MP que agilizava concessões na área de infraestrutura perde a validade
A Medida Provisória 882, que modificava atribuições de órgãos de governo na área da infraestrutura, caducou na última quinta-feira (30). Entre os principais pontos do texto, elogiado pela iniciativa privada, estava a possibilidade de contratação direta do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social) para a elaboração de estudos técnicos de concessões e parcerias público-privadas.
A norma buscava dar maior agilidade à contratação e, ao mesmo tempo, garantir que a fase de modelagem dos editais e contratos, antigo calcanhar de Aquiles dos projetos públicos, ganhasse qualidade.
Com a queda do texto, estatais, estados e municípios que queiram efetivar a contratação precisarão fazê-lo da maneira tradicional, considerada por especialistas mais morosa e passível de questionamento por órgãos de controle como o Tribunal de Contas.
Caem por terra inovações da MP como a permissão, por exemplo, do BNDES subcontratar consultorias e profissionais para estruturar os estudos por meio da colação.
A modalidade, que agora deixa de existir, permitia que o banco enviasse convites para ao menos três potenciais participantes, escolhidos com base em um cadastro de capacitados a prestar o serviço.
Ao final, o BNDES escolheria “a proposta vencedora de acordo com critérios preponderantemente técnicos”, segundo a norma, e não necessariamente a mais barata.
“A MP trazia mais celeridade para a confecção dos projetos. É possível aprovar uma lei para aproveitar o dispositivo da colação e dar a prerrogativa da contratação direta, por estados e municípios, de outros órgãos além do BNDES, como o BDMG”, diz Lucas Sant’Anna, sócio do escritório Machado Meyer.
A secretária especial do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos), Martha Seillier, disse em nota que o governo ainda defende “todos os assuntos que constavam nessa MP” e que há um acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) para encaminhar com urgência um projeto de lei nos moldes da medida.
“É uma preocupação do setor de infraestrutura ficar sem as novidades da MP, mas o governo nos prometeu tramitar o projeto em regime de urgência”, diz Venilton Tadini, presidente da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base).
“Quem mais perde sem a lei são os municípios de menor porte, que dependem do serviço de apoio técnico para realizar estudos que viabilizem os projetos.”
Sem a MP, contratar consultorias independentes e órgãos como o BNDES para a realização de projetos é possível, mas o processo é mais moroso, segundo Carlos Alexandre Nascimento, coordenador do MBA de PPPs e concessões da Fespsp (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).
“A modalidade da colação nem chegou a ser implementada de fato, mas gerou animação porque facilitaria esse processo. Hoje, os modelos de licitação e pregão privilegiam preço em detrimento de competência técnica ou expertise, trazendo problemas. Um projeto ruim pode matar a obra”, diz.
“Estados e municípios que querem contratar órgãos como o BNDES hoje podem argumentar que a capacidade técnica do banco os dispensaria de fazer licitação, mas os tribunais de contas podem questionar isso. As alternativas não são estáveis do ponto de vista jurídico”, afirma a advogada Letícia Queiroz.
No caso de Porto Alegre, por exemplo, a prefeitura contratou o banco para fazer os estudos da PPP da iluminação pública do município.
O projeto foi a leilão na última quinta (29). O vencedor foi o consórcio I.P Sul, que apresentou o menor lance para o valor a ser pago pela prefeitura pelo serviço: R$ 1,745 milhão (deságio de 45,64%).
O grupo de empresas assumirá a concessão de 101 mil pontos de luz por 20 anos.
O município quer auxílio do banco, ainda, para estruturar a concessão de seus serviços de saneamento básico, contrato que poderá chegar ao valor de R$ 2,5 bilhões em uma concessão que deverá prever a universalização dos serviços em 35 anos.
“Nossa ideia é lançar o edital até o fim do primeiro semestre de 2020. Nosso limite é o início do ciclo eleitoral”, diz o secretário de Parcerias Estratégicas da cidade. Thiago Ribeiro.
Para o secretário, a ausência do processo de colação não afeta o interesse do município pelos projetos, já que tem uma equipe técnica que pode conduzir os estudos de viabilidade.
Cidades menores, com menor capacidade orçamentária e quadro técnico mais enxuto, contudo, têm a dificuldade de viabilizar um projeto atrativo aos olhos de investidores é maior.
Um dos instrumentos mais usados na tentativa de suprir essa deficiência atualmente é o chamado PMI (procedimento de manifestação de interesse), por meio do qual um ente privado —geralmente uma empresa que tem interesse em tocar o projeto— disputa uma licitação para conduzir os estudos técnicos.
A efetividade do modelo, contudo, é baixa, de acordo com Nascimento.
“No PMI, todos os estudos e a modelagem são feitos pela iniciativa privado interessada em viabilizar o projeto, mas o índice de mortalidade das licitações desse tipo é alto e há muitos estudos falhos.”
Ainda assim, o modelo tem sido usado por cidades como Andra dos Reis (RJ), que fez um PMI para viabilizar sua parceria público-privada de iluminação pública e complementou os estudos apresentados pelo privado com seu próprio quadro técnico.
O projeto inclui a manutenção de 21 mil pontos de luz e a concessão terá 15 anos de duração. O prefeito da cidade, Fernando Jordão (MDB), esteve em São Paulo na semana passada em evento na B3 para apresentar a uma plateia de investidores essa PPP e a de resíduos sólidos.
Apresentou, ainda, a ideia da PPP que envolve a gestão dos resíduos sólidos e de serviços como expansão da rede de fibra ótica, câmeras de segurança e instalação de internet sem fio em praças, que prevê R$ 128 milhões de investimento em 25 anos.
A cidade de Santa Luzia (MG) também prevê, mesmo sem poder contar com a colação, fazer a PPP de iluminação pública do município, além de uma concessão de água e esgoto e uma terceira de mobiliário urbano.
Fonte: Folha de S. Paulo