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Livre comércio impacta toda a sociedade, garante dirigente da Aladi

Secretário-geral da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), o diplomata mexicano Alejandro de la Peña tem ampla atuação em organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC). Desde 2017, comanda os rumos da Aladi, organismo de integração da região do qual fazem parte 14 países, incluindo os quatro membros do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai).

Ele falou à Agência Senado por telefone, de Montevideu, onde fica a sede da Aladi.

Agência Senado – Você acredita que as divergências nos campos da agenda ambiental ou laboral podem tornar-se empecilhos graves, a ponto de comprometer a assinatura final do acordo Mercosul-União Europeia?

De la Peña — A proteção do meio ambiente e do ambiente laboral e o intento de se chegar a um comércio livre e fluido não são objetivos incompatíveis.

O importante é como se estabelecem essas relações no nível normativo. Pelo que observei do acordo e pela experiência que tive durante muitos anos de negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio, vão prevalecer os regramentos internacionais já previamente definidos, compromissando todos os países ao cumprimento de metas.

A grande questão é que os direitos ambientais e laborais, que são 100% legítimos, não podem desvirtuar-se visando uma vantagem ilegítima, na busca de objetivos comerciais. Em outras palavras, o que chamamos de “disfarçar o protecionismo comercial” com vestimentas de proteção ao ambiente ou aos direitos trabalhistas.

Nem todos os países estão nas mesmas condições de atender as preocupações de caráter ambiental ou laboral. Ou tampouco somos as causas históricas deles, como observamos nas emissões de dióxido de carbono, poluição do ar e diversas outras. Países hoje de grande desenvolvimento econômico puderam superar uma etapa, industrializaram-se utilizando carvão e sem se preocuparem com índices de poluição. E a partir de um determinado momento, pretenderam impor níveis similares de obrigações aos que chegaram depois nessa corrida pelo desenvolvimento. Faço essas distinções sempre reforçando que as agendas ambientais e laborais são legítimas.

E como você avalia a forte reação dos agricultores franceses contra o acordo?

De la Peña — A reação é mais forte na França, mas não é um caso único na Europa. O setor agropecuário europeu é protecionista, porque tem muitas dificuldades para concorrer com setores da produção brasileira ou argentina. Eles buscam proteger-se e fazem muito barulho. Chamam naturalmente mais atenção que os setores beneficiados, que não têm o mesmo poder de provocar ruídos.

A Aladi avalia que o acordo Mercosul-União Europeia tem mais aspectos positivos do que negativos?

De la Peña — Primeiramente, é fundamental deixar claro que não faz parte do escopo de condução da Aladi, nem temos porque avaliar acordos como esse, que transcendem o campo de atuação da instituição. Temos uma excelente relação com o Mercosul — a secretaria do Mercosul fica aqui em Montevideu, por isso trocamos muita informação e temos um diálogo pleno e fluido. Cabe aos membros do Mercosul analisar o acordo.

O que posso dizer é que há ao menos duas escolas de pensamento sobre as vantagens e desvantagens dos acordos de livre comercio. Aliás, nunca estão de acordo.

Os defensores de acordos como esse argumentam sobre os ganhos a médio e longo prazo, porque obrigam as partes a serem mais eficientes e competitivas. O problema, na verdade, está no custo do ajuste. Esses acordos condicionam todos os setores a investirem em qualidade, para não sucumbirem à nova concorrência. No que tange aos consumidores, eles ganham, pois passam a ter mais acesso a diferentes produtos, com melhores preços e qualidade.

O problema do Mercosul está principalmente no curto prazo, nos custos desse ajuste. Mas precisamos compreender que isso é intrínseco a um acordo tão ambicioso. O que posso garantir, por minha longa experiência na diplomacia, é que as nações do Mercosul são relevantes e possuem negociadores de primeiro nível, que encaminharão um texto final conveniente. Conheço vários deles pessoalmente e sei que buscarão de todas as formas amortizar e reduzir ao máximo possível os custos do ajuste, espraiando-os a contextos temporais mais largos e normas diferenciadoras.

Mesmo sem fazer uma avaliação qualitativa do acordo, você crê que ele pode trazer modernizações institucionais aos quatro países do Mercosul?

De la Peña — Como eu disse antes, em todos os acordos internacionais de livre comércio há os setores que já saem ganhando e há aqueles setores que vão precisar de ajustes. Por isso, em todos os acordos há cláusulas de amortização e tipos diferenciados.

Esses acordos também implicam ajustes nas práticas institucionais, visando acompanhar o processo de abertura. Porque o mercado não depende só dos produtores e operadores. Se as normas, leis e regulamentos não acompanham os novos modelos de concorrência, os empreendedores ficam de certa forma com as mãos atadas, caso as regras do jogo lhe sejam adversas. Cabe a cada país avaliar artifícios burocráticos desnecessários que estejam impedindo o pleno exercício de eventuais novas janelas de oportunidades que se abrem.

E não podemos esquecer que uma maior abertura da economia beneficia também os consumidores, através da prática de preços e qualidade melhores. Normalmente, focamos muito nas vozes de setores produtivos que não estão preparados para uma maior concorrência, porque são setores muito bem organizados, cujos interesses estão atrás das barreiras protetivas. Já os consumidores comuns, nas ruas, não estão organizados e, claro, não têm o mesmo poder de mobilização.

Por fim, deixemos claro que os acordos de grande porte são altamente desafiadores, porque aceleram todos os processos ligados à competitividade. Cobram que todos se modernizem — ou sucumbirão. E esse processo acaba se refletindo nas taxas de desemprego, no caso das áreas que não puderem fazer frente à ampliação da concorrência.

Fonte: Agência Senado

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