Milton Lourenço: Acordo Brasil-China e suas consequências
Da 11ª reunião de cúpula do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada recentemente em Brasília, a julgar pelo pronunciamento dos seus membros ao final do encontro, podemos concluir que pouco ou quase nada de importante foi acertado. É óbvio que esse é o jogo natural das diplomacias no tabuleiro dos interesses dos governos das nações ali representadas, que sempre procuram colocar em melhor situação as suas “pedras” para obter o maior benefício possível.
No entanto, em que pese a indústria brasileira estar operando em níveis bastante inferiores a sua capacidade instalada, com o crescimento do desemprego, o que soou bastante desconectada com a realidade brasileira foi a possibilidade levantada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de se criar uma área de livre-comércio entre Brasil e China, ainda que, logo depois, técnicos do governo tenham minimizado a ideia, deixando claro que o superior hierárquico havia avançado o sinal e que o objetivo das negociações não seria tão amplo.
Repercutindo essa posição do ministro, ao tomar conhecimento de uma proposta do governo para cortar em 50% as tarifas de importação no País, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, afirmou que a medida reduziria o Produto Interno Bruto (PIB) de pelo menos 10 dos 23 setores industriais até 2022. Nesse sentido, o diretor-superintendente da Liebherr Brasil, importante fábrica de guindastes e máquinas pesadas de origem alemã instalada no Brasil desde 1974, Richard Klemens Stroebele, concordou com a posição da CNI, expondo a sua preocupação com um acordo daquela natureza, ao considerar que os custos de produção na China, hoje, são bastante inferiores aos que se verificam no País.
Se essa situação já traz um grande desequilíbrio para alguns setores, a criação de um mercado comum entre Brasil e China sem tarifas alfandegárias determinaria o fechamento de várias indústrias. Outros industriais também consideraram que uma abertura como essa com a China, com redução de 50% na alíquota de importação, já implicaria em consequências negativas para a indústria nacional.
De fato, se alguns dos equipamentos chineses já chegam ao País com custos de 20% a 30% inferiores aos fabricados no Brasil, em função de condições muito diferentes na contratação e preço de mão-de-obra, incentivos e recursos governamentais, leis de proteção a marcas e patentes e outros fatores, essa concorrência implicaria no fechamento no Brasil de fábricas de várias multinacionais. Em consequência, essas multinacionais acabariam transferindo suas unidades para a China, que hoje já abriga muitas dessas empresas.
Na verdade, ninguém é contra o fortalecimento do fluxo de comércio com a China, que, em 2018, alcançou a excepcional marca de US$ 98,9 bilhões. Sem contar que o país asiático, nosso maior parceiro comercial, é também um dos principais investidores em áreas cruciais, como infraestrutura e energia. E que as duas nações querem criar um ambiente favorável para o comércio e investimento no setor de serviços e encorajar o investimento do setor privado, a partir de uma plataforma de intercâmbio de informações e cooperação para fomentar investimentos, formalizada durante a última reunião do Brics.
Não se pode esquecer ainda que a China é uma das principais origens de investimentos estrangeiros diretos no Brasil, que se concentram nas áreas de energia e infraestrutura. Mas é preciso levar em conta também os esforços e investimentos que empresas originárias de outras nações fizeram no País nas últimas décadas. Com bom senso, é possível fortalecer o intercâmbio com a China, sem prejudicar o relacionamento com outros países e blocos.
Fonte: A Tribuna