Agronegócio brasileiro em alerta com os acordos e conflitos comerciais
por Mauricio Moraes
No atual cenário internacional, com a globalização sendo fortemente questionada e barreiras ao livre comércio sendo levantadas por diversos países, as incertezas no comércio mundial estão se tornando cada vez maiores, desafiando os líderes de empresas a adaptarem suas estratégias. Segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC), o período entre maio e outubro de 2018 registrou recorde no número de medidas protecionistas adotadas pelas maiores economias do mundo (G20) desde 2012, atingindo um comércio equivalente a US$ 481 bilhões. Além disso, de acordo com a 21ª Pesquisa Anual Global com CEOs da PwC, entre 2017 e 2018, enquanto o excesso regulatório permaneceu como a principal preocupação dos CEOs, a preocupação com incertezas geopolíticas subiu da quinta para a terceira posição.
Para o agronegócio brasileiro, estes movimentos protecionistas igualmente são preocupantes. Diversos produtos brasileiros são bastante competitivos no mercado internacional, levando determinados países a impor barreiras ou sobretaxar às exportações das commodities agrícolas brasileiras.
A guerra comercial entre os Estados Unidos (EUA) e China, principal conflito comercial desencadeado em 2018, causou muitos impactos. A China é o principal destino das exportações agrícolas brasileiras, respondendo por cerca de 30% das exportações em 2017, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Os EUA, além de ser o terceiro principal destino, é um importante competidor do agronegócio brasileiro nas cadeias de soja, algodão e proteína animal.
No caso da soja, com a tributação da oleaginosa americana em 25%, os asiáticos, maiores consumidores e importadores mundiais, recorreram ao Brasil para comprar a commodity, valorizando o preço e aumentando as exportações. Segundo dados do MDIC, no acumulado de julho a outubro o faturamento com a exportação do produto aumentou 62%, em relação a 2017. O cenário positivo também estimulou o aumento da área plantada de soja e as incertezas do mercado anteciparam a comercialização da safra 2018/19. De acordo com a Companhia Nacional de abastecimento (Conab), a área plantada da safra atual pode chegar a 36,1 milhões de hectares, aumento de 2,8% em relação ao ciclo anterior. Segundo a consultoria Datagro, até a primeira semana de dezembro, mais de 30% da safra já havia sido comercializada, valor superior aos 26% registrados no mesmo período de 2017. O melhor resultado das exportações e a expansão do cultivo fomentaram o otimismo do setor em relação à próxima safra.
Reflexos comerciais também foram sentidos no algodão. No comparativo entre as safras 2017/18 e 2018/19, com o aumento de área plantada podendo chegar a 21,4%, a produção de algodão em pluma pode atingir 2,3 milhões de toneladas, crescimento de 16,5%, de acordo com dados da Conab. O incremento na produção prevista para o Brasil já reflete na expectativa de exportação da pluma para 2019. A Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea) estima ao menos 1,7 milhão de toneladas de pluma para 2019. Isso é reflexo dos bons resultados na comercialização da safra 2017/18 e das boas perspectivas futuras de mercado para o produto brasileiro pois, além da perspectiva de déficit na produção mundial, também pode haver a possibilidade do mesmo se beneficiar do conflito comercial entre o principal exportador da pluma de algodão, EUA, e o maior consumidor, China.
Outro segmento que se beneficiou da disputa foi o de proteína animal. Em um ano em que o segmento sofreu diversas barreiras às exportações de carnes, como os embargos russo à carne suína brasileira e da União Europeia a 20 estabelecimentos brasileiros exportadores de frango, as exportações só não foram ainda menores devido ao aumento da demanda chinesa. De acordo com os dados do MDIC, ao compararmos o acumulado de 2018 até novembro com o mesmo período do ano anterior, as exportações de carne de frango e suína para a China, em valor, aumentaram 4% e 238%, respectivamente. Para a carne bovina, a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) afirma que a China passou a representar, em outubro, cerca de 45% das exportações brasileiras de carne bovina contra 35% em igual mês do ano passado. No acumulado do ano, até setembro, o avanço é bastante expressivo: embarques 56% maiores de carne bovina para a China, com faturamento adicional de 68%, conforme a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec).
Mas até quando esse cenário vai continuar? No início de dezembro, os presidentes dos EUA e China, acertaram uma trégua válida por 90 dias, a partir de 1º de janeiro de 2019, onde se comprometeram a não elevar ainda mais as tarifas e concordaram em iniciar negociações para esfriar as tensões comerciais. Além disso, as empresas estatais chinesas voltaram a buscar a soja norte-americana, reservando mais de 1,5 milhão de toneladas para serem entregues de janeiro a março de 2019, a primeira grande compra da China do produto dos EUA nos últimos seis meses.
Apesar deste recuo nas medidas protecionistas, que gerou alívio e otimismo pelos mercados globais, as incertezas continuam, principalmente pelos desafios de como reformar o sistema multilateral de comércio. As práticas protecionistas de comércio tiram dinamismo da economia internacional e afetam seu crescimento, proporcionando um ambiente adverso e complexo.
Nesse sentido, além de olhar para a safra que está no campo, as empresas do agronegócio brasileiro devem estar atentas, entre tantas importantes questões ligadas as suas atividades, aos acordos bilaterais e multilaterais que estão sendo firmados e aos conflitos comerciais, principalmente em relação à China e EUA.
*Mauricio Moraes é sócio da PwC Brasil e líder de Agribusiness
Fonte: Bahia Notícias