Milton Lourenço: Para acabar com o isolacionismo
A possibilidade de o Mercosul vir a assinar com os Estados Unidos um acordo de livre-comércio nos moldes daquele que o bloco sul-americano firmou em junho com a União Europeia (UE) não deixa de constituir uma perspectiva alvissareira, pois, se concretizado, poderá reverter a imagem desfavorável que governo Bolsonaro construiu nos seus seis primeiros meses de mandato, mais por frases extemporâneas e atitudes disparatadas do seu principal mandatário do que por decisões de sua equipe econômica.
Independentemente dos prejuízos que possa causar a determinados setores, esse acordo tem tudo para tirar o Brasil do isolacionismo comercial a que foi condenado pelos governos que comandaram a Nação neste começo de século XXI. Como se sabe, foi por absoluto estrabismo político dos governos do Brasil e da Argentina à época que a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) deixou se ser assinada em 2005. Apresentada pelo governo norte-americano em 1994 na Cúpula das Américas, realizada em Miami, a proposta previa a formação de uma área de livre-comércio com todos os países americanos, exceto Cuba, a partir de uma progressiva eliminação das barreiras ao comércio e ao investimento. Era uma proposta estritamente comercial, que não englobava a livre circulação de pessoas, investimentos e serviços dentro do bloco.
O que se sabe hoje é que o Itamaraty, como à época entendia que os Estados Unidos pretendiam dominar o continente americano por meio da Alca, em contrapartida, formulou a estratégia Sul-Sul, que previa a utilização de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para ajudar a fomentar o desenvolvimento nos países do Hemisfério Sul, incluindo as nações africanas, como se o Brasil fosse uma potência de Primeiro Mundo.
A partir daí, entre outras iniciativas fracassadas, o BNDES passou a financiar a modernização de portos estrangeiros como o de Mariel, em Cuba, deixando de investir nos portos nacionais, que estão até hoje em estado avançado de sucateamento, além de investir em obras de infraestrutura em países latino-americanos e africanos que seriam conduzidas por empresas brasileiras. O resultado é a situação de penúria por que passam os cofres do BNDES.
Já o México, que aceitou participar em 1994 do Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio (Nafta), hoje transformado em Nafta 2.0, embora tenha um produto interno bruto (PIB) menor que o do Brasil – US$ 1,14 trilhão contra US$ 2,05 trilhões em 2017 –, é hoje o 12º maior exportador do mundo, enquanto o nosso país ocupa a 27ª posição no atual ranking da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Aprendida a lição, o que se espera é que o atual governo não venha a repetir o erro de colocar a afinidade ideológica à frente do comércio, porque o importante é vender sem ver a quem, desde que o parceiro seja adimplente, pois só assim será possível sobrar recursos para investir em inovação tecnológica e abrir outras frentes de comércio.
De antemão, está claro que, em função daquela orientação distorcida que pautou governos passados, o intercâmbio comercial entre Brasil e Estados Unidos ficou muito aquém do seu potencial. E agora é preciso recuperar o tempo perdido, inclusive com negociações que podem avançar bilateralmente, sem a necessidade de aval do Mercosul, como facilitação de comércio, redução de barreiras não-tarifárias, convergência regulatória, regras de propriedade intelectual, comércio eletrônico, aceitação de certificados de origem digitais e reconhecimento de operadores econômicos autorizados (OEA). É o que se espera.
Fonte: A Tribuna