Quatro grupos estrangeiros disputam Angra 3 e modelagem servirá para oito novas usinas
O governo brasileiro deve anunciar no final do ano um plano ousado de ampliação do parque nuclear do país em parceria com a iniciativa privada como forma de viabilizar a conclusão de Angra 3 e garantir a oferta firme de energia a partir do Sudeste e do Nordeste, onde novas usinas serão instaladas.
Vencerá o grupo que tiver maior capacidade de financiamento para arcar com as obras bilionárias. Somente Angra 3 exigirá US$ 3,8 bilhões para ser concluída e ela deverá estar gerando energia em 2026. Todos os gastos de construção serão feitos pelo sócio privado que entrará com 49% de participação em cada usina. O controle (51%) continuará com a União, que detém o monopólio da exploração nuclear.
Quatro grupos estão na disputa: Rosatom (Rússia), China National Nuclear Corporation (China), EDF (França) e Westinghouse (EUA).
O governo chegou a cogitar um modelo de parceria com 70% para a União e 30% para o sócio privado. No entanto, nas simulações do fluxo de caixa, os grupos privados não conseguiriam amortizar o investimento com as receitas geradas pelas usinas. Por isso, descartam participação inferior a 49%.
O governo estuda ainda a possibilidade de combinação de usinas. Quem levar Angra 3 poderá ficar com outra usina, uma forma de tornar o negócio mais atrativo.
Os americanos da Westinghouse, por exemplo, não têm tanto apetite somente por Angra 3. Para arcar com um investimento tão elevado, gostariam ter escala para garantir receita suficiente para o pagamento dos financiamentos com margem de lucro. Essa situação se repete para EDP e Rosatom.
Os chineses são os mais interessados e levam vantagem por terem elevada capacidade de financiamento, segundo quem participa das discussões.
Uma comitiva da CNNC veio ao Brasil em junho para conversar com a Eletronuclear. Na recente visita do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, à China, os chineses reafirmaram o interesse não só em Angra 3, mas nas demais usinas que devem ser construídas até 2050.
Eles também querem entrar, se houver possibilidade, na exploração e enriquecimento do urânio. Viram uma oportunidade no fato do Brasil possuir a sexta maior reserva do mundo do minério tendo explorado um terço das jazidas.
Essas conversas ocorrem no momento em que Jair Bolsonaro se alinha com o presidente dos EUA, Donald Trump. Embora os chineses tenham apetite, não se sabe se poderá haver uma reviravolta em favor da Westinghouse.
O primeiro passo para viabilizar esse plano foi dado no ano passado, quando o governo permitiu que a energia gerada por uma usina nuclear seja despachada a R$ 480 o megawatt-hora, mais que o dobro do valor antes vigente.
Com esse atrativo, o governo não só destravou o projeto de conclusão de Angra 3 como tenta estimular a construção do parque nuclear para substituir as térmicas movidas a diesel que, nos períodos de escassez de energia, são acionadas gerando a energia a cerca de R$ 700 o megawatt-hora.
Pessoas que acompanham essa discussão afirmam que, sempre as térmicas são acionadas, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) aciona automaticamente a “bandeira vermelha” para os consumidores, que pagam tarifas mais elevadas.
Por isso, o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) deve baixar uma resolução até o final deste ano prevendo a construção das usinas. Para isso, aguarda os estudos da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) que conclui o planejamento energético até 2050.
Há quatro cenários em estudo, que variam entre um crescimento econômico médio de 2,2% ao ano nos próximos anos até cerca de 4%. O mais provável é que utilizem um crescimento em torno de 2,8% como referência.
A depender dessa calibragem, o total de usinas pode variar entre quatro e oito. O mais provável, ainda segundo os técnicos que participam dessa discussão, é que sejam seis.
No planejamento vigente (que prevê investimentos em energia até 2030) já existe previsão para a construção de quatro usinas nucleares, mas a recessão e o envolvimento das empreiteiras responsáveis por Angra 3 na operação Lava Jato congelaram as expectativas do governo.
Desde que assumiu o cargo, o ministro de Minas e Energia defende a retomada desse programa nuclear. Também por esse motivo, a Eletronuclear foi separada da Eletrobras, que deve sair do controle estatal por meio de uma capitalização privada.
Para levar o plano nuclear adiante, a Eletronuclear já prospectou mais de 20 locais no Norte e Nordeste. Foram consideradas plantas em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Alagoas, Pernambuco e Sergipe.
A ideia é passar dos atuais 4 gigawatt de capacidade instalada de geração nuclear para cerca de 8 gigawatt até 2050. Junto com o aumento da capacidade de geração elétrica de térmicas movidas a gás, as duas fontes deverão responder pela maior parte do crescimento da oferta nas próximas décadas.
Hoje, o país possui duas usinas em operação (Angra 1 e 2) que respondem por cerca de 1,1% da geração nacional de eletricidade.
Esse movimento de expansão da matriz nuclear ocorre na contramão de nações como Japão e Alemanha, que estão desativando usinas depois do acidente de Fukushima, em 2011. A Alemanha já anunciou que desligará seu parque até 2022.
Fonte: Folha de S. Paulo