presidente e sócio-fundador da DTA Engenharia desde 1998

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