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O halal gaúcho sofre baque pós-embargo da Arábia Saudita

O Brasil é o maior exportador de frango do mundo e o reino da Arábia Saudita segue sendo seu maior comprador. Mas talvez não por muito tempo, já que o País aparece em segundo nas exportações de fevereiro. Desde janeiro, cinco frigoríficos brasileiros especializados no abate halal, que segue os preceitos islâmicos, estão impedidos de exportar para a Arábia Saudita.

Dois deles localizam-se no Rio Grande do Sul, que destinava, antes das suspensões, cerca de 35% de toda a exportação da ave ao Oriente Médio. O Rio Grande do Sul registrou o pior volume de exportações de frango dos últimos oito anos em 2018, segundo dados da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav). Foram 554 mil toneladas em todo ano, uma queda de mais de 25% em relação as exportações totais do ano anterior. “Isso é reflexo das nossas relações comerciais com China, União Europeia e dos embargos da Arábia Saudita”, alega o diretor executivo da Asgav José Eduardo dos Santos.

O estado gaúcho, que ainda é o terceiro maior exportador de frangos do Brasil, sofreu queda de quase 40% nas exportações do produto em janeiro de 2019, segundo relatório da Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), que faz comparação com o mesmo período de 2018. Enquanto isso, a nível nacional a queda foi bem menor, de apenas de 14,7% nas exportações, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Em fevereiro, as exportações de frango gaúcho caíram pouco mais de 20%.

Para o diretor executivo, ainda é difícil mensurar o impacto das suspensões de plantas gaúchas que exportavam para a Arábia Saudita, “mas para as exportações não caírem ainda mais vai depender da capacidade que as empresas suspensas terão de realocar essa produção”. Em janeiro, quando a Asgav recebeu a notícia das suspensões, Santos se declarou surpreso com a medida e disse que os frigoríficos gaúchos já vinham se adequando às alterações impostas pelo governo saudita para o abate halal: “Esse descredenciamento, que chegou de uma hora para outra, com certeza causa espanto em todos produtores gaúchos, principalmente os que já haviam se adequado frente a questão do abate”, afirmou na época.

Assim, foram desabilitados os frigoríficos da BRF, em Lajeado, e o do Grupo JBS, em Garibaldi. Até o comunicado de suspensão, a planta de Lajeado operava um volume aproximado de 6,5 mil toneladas ao mês que eram destinadas para a Arábia Saudita. Em nota emitida aos acionistas BRF logo após a medida do governo árabe, a empresa declara que já está realizando os ajustes necessários para retomar os embarques ao país árabe em, no máximo, três meses. Também afirma que o prejuízo será de R$ 45 milhões neste período. Porém, os cinco frigoríficos desabilitados só poderão voltar exportar para a Arábia Saudita após a visita de fiscais árabes nesses estabelecimentos e, segundo a ABPA, isto não tem prazo para acontecer. “A gente torce para que os funcionários do frigorífico não sejam afetados. Estamos com o pé atrás, mesmo que a empresa não esteja demitindo ninguém. A operação que era destinada para Arábia Saudita foi transferida para São Paulo”, diz Adão Gossman, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Avícolas e da Alimentação em Geral de Lajeado e Região (Stial).

Segundo Gossman, a BRF está fazendo outros produtos com o frango que era destinado para Arábia, escoando o produto para o mercado interno e europeu. Já na planta do Grupo JBS, em Garibaldi, a produção destinada ao abate ao halal foi realocada para suprir o mercado interno, segundo o vice-presidente da Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação de Caxias do Sul, Milton Francisco dos Santos. Procurado, o Grupo JBS não quis se manifestar. Enquanto alguns buscam novos destinos, os estabelecimentos habilitados para vender para a Arábia Saudita intensificam a exportação.

É o caso do Grupo Vibra, que aumentou de 26%, em 2018, para 35%, em 2019, as exportações ao governo saudita. Este patamar deve se manter para o restante do ano. “Nosso grupo já fez importantes investimentos nas unidades para atender adequadamente o mercado e isso está refletido na nossa condição de estar com todas as unidades habilitadas”, diz o Ricardo Duca Martins, gerente de Negócios Internacionais do Grupo Vibra. Além disso, a companhia gaúcha tem duas empresas operando nos Emirados, desde 2017. “Essas empresas locais nos garantem uma presença ativa e dinâmica e são um investimento planejado para sustentar nossa internacionalização”, acrescenta Martins. Em janeiro, também foi mantida a habilitação do Frigorífico Nicolini, em Garibaldi, e das plantas da JBS, em Passo Fundo e Montenegro, que seguem autorizados a exportar para a Arábia Saudita.

Em dezembro do ano passado, uma comitiva da Câmara de Comércio Árabe Brasileira (CCAB) se reuniu o vice-presidente do Brasil, general Hamilton Mourão, a fim de antecipar as demandas do setor e demonstrar os lucros de uma boa relação com os países árabes. Na situação, os executivo da Câmara entregaram um plano de investimento de quatro anos que diz, por exemplo, que as exportações brasileiras à região podem chegar a US$ 20 bilhões até 2022. E que o fortalecimento dos negócios bilaterais têm condições de gerar 300 mil empregos no mesmo período. Um mês mais tarde chegariam os embargos aos frigoríficos que vendiam para Arábia Saudita e queda nas exportações do Brasil ao país muçulmano.

“Os países árabes estão com o pé atrás em relação ao Brasil. Não há como negar que a bandeira de atenção está hasteada no Oriente Médio. Eles querem ver como as coisas seguirão por aqui”, diz o presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira (CCAB), Rubens Hannun. Após as suspensões, ainda em janeiro, Hannum voltou a se encontrar com o vice-presidente Mourão. Porém, ao invés de um plano de negócios positivos, o presidente da CCAB trazia suas preocupações. Acompanhava Hannun, o secretário-geral da União das Câmaras Árabes, Khaled Hanafy. “É completamente desnecessária a mudança da embaixada em Israel e afeta diretamente os interesses da sociedade árabe como um todo. Isto foi levado no segundo encontro com o governo federal”, diz Hannun.

Para o presidente CCAB, relações comerciais com os israelenses não geram ruído, mas todas as relações não comerciais podem trazer desconfortos e incertezas nas relações com os árabes. Segundo a presidência da Câmara, a expectativa de crescimento nas exportações dos países árabe é conservadora. Se espera um crescimento de 13%, principalmente nas áreas agrícolas e de volume agregado.

Os porquês do embargo saudita

Entre os possíveis motivos da suspensão dos frigoríficos brasileiros que exportavam para a Arábia Saudita, a retaliação do país islâmico frente à intenção do governo Bolsonaro de trocar a embaixada brasileira em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, foi um dos mais especulados. “Agora, a especulação existe e está escancarada”, disse, em janeiro, o diretor executivo da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo dos Santos, mesmo que o comunicado do governo saudita apontasse que o motivo era por critérios técnicos.

“Estão se antecipando ao inimigo”, julgou o vice-presidente do Brasil, general Hamilton Mourão, naquela situação. Outra linha considera que as medidas que a Arábia Saudita adotou para aumentar sua produção são o motivo para a queda das exportações. O posicionamento oficial desconsidera essas teorias. “O que mudou foi o critério de habilitação. O governo saudita decidiu visitar todos frigoríficos exportadores, e os que estão suspensos é porque não foram visitados ainda”, diz o vice-presidente e diretor de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, acrescentando que não há prazo para que ocorram as visitas da fiscalização árabe.

“Os árabes perceberam que não podem depender de ninguém. Como o frango é extremamente importante, existe um investimento significativo para criar uma produção, nem que seja pequena, de toda a corrente comercial do frango, para não depender 100% do Brasil”, contrapõe Adroaldo Lazzarotto, coordenador do Curso de Negócios Internacionais da Escola de Negócios da Pucrs. Para Lazzarotto, a intenção do governo Bolsonaro de mudar a embaixada em Israel também pesou na hora da Arábia Saudita emitir as suspensões.

“Aquela campanha pró-Israel praticamente sumiu dos discursos do presidente após os embargos, o que é favorável para a Arábia Saudita. É uma questão de estratégia de mercado.” Na análise do coordenador do Curso de Negócios Internacionais da Pucrs, a proposta de mudar a embaixada foi mais uma escolha emotiva e que, do ponto de vista comercial, não é válida. “Mesmo que Israel forneça tecnologia de ponta para o Brasil, ainda vai ser muito difícil de competir com a corrente comercial árabe, que tem a população que mais cresce no mundo.” Assim que o governo Bolsonaro assumiu, a ABPA levou a sugestão de fazer um escritório econômico e cultural em Jerusalém, enquanto a embaixada brasileira se mantinha em Tel Aviv. “O fato, agora, é que não há nenhum aceno por parte do governo Bolsonaro em mudar a embaixada no ano 2019. Então é necessário ficar comentando sobre isso. É uma questão de retórica política, não queremos falar de conjuntura”, conclui Santin.

O presidente Jair Bolsonaro visitará Israel entre os dias 31 de março e 3 de abril, segundo informou o embaixador de Israel do Brasil, Yossi Shelley, em coletiva no Palácio do Planalto. Segundo o embaixador, na agenda, constam compromissos nas cidades de Tel Aviv e Jerusalém. Enquanto isso, os países árabes olham para o Brasil de canto de olho. O que é o abate halal? Em árabe, a palavra “halal” significa algo que é lícito, permitido, legal. Todo frango considerado halal é abatido por um árabe, sob os preceitos do Alcorão, e passa por procedimentos que visam à humanização na hora do abate. “Em alguns países de cultura muçulmana, o Alcorão confunde-se com o Código Civil. Esse código religioso é o que, muitas vezes, dá legalidade para as ações comerciais desses países”, explica Adroaldo Lazzarotto, Coordenador do Curso de Negócios Internacionais da Escola de Negócios da Pucrs.

O Brasil começou a exportar frangos com o certificado de halal em 1975 e, atualmente, é o principal fornecedor desse produto. Além do Oriente Médio, países da África e da Ásia também consomem alimentos halal. Exceto pela carne de porco, seus derivados e bebidas alcoólicas, qualquer alimento pode ser halal, desde que passe por todos os procedimentos impostos por essa técnica.

Fonte: Jornal do Comércio

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