Opinião

Vem aí um “tsunami” para abalar embarcadores, transportadoras e operadores logísticos

Setor precisará desenvolver estratégias para atrair e reter profissionais — custa muito caro o turnover e o absenteísmo, mas custa ainda mais caro não ter profissionais.

Profissionais de logística e transportes nunca navegaram em mares calmos. Não importa de que lado estivéssemos — embarcador ou prestador de serviços —, sempre tivemos que lidar com as adversidades e desenvolver habilidades como criatividade, flexibilidade, resiliência e resposta rápida para os mais inesperados problemas.

Com o duro aprendizado diário, desenvolvemos uma “armadura” aparentemente impenetrável, que nos fez parecer forte diante de tantos desafios. E nada pareceria abalar nossa rotina diária, nem Covid-19, guerra entre Rússia e Ucrânia, enchentes etc.

Mas, o que vem por aí é realmente preocupante. Já sentimos seus efeitos há algum tempo, mas a tendência é que se avolume, e que rapidamente evolua de uma “ressaca” despretensiosa para um assustador tsunami, que poderá varrer muitos anos de aprendizado e muitos milhões de reais em investimentos.

Estamos falando dos gigantescos e complexos problemas relacionados à mão de obra. E estamos tratando não apenas das dificuldades do dia a dia, intimamente ligadas ao turnover, absenteísmo, baixa produtividade, erros recorrentes etc., mas também da sua efetiva falta, ou seja, da ausência de recursos que preencham um quadro mínimo diário de pessoal, para exercer as atividades básicas do dia a dia.

Docas deixam de operar na sua capacidade e veículos não são carregados ou descarregados em função da falta de conferentes, operadores de empilhadeiras e estivadores. Coletas e entregas não são realizadas na sua totalidade por não contarmos com motoristas e ajudantes. Devoluções de produtos acabados não são devidamente processadas por causa da ausência de Auxiliares e Assistentes, tanto administrativos como operacionais. E por aí vai.

QUESTÃO GERACIONAL?

Não podemos responsabilizar exclusivamente uma determinada geração pelo cenário caótico. O problema vai além dos mais jovens e atinge a força de trabalho na faixa dos 30 e 40 anos. Será que a logística perdeu a sua atratividade? Ou o setor não se valorizou na mesma intensidade que outras atividades? Ou possivelmente têm surgido novas profissões que “roubaram” uma importante parcela desses profissionais? Ou se trata de um fenômeno social, no qual os profissionais, de uma forma geral, estão buscando alternativas à convencional relação empregado x empregador? Talvez seja um pouco de cada uma dessas coisas e outras sequer citadas aqui.

Diferentemente das anteriores, as novas gerações não almejam mais uma carreira vertical, mas sim espiral. Em um determinado momento, atuarão como analistas de logística em uma empresa; em outra, estarão em Londres, na Inglaterra, trabalhando como barman em um restaurante e, em outra oportunidade, atuando como monitores de crianças em um resort, em Sidney, na Austrália. E antes de voltar ao Brasil, talvez rodem como motorista de Uber em Lisboa, em Portugal.

Uma coisa é certa: trata-se de um problema de difícil solução, que requererá mudanças radicais nas empresas, não apenas em seus departamentos de RH, mas em toda a sua estrutura e em seu DNA.

Embarcadores, transportadoras e operadores logísticos precisarão desenvolver estratégias para atrair e reter profissionais. Custa muito caro o turnover e o absenteísmo, mas custa ainda mais caro não ter profissionais.

O que fazer diante dessa realidade de falta de mão de obra e da difícil missão de atrair e reter os melhores profissionais?

PROPOSTAS PARA MELHORAR ATRAÇÃO E RETENÇÃO DE TALENTOS:

  1. Conte com um RH forte, estruturado em suas diferentes frentes de atuação e valorize o seu papel, atribuindo a ele o protagonismo necessário.
  2. Valorize a diversidade de gerações; estimule o convívio entre baby boomers, geração X, geração Y e geração Z.
  3. Estabeleça canais de comunicação informais entre os executivos da empresa e os demais colaboradores; promova encontros em cafés da manhã, almoços, jantares etc.
  4. Humanize a empresa e procure, na medida do possível, entender a realidade de cada colaborador. Uma determinada Supervisora, por exemplo, pode estar enfrentando dificuldades em casa com seus 2 filhos pequenos e com os cuidados especiais com a mãe, que está doente e depende da ajuda dela. Um outro Analista, por exemplo, pode estar enfrentando um divórcio, e isso está comprometendo o seu desempenho.
  5. Flexibilize os horários e o modelo de trabalho, dentro das possibilidades de cada função. Se o seu setor administrativo opera entre 8h e 17h, permita, por exemplo, que as pessoas possam entrar entre 7h e 9h e sair entre 16h e 18h. O trabalho híbrido já é uma condição imposta por muitos profissionais e até valorizada por algumas empresas, portanto, em determinados casos, avalie a atuação em um modelo misto, com atuação presencial e remota.
  6. Dê especial atenção às lideranças, em todos os níveis, assegurando que desempenhem adequadamente o seu papel frente às suas equipes.
  7. Implemente a avaliação 360 graus, sem caráter punitivo, mas educativo e construtivo.
  8. Invista tempo nas entrevistas de desligamento, pois elas constituem uma importante fonte de informação para o aprimoramento das políticas de capital humano.
  9. Desenvolva programas de estágio e de trainee para a oxigenação da equipe.
  10. Flexibilize os benefícios oferecidos pela empresa; a assistência médica e odontológica, por exemplo, pode ser interessante para um colaborador, mas não para outro.
  11. Reavalie sua política de cargos e salários e mantenha-se atualizado quanto aos valores pagos no mercado. Algumas empresas insistem, por exemplo, em contratar analistas de logística por R$ 3mil; na prática, não existem analistas nessa faixa salarial — na verdade, essa empresa contratará um assistente de logística com a nomenclatura de analista e não disporá de um profissional analítico, com capacidade de tomar determinadas decisões. Outras querem admitir gerentes por R$ 8 mil; mais uma vez, essa empresa não contará com um gerente, mas talvez com um coordenador, que em muitas empresas já ganha muito mais do que isso.
  12. Periodicamente, faça uma avaliação do clima organizacional. E faça isso com o auxílio de uma empresa externa; o uso do próprio RH influenciará nas respostas dos entrevistados.
  13. Invista em treinamento; as melhores empresas ultrapassam 50 horas por colaborador por ano em capacitação e reciclagem.
  14. Tenha indicadores de desempenho voltados à gestão de pessoal. Meça o % de turnover, o % de absenteísmo, gastos com horas-extras, tempo médio para reposição das vagas, % de vagas em aberto ainda não preenchidas, representatividade de gastos com ações indenizatórias em relação a ROL, investimentos em treinamento, nível de satisfação dos colaboradores com a empresa etc.
  15. Visite constantemente outras empresas que são reconhecidas por práticas eficientes e eficazes na gestão do capital humano. E procure internalizar parte dessa estratégia bem-sucedida.
  16. Conte com o apoio de headhunters especializados em logística e transportes; mais do que a reposição de profissionais, eles podem contribuir fornecendo importantes insights do mercado, que contribuirão na reavaliação de suas políticas internas.

A jornada é longa. Muito trabalho pela frente. Não desanime. Sucesso!

 

 

Fonte: Marco Antonio Oliveira Neves é diretor da Tigerlog Consultoria, Hunting e Treinamento em Logística.

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