Desejo veemente de credenciar as Comissárias, a quem interessa?
Neste artigo abordaremos essas questões tão complexas, mas também intrigantes, que vem a despertar nos últimos anos tanto interesse. Então começaremos falando da profissão do despachante aduaneiro, que exerce função pública, prestando serviço a particulares importadores/exportadores, sob fiscalização do Estado. Embora não possuam vínculo funcional com a Administração Pública, a atividade que desempenham sujeita-se ao regime de direito público, razão pela qual diversas restrições lhes são impostas.
Tais restrições visam, sobretudo, assegurar a observância dos princípios administrativos da supremacia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público, exemplo da impessoalidade e da moralidade, na atuação do despachante aduaneiro.
Agora teceremos comentários sobre a causadora dessa disputa tão interessante. As comissárias de despachos. Pois bem, as comissárias de despacho aduaneiro exercem atividades diferentes das dos despachantes aduaneiros. A sua prestação de serviço é de acompanhar a tramitação do desembaraço aduaneiro, desenvolvimento de projetos, pesquisa de mercado, redução de custos operacionais logísticas completa na assessoria do desembaraço aduaneiro.
Entretanto, a competência para firmar as declarações aduaneiras que embasam os despachos, por força de lei, é restrita ao profissional despachante aduaneiro, que é o responsável técnico pelo despacho e atua mediante procuração. E há muitas décadas, de forma mansa e pacífica, os despachantes aduaneiros e as comissárias de despacho aduaneiro exercem as suas atividades próprias, trabalhando em parceria, conforme Legislação em vigor. Porém, há alguns anos, o sindicato que representa as comissárias de despacho aduaneiro vem a travar uma guerra judicial, na tentativa de invadir as prerrogativas legais dos despachantes aduaneiros.
E a pergunta é: a quem isso interessa? De início não é à Receita Federal e nem aos despachantes aduaneiros. A Receita Federal vem defendendo a sua posição de não possibilitar a mudança dos sistemas informatizados e operacionais da administração aduaneira (RFB) só para “permitir” que uma empresa comissária, não prevista em lei própria, possa atuar em nome do importador ou exportador em ato de realização de despacho. E assim violar a lei e o todo o sistema aduaneiro brasileiro, com sério risco de comprometimento de segurança, sem prejuízo do risco da sua inviabilidade, ao fim e ao cabo.
O despachante aduaneiro exerce função técnica, sendo inscrito no CAD – Aduana após o cumprimento de vários requisitos de ordem técnica, fiscal, civil e criminal. E só é alçado à função após comprovar estágio de, pelo menos, dois anos como ajudante de despachante aduaneiro e de comprovar, ainda, aprovação em rigoroso exame de qualificação técnica patrocinado pela Administração Aduaneira do Brasil (vide art.811 do Decreto n° 6759/2.009, combinado com a IN-RFB n° 1.209/2011 e vários outros atos normativos).
E mais, alguns países como o Paraguai, por exemplo, adotam o critério de utilização obrigatória de despachantes aduaneiros nos despachos aduaneiros, mas na maioria dos países essa obrigatoriedade não existe e não existe no Brasil desde 1967. E em especial desde 1978, pela Lei n° 6.562/1.978, o que foi mantido pelo Decreto-Lei n° 2.472/1.988 (art. 5º, §§ 1° a 3°).
Outro ponto que chama a atenção e coloca em risco o mercado, bem como o comércio exterior como um todo, é a impossibilidade sistêmica de se inserir pessoa jurídica para realizar despacho aduaneiro em nome de terceiro no Siscomex ou no Radar. O que seguramente irá gerar grande falta de transparência e insegurança diante dos intervenientes regulares do Comex. Nesse sentido, é importante mencionar que habilitações desenfreadas de intervenientes não capacitados para operar no comércio exterior constituiria violação às normas da OMA e da OMC, implementação do Operador Econômico Autorizado (OEA) e as formas de controle eletrônicos mais rígidas estabelecidas atualmente. Uma pessoa física com CPF existe desde o dia em que nasce até o dia em que morre. Já pessoas jurídicas, diferentemente das pessoas físicas, têm data de início e pode ter um término também.
Dessa forma, também é importante ressaltar que a banalização do credenciamento de qualquer pessoa que seja mero funcionário trará inevitável concorrência desleal aos despachantes aduaneiros, que são submetidos a uma elevadíssima carga fiscal e rigoroso controle da RFB. Operações aduaneiras no Brasil são complexas e regidas por diversas normas. E em muitas delas um simples descuido leva a sanções. É neste contexto, de evitar o erro e fazer cumprir a norma aduaneira, que está inserido o despachante aduaneiro.
Por fim, sabemos da constante evolução tecnológica e de diversas mudanças que várias categorias estão a sofrer. Tendo isso em mente, os despachantes aduaneiros também estão a passar por tal evolução. E, ao contrário do que se pensa, os despachantes aduaneiros têm o objetivo de facilitar cada vez mais o comércio internacional. No entanto, insta salientar que a referida facilitação não pode se sobrepor à segurança jurídica do comércio exterior.
Referência: Decreto Lei- 2472/88
Art. 5º A designação do representante do importador e do exportador poderá recair em despachante aduaneiro, relativamente ao despacho aduaneiro de mercadorias importadas e exportadas e em toda e qualquer outra operação de comércio exterior, realizada apor qualquer via, inclusive no despacho de bagagem de viajante.
§ 1º Nas operações a que se refere este artigo, o processamento em todos os trâmites, junto aos órgãos competentes, poderá ser feito:
a) se pessoa jurídica de direito privado, somente por intermédio de dirigente, ou empregado com vínculo empregatício exclusivo com o interessado, munido de mandato que lhe outorgue plenos poderes para o mister, sem cláusulas excedentes da responsabilidade do outorgante mediante ato ou omissão do outorgado, ou por despachante aduaneiro;
b) se pessoa física, somente por ela própria ou por despachante aduaneiro;
Art. 33. A designação do representante do importador e exportador pode recair no Operador de Transporte Multimodal, relativamente ao despacho aduaneiro de mercadorias importadas e exportadas, em qualquer operação de comércio exterior, inclusive no despacho de bagagem de viajantes, no tocante às cargas sob sua responsabilidade.
Fonte: Flavia Bentes atua na área de Comércio Exterior e Direito Aduaneiro do Departamento Jurídico do Sindicato dos Despachantes Aduaneiros de Santos e Região, com 20 anos de experiência na área, graduada em Direito pela Universidade Santa Cecília