Mauro Schneider: cenário internacional é desfavorável para o Brasil
O início da retomada do crescimento econômico brasileiro deve mesmo ficar para 2020. A lentidão na aprovação da reforma da Previdência e outros fatores, muitos de ordem internacional, têm contribuído para compor esse cenário de pouco otimismo. A análise é do economista Mauro Schneider, da LCA Consultores – Soluções Estratégicas em Economia, que ministrou uma palestra sobre o tema “Aceleração do crescimento econômico: como e quando?”, na sede da CNT, em Brasília. Segundo ele, a velocidade com que avança a agenda de reformas é decepcionante e, eventualmente, outros fatores se somam a esse e estão limitando a melhoria da economia brasileira. Schneider comenta que está havendo uma desaceleração do crescimento mundial e isso afeta o Brasil. “Temos vários elementos de risco e de criação de turbulências, perturbações, que têm feito oscilar o humor dos empresários e o comportamento dos mercados financeiros”. Leia a entrevista a seguir.
Quais as características atuais do cenário econômico internacional e de que forma isso influencia o Brasil?
O que caracteriza mais centralmente o cenário internacional hoje em dia é que ele é moderadamente desfavorável para o Brasil porque está havendo uma desaceleração do crescimento mundial. Ela não é muito intensa, mas é generalizada. Afeta nossos parceiros comerciais e chega até nós por meio de perda de mercado para as exportações dos nossos produtos. É também um cenário que eu chamo de volátil. Temos vários elementos de risco e de criação de turbulências, perturbações, que têm feito oscilar o humor dos empresários e o comportamento dos mercados financeiros. Às vezes, as coisas parecem que estão melhorando, mas pode ser o contrário. Podem estar piorando bastante. Há também a oscilação de volatilidade, que está bem intensa neste ano.
Quando o senhor fala de volatilidade, está se referindo a quê? Quais os pontos principais desse cenário econômico internacional que podem interferir no Brasil? O senhor cita algumas questões como a oscilação na zona do Euro, a guerra comercial entre Brasil e China e a possibilidade de recessão nos Estados Unidos. Esses seriam alguns pontos que interferem negativamente no Brasil?
Sim. São riscos que representam não só riscos em si, piorando o cenário, como também representam fontes de volatilidade. Quando você tem o risco, em alguns momentos, você fica mais otimista, sempre baseado em evidências e fatos, e acredita que os riscos estão desaparecendo. Esse otimismo gera confiança; e isso, por si só, pode impulsionar o crescimento econômico. Mas, às vezes, acontece o contrário. Há momentos em que tudo parece mais sério, mais grave, e a confiança cai. Os preços dos ativos diminuem, as bolsas de valores perdem valor. Isso acaba tendo influência negativa sobre a atividade econômica ou sobre as perspectivas para a atividade. A volatilidade significa isto: oscilações de humor. Isso, por si só, não é bom.
O empresário fica mais retraído para investir?
Exatamente. Fica mais cauteloso, mais inseguro. São essas as palavras que traduzem o que essa volatilidade traz para o dia a dia do empresário, que é incerteza e, necessariamente, cautela. Um pouco mais de receio.
Ainda analisando os cenários internacionais, o senhor enxerga uma relação com o setor de transporte?
Certamente. O setor de transporte é essencial porque está ligado a toda a logística de bens. Quando falamos de crescimento mundial ou de incertezas e riscos ligados a isso, estamos falando não só em efeitos disso sobre o comércio exterior, e, portanto, sobre a produção e transporte de bens. Exportamos e dependemos da estrutura de transporte para materializar essas exportações. Como falamos também de um ambiente que, como um todo, passa a ser negativo, afeta até mesmo o que é mais local na economia. Quando a economia mundial não está indo bem, é porque nenhum país está crescendo como poderia. Temos também um efeito negativo sobre o transporte, pode ser de carga ou de passageiro. O transporte está no centro de nossa vida e é diretamente afetado pela piora ou pela melhora das condições gerais. Certamente, todos os modais serão afetados, dada a nossa estrutura multimodal, o tamanho do país, o fato de ter portos para escoamento de produtos em todo o litoral e em várias regiões não litorâneas.
O senhor falou na palestra que o grau de recuperação econômica do Brasil está aquém do esperado. Por que está aquém?
Uma forma de se comprovar que está aquém do esperado é comparando projeções econômicas ao longo do tempo, como elas evoluem. Projeções econômicas feitas pelo mercado financeiro, pelo governo, por associações empresariais. Não há dúvidas de que, no ano passado e neste ano, o que temos visto novamente é uma sequência de revisões sempre para baixo, também por meio da comparação dessas projeções com os próprios dados de atividade. Na maior parte do tempo, essas comparações, também de 2018 para cá, têm sido decepcionantes.
Tem algum número específico que o senhor citaria?
O que sintetiza tudo isso é o crescimento econômico, o aumento do PIB. No início de 2018, esperava-se um crescimento muito mais forte para aquele ano, na ordem de 2,5%. No final, tivemos um crescimento próximo de 1%. Começamos 2019 com expectativa de crescimento novamente na ordem de 2,5%, e já, em poucos meses, se olhar para números do mercado financeiro e do governo, alguns mais recentes e não oficiais ainda, já se fala em 1,5%. Essas são evidências nítidas de que o crescimento está aquém do esperado. Esteve assim em 2018 e está se repetindo em 2019. Isso devido a uma série de fatores. É difícil identificar um único fator mais importante. Há questões das incertezas de ordem política. No ano passado, a eleição. Neste ano, a questão das reformas. Há dúvidas sobre o que acontece em relação à redução de juros, porque a taxa básica reduziu muito, mas o custo do crédito não. Houve uma série de choques externos e internos. A greve dos caminhoneiros no ano passado causou grave perturbação. A recessão na Argentina no final do ano passado tem efeitos até hoje sobre a indústria manufatureira, em especial a automobilística. Uma série de fatores que têm influenciado e levado a esse crescimento está aquém do esperado.
Quando a gente avalia o início do governo, havia uma grande expectativa do meio empresarial e do mercado de que novas medidas e a aprovação de reformas trariam essa tão esperada recuperação econômica. Pensando sob esse aspecto, o senhor acha que faltou tempo para uma mudança mais efetiva ou a questão política está influenciando?
Eu acho que a questão política certamente é importante. Imaginava-se que o novo governo teria a oportunidade e a capacidade de aprovar reformas com razoável rapidez. Como havia uma percepção de que a agenda proposta de reformas, especialmente em termos econômicos, era uma agenda correta, que ia na direção do fortalecimento da economia brasileira, criou-se essa expectativa de que, quem sabe em poucos meses, teríamos mudanças importantes acontecendo no Brasil. Isso não está acontecendo por uma questão de administração da política por parte do governo. A velocidade, portanto, que avança essa agenda de reformas é decepcionante, e acho que, eventualmente, outros fatores se somam a esse e também estão limitando esse crescimento. Além daqueles que já citei, os tais dos choques, da queda dos juros um pouco aquém da taxa Selic, há situações como o crédito dos bancos públicos que está em contração. Isso parte de um reposicionamento dos bancos muito positivo do médio e longo prazos, mas que tem um custo para a economia no curto prazo. Há a questão do gasto público, que precisa ser contido. Mas, ao ser contido, também irriga menos a economia. Então, a política é central, mas acredito que existam outros fatores para esse crescimento continuar aquém do esperado.
Qual o peso das reformas para a recuperação econômica e por que elas não estão acontecendo?
A reforma da Previdência, sem dúvida, é a mais importante no momento. Primeiro porque ela ataca um problema central de desequilíbrio das contas públicas do Brasil. Do ponto de vista de fundamentos macroeconômicos, esta é a primeira lição de casa a ser feita: equilibrar as contas públicas. A questão do ataque dos gastos com a Previdência é realmente fundamental. Ela também é uma reforma bastante simbólica. É difícil, é complexa, do ponto de vista do entendimento da população, da resistência das corporações, da resistência no Congresso. Então, conseguir aprovar essa reforma será um alento muito grande, será um fator de mudança para a melhoria do ambiente. Mas ela sozinha não vai fazer milagres. A agenda de reformas é mais ampla. Há outros temas muito importantes que precisam ser reformados. Precisam ser revistos para que haja realmente um ambiente para um crescimento econômico mais forte e sustentável no Brasil. Como, por exemplo, o sistema tributário, que é muito complexo, muito oneroso. Sim, vai ser muito importante aprovar a reforma da Previdência, por todos os motivos concretos e simbólicos. Mas isso não vai representar uma mudança milagrosa da economia do dia para a noite. A agenda tem que avançar em outros temas também.
O senhor tem expectativa de que ela seja aprovada?
Eu acho que há questões de resistência natural a um tema delicado como o da Previdência. O tema tributário também vai enfrentar muitas resistências. Nada é muito fácil de ser feito. E há questões de coordenação e estratégia política, que, por hora, não parecem dar muito resultado. Independentemente de julgar certo ou errado o que está sendo feito, os resultados, objetivamente falando, não são aqueles que se imaginava. Então, a gente tem hoje uma preocupação não com uma reforma pontual. A da Previdência parece que tem massa crítica o suficiente para ser aprovada. Mas o avanço significativo de que algo iria mudar com a agenda de reformas, hoje, não gera muita confiança, exatamente porque a rapidez que se esperava com a agenda da reforma da Previdência não tem estado presente. A menos que isso mude, o que esse processo vai nos deixar é mais dúvidas do que confiança em relação à continuidade dessa agenda.
Como fica o transporte nesse cenário econômico e a expectativa de empregos e movimentação em 2019?
O setor de transporte tem uma ligação mais próxima com a indústria, naturalmente indústria e comércio e tudo o que está ligado à produção e ao consumo de bens. A indústria brasileira está em um momento muito delicado. Em partes porque enfrenta as dificuldades que a economia brasileira está enfrentando, com pouco dinamismo do crescimento, pouca disposição das famílias para aumentar o consumo. Em partes porque a indústria depende muito de investimento. O investimento que gera a necessidade de produção de bens de capital. O investimento depende essencialmente de confiança, de horizontes mais claros para que os empresários decidam ampliar os seus negócios ou criar novos. O setor de transporte está dependendo muito desse círculo virtuoso, que é a melhoria de condições gerais, que desperte o investimento, que desperte ou impulsione a produção industrial e leve, a reboque, o setor de transporte para um patamar superior. Isso vai acontecer, mas não parece que é parte de um cenário material de curto prazo. Acho que isso está mais próximo de um cenário de 2020. Em 2019, devemos ter tudo ainda mais morno. Se tudo melhorar, é no sentido de termos um segundo semestre um pouco melhor do que o primeiro. Mas é difícil imaginar uma aceleração muito intensa, uma melhora substantiva de toda essa cadeia até que se chegue ao transporte experimentando um crescimento mais forte. Acho que isso fica mais para a frente.
Fonte: CNT