Aos 75 anos, Laire Giraud guarda memórias do Porto de Santos
Aos 75 anos, o despachante aduaneiro Laire José Giraud guarda memórias de grandes transformações no Porto de Santos e na Cidade. Ele acompanhou de perto a evolução dos navios, as crises do setor e as mudanças que tornaram o cais santista tão importante em sua vida e de tantas outras pessoas. Para o futuro, o profissional leva o mesmo otimismo de quanto, ainda criança, passava horas na Ponta da Praia, contemplando entradas e saídas de cargueiros no complexo marítimo. A paixão de Laire pelo cais santista e seu universo começou cedo. Durante a infância, era comum ir à Ponta da Praia, acompanhado pelo tio e pelo pai, que era médico. Ele atendia pacientes do Sindicato dos Operários em Serviços Portuários, em um consultório no Centro de Santos, com uma vista privilegiada do Porto de Santos.
“Lembro daquela janela do edifício na Praça da República. E do quanto eu ficava admirando, ainda criança, o cais, os guindastes, a operação. Aquilo me fascinava. Nós saíamos para a Rua XV, onde cavam as agências de navegação do mundo todo. Isso marcou a minha infância e toda a minha vida”, relembra.
Naquela época, segundo Laire, trabalhar no setor portuário era sinal de status. De um tio pro afinidade, o despachante aduaneiro herdou a paixão pela praticagem. Foram alguns concursos mas os resultados não saíram como esperado. “Quando nós sabíamos que viria um navio novo para o Porto ou navios de guerra, juntava aquela turma de 10, 15, inclusive meninas, e íamos todos para a Ponta da Praia. Meu amigo Fabio Fontes, que é prático até hoje, também estava nessa. Fizemos exame juntos e visitávamos os navios juntos. Ele foi o primeiro colocado e eu o 17º mas só havia oito vagas. Fiz mais algumas vezes, mas não tinha que ser”.
Comissária de despachos
Antes de abrir uma comissária de despachos em sociedade com outras duas pessoas, Laire atuou como contato publicitário. Mas o período longe do Porto foi breve. Logo, ele passou a captar clientes para operações no cais santista. “Antigamente, você chegava na empresa, entrava, tinha acesso aos departamentos, falava com as pessoas. Agora, as coisas são mais difíceis. Havia mais confiança e as pessoas eram menos blindadas. Mudou tudo”.
A evolução dos navios, do sistema viário, novos armazéns e as diversas cargas movimentadas no Porto de Santos foram acompanhadas de perto por Laire. Se antes as operações eram liberadas mediante documentos com várias páginas e carimbos de autoridades, hoje o trabalho acontece de forma eletrônica e muito mais ágil. “Eu andava com uma pasta de documentos que tinham que ter, pelo menos, sete vias. Cada guia representava uma coisa, um imposto, uma autoridade. Isso mudou, mas também levou o convívio com a categoria. Todos se encontravam na rua, havia mais relacionamento. O curioso é que ficou mais fácil, mas os custos não caíram”, destacou o despachante.
Crises
Nem tudo foi fácil. Laire também atravessou algumas crises no setor. Em algumas delas, o risco de ter que partir para outro ramo. Em outras, a necessidade de reduzir o quadro de funcionários, que já chegou a 25. Também houve parceiros que preferiram deixar o Porto de Santos para exportar ou importar por outros complexos portuários. “Já pensamos em abrir filial em Paranaguá (PR) para atender a clientes que quiseram deixar Santos. Mas aqui a coisa é muito mais organizada e essas empresas voltaram. Não há lugar para trabalhar como Santos”. Para o futuro, Laire acredita que muitas mudanças ainda estão por vir. Mas, todas para melhorar as operações, reduzir tempos de procedimento e impulsionar as trocas comerciais.
“Aumentou o número de terminais e eles são ecientes. Estamos preocupados com a dragagem do Porto, a chegada de navios maiores. Nós podemos ter uma história diferente, sem desvios de cargas. Só é preciso fazer a lição de casa”, armou. Postais revelam paixão por Santos e seu cais Mais do que memórias, o despachante aduaneiro Laire José Giraud guarda uma coleção de mais de 3,5 mil cartões postais com temas bem característicos. No papel, momentos estão eternizados em seus seis livros sobre a história do Porto e da Cidade. “Eu prero os postais de navios, os que mostram a Cidade e, claro, o Porto de Santos. Comecei a me interessar pelo Porto, sua história, como foi criado e expandido”, afirma.
Os postais contam parte da história de Santos e a evolução do complexo marítimo. Dos rudimentares trapiches, com trabalhadores portuários que equilibravam quilos e quilos de sacarias nas costas, até os glamurosos navios de cruzeiros que partiam do cais santista. O hobby já tem mais de 30 anos. Alguns postais foram comprados em leilões, outros fora do País, como na França, na Suíça e na Argentina. Mas, apesar da grande coleção, ainda há os que caram na memória e ainda não foram adquiridos. “Tem uma imagem de quatro hidroaviões nas proximidades da ponte Edgar Perdigão, na Ponta da Praia. É uma imagem linda, que eu procuro até hoje, mas custava US$ 350 (o equivalente hoje a quase R$ 1,5 mil)”.
Além dos postais, viajar de navio é outra paixão do despachante aduaneiro. Tudo começou quando, jovem, costumava ir ao Rio de Janeiro a bordo de embarcações que partiam, em uma linha regular, do píer atrás da Alfândega do Porto de Santos. “Era uma festa, saíamos na sexta-feira, às 5 da tarde e chegávamos no Rio, às 6 da manhã. Piscina, festa, alegria o dia inteiro. No domingo, partíamos e eu seguia direto para o trabalho, cava parecendo um zumbi durante o dia, mas era muito bom”, relembra.
Livros
Essa paixão pelos navios de passageiros deu origem a dois livros: Transatlânticos em Santos, seu preferido, e Transatlânticos de Cruzeiros Marítimos. Laire ainda é autor de Photograas e Fotograas do Porto de Santos, com imagens antigas do cais santista, e Cia Docas, editado em comemoração aos 500 anos do Descobrimento do Brasil e que retrata a construção do segundo trecho do cais, entre Paquetá e Outeirinhos, em 1902. Já Memórias da Hotelaria Santista mostra parte da história do turismo santista.
Fonte: A Tribuna