Delatados por propina, diretores da ANTT lançam licitação suspeita
Delatados por cobrar propina de empreiteiras, diretores da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) lançaram uma licitação de R$ 42 milhões, suspeita de direcionamento a empresas que já prestam serviços ao órgão
Aberta em 3 de dezembro, a concorrência visa contratar atividades de supervisão de 9.697 quilômetros de rodovias concedidas à iniciativa privada.
No mesmo mês, o TCU (Tribunal de Contas da União) suspendeu o edital por, entre outros motivos, conter regras de julgamento subjetivas e critérios de pontuação vagos, que dão margem a favorecimento.
Além disso, o documento determina que só podem disputar os contratos empresas que já tenham atuado em ambas as atividades de obras de infraestrutura e operação rodoviária, o que, para a corte, tende e limitar “as possíveis concorrentes a apenas aquelas que tenham sido previamente contratadas pela ANTT” ou órgãos reguladores de outros entes federativos”.
Sete lotes estão em disputa.
Há ainda sobrepreço que varia de 26% a 282% em itens da licitação, conforme auditoria feita pelo TCU.
A suspensão foi determinada pelo ministro Bruno Dantas como medida cautelar (preventiva) e referendada pelo plenário do tribunal.
Com base nas constatações, o MPF (Ministério Público Federal) abriu investigação sobre o caso. A suspeita é de que o diretor-geral da agência, Mário Rodrigues Júnior, e seu substituto no cargo, Sérgio de Assis Lobo, estejam reeditando na ANTT um esquema de fraude a licitações e cartel supostamente instalado na Valec, a estatal das ferrovias, quando ambos eram diretores.
Em depoimento de delação premiada obtido pela Folha, o ex-superintendente da Andrade Gutierrez no Centro-Oeste Rodrigo Ferreira Lopes da Silva disse ter participado de uma reunião com Júnior e Assis em 2014, durante a qual foi cobrado suborno para repactuar contratos da Extensão Sul da Ferrovia Norte Sul e da Ferrovia de Interligação Oeste Leste. A comissão cobrada, segundo ele, foi de 20% sobre o valor do reequilíbrio econômico financeiro pactuado.
Na ocasião, Júnior era diretor de Engenharia da Valec e Lobo, de Planejamento.
O colaborador disse que parte do dinheiro seria destinada aos próprios dirigentes da estatal e parte a campanhas do PR —partido comandado pelo ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado do mensalão.
O ex-executivo da Andrade afirmou não ter concordado com a proposta, mas que, mesmo assim, Júnior contratou consultorias para estudar a possibilidade de repactuação e cobrou de cada consórcio de empresas interessado R$ 220 mil, o que totalizaria R$ 2,6 milhões e serviria para custear os trabalhos.
O delator explicou que as negociações de propina avançaram e, ao fim, as empreiteiras deram, via doações oficiais, propinas de 2% sobre pagamentos que estavam retidos e foram liberados pela Valec.
O diretor-geral da ANTT também foi acusado por colaboradores da Andrade, da OAS e da Odebrecht de receber propinas nas obras do Rodoanel, em São Paulo, quando era diretor de Engenharia do Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), entre 2003 e 2007.
Os recursos seriam destinados a campanhas tucanas, entre elas a do atual senador José Serra (PSDB-SP).
Em agosto do ano passado, Júnior e mais 32 pessoas foram denunciados à Justiça por cartel no empreendimento e em outras vias. A ação foi aceita.
O atual diretor-geral da ANTT foi conduzido em 2018 ao cargo pelo então presidente Michel Temer, apesar das citações feitas pelos delatores. Ele está no órgão desde 2016 e tem mandato até 2020. Lobo foi nomeado em 2015 e sua permanência expira no dia 18 deste mês.
O TCU ainda vai decidir sobre o mérito da licitação da ANTT. Em seu despacho, o ministro Bruno Dantas determinou que a agência se pronuncie sobre as irregularidades.
O tribunal investiga o edital desde o início do ano passado. A ANTT chegou a suspender a licitação por conta própria, após sofrer questionamentos, mas, segundo a corte, republicou o documento com irregularidades.
Procurada pela Folha, a ANTT negou que haja favorecimento na licitação. Em nota, informou que todos os questionamentos encaminhados pelo TCU foram “tempestivamente esclarecidos” e que aguarda pronunciamento oficial da corte para “concordância e autorização do prosseguimento da concorrência”.
“A agência toma suas decisões pautadas em critérios técnicos do seu corpo funcional e de acordo com os princípios que norteiam a administração pública. Cabe lembrar que as empresas que prestam serviço dessa natureza costumam participar de todas as licitações abertas pelo poder público”, alegou.
A ANTT acrescentou que os seus dois diretores “não comentam assuntos que estão sob análise do Poder Judiciário e já se colocaram à disposição dos órgãos para esclarecimentos”.
Fonte: Folha de S. Paulo