Opinião

“O que importa é exportar”

Quem, como o autor, encontrava-se envolvido com shipping já nos anos 70/80 do século passado haverá de se lembrar do slogan que dá título a esse artigo, que foi lançado no governo do general Figueiredo, sintetizando o direcionamento estratégico das autoridades brasileiras daquele período, tanto no que se referia ao comércio exterior quanto à própria política industrial do país.

Estabelecendo como prioridade a inserção do Brasil no comércio mundial via exportações de bens e serviços brasileiros, essa campanha baseava-se numa ideia ainda mais antiga: “exportar é a solução“, de 1964, e que tinha como pano de fundo os crônicos problemas da balança de pagamentos brasileira em virtude da falta de moeda forte suficiente para pagar pelas importações.

Diante disso, os portos brasileiros (predominantemente públicos à época) foram construindo suas estruturas tarifárias de maneira a incentivar as exportações e “penalizar” as importações. Naquele tempo as tarifas ofereciam generosos períodos isentos de armazenagem para a exportação ao passo que as poucas importações eram tarifadas logo a partir da descarga, com custos de armazenagem “ad valorem” crescentes por períodos.

Em 1990, já no governo do presidente Fernando Collor, o país partiu para um processo de abertura comercial como parte do plano de controle da “inflação galopante” e modernização do parque industrial brasileiro, reduzindo gradualmente as alíquotas de importação e derrubando barreiras não-tarifárias.

Com isso o volume de importações começou a aumentar e, consequentemente, as administrações portuárias foram se tornando cada dia mais dependentes das tarifas de armazenagem pagas pelas cargas de importação.

Com o advento da lei 8.630/93 as operações portuárias passaram para a iniciativa privada, e, em 1995, surgiu o primeiro terminal de contêineres concedido à iniciativa privada: Libra Santos. Em pouco tempo as concessões se espalharam por toda a costa brasileira e esses terminais adotaram em boa medida o modelo tarifário dos portos públicos, tendo em vista que o chamado free-time (tempo livre de cobrança de armazenagem) era historicamente menor que o dwell time (tempo de desembaraço da carga), sobretudo na importação. Dessa forma, os terminais continuaram aplicando a tarifa “ad valorem” para as cargas de importação enquanto as cargas de exportação costumavam embarcar antes do vencimento do free time.

Com o tempo, o aumento da corrente de comercio exterior brasileiro, somado à morosidade do processo de liberação de cargas evidenciou em muitos terminais as dificuldades com áreas de armazenagem, propiciando o surgimento dos terminais retroportuários alfandegados, que basicamente possibilitavam aos importadores retirar seus contêineres do terminal molhado, transferindo-os para um “porto seco”, onde ocorria o desembaraço aduaneiro, a armazenagem e a liberação da carga.

Evidentemente que a proliferação dos terminais retroportuários foi gerando perdas de receita com armazenagem dos “terminais molhados”, que em muitos casos haviam modelado suas propostas para as concessões contando com as receitas de armazenagem de importação e, portanto, passaram a buscar uma compensação para remunerar a movimentação das cargas que eram retiradas para os portos secos logo após o desembarque (antes do vencimento do free time), quando então surgiu o THC2 – como era chamado o hoje conhecido SSE (Serviço de Segregação e Entrega) – que de fato implica uma movimentação adicional após a descarga, e que outrora estava “embutido” nas tarifas de armazenagem.

Praticamente desde sua implementação há cerca de 20 anos essa cobrança tem provocado um enorme contencioso entre os terminais molhados e os portos secos, com decisões contra e a favor de vários entes governamentais como ANTAQ, CADE e TCU, além de inúmeras decisões não menos contraditórias proferidas pelas diferentes instâncias do judiciário.

Quando, após um recente entendimento entre ANTAQ e CADE acerca da cobrança, imaginou-se que o assunto estaria pacificado, eis que na sessão realizada no último dia 22 de junho o plenário do TCU concedeu prazo de 30 dias para que a agência reguladora suspenda cautelarmente todos os dispositivos da resolução normativa 72/2022 que permitia a cobrança do SSE pelos terminais de contêineres do país.

Ainda que sem discutir o mérito dessa cobrança, há que se resgatar a origem e os desdobramentos dessa “epopeia” que muitos entendem ser mais uma “jaboticaba brasileira” uma vez que não há registros dessa prática nos principais portos do mundo, onde as cargas são rapidamente liberadas e retiradas do porto para seu destino final, sendo o terminal tão somente um ponto de passagem e onde o modelo de negócio dos terminais tem suas receitas quase exclusivamente baseadas na operação portuária (box rate).

Fato é que, num futuro não muito distante, a evolução da digitalização, o avanço do OEA e do desembaraço “sobre águas” (que agilizam o processo de desembaraço e liberação dos contêineres após a descarga), as receitas com armazenagem deverão se reduzir paulatinamente, levando a uma revisão dos modelos de negócios tanto dos terminais portuários quanto dos retroportuários (que devem cada vez mais se consolidar como operadores logísticos terceirizados).

 

 

 

Fonte: Robert Grantham é sócio da Solve Shipping Intelligence

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