Itália domina culinária mundial com o maior superávit de exportação
A Itália, quem diria, domina o restante do mundo com sua cultura. Se estivéssemos na aurora da era cristã, seria uma tese facilmente deglutível, palatável até —os antigos romanos fizeram barbaridades do Marrocos ao Mar Cáspio.
Trata-se, contudo, de um estudo publicado este ano pela Universidade de Minnesota (EUA) e divulgado pela revista inglesa The Economist.
O economista Joel Waldfogel, que assina o artigo “Dining Out as Cultural Trade” (comer fora como troca cultural), junta alhos e bugalhos. Mistura rock com cinema, espaguete e almôndegas.
Sua meta é demonstrar a pujança cultural de países com culinária forte —tais como Itália, Tailândia e México— em oposição à hegemonia dos Estados Unidos e da Inglaterra no setor audiovisual.
“Percepções de uma dominância anglo-americana na música e no cinema motivam restrições no mercado de cultura”, escreve Waldfogel na introdução da pesquisa. Ele se se refere às medidas protecionistas adotadas por alguns países para garantir um índice mínimo de produção doméstica na radiodifusão e nas salas de cinema.
Prossegue o autor: “No entanto, o mercado de outro bem cultural —a comida dos restaurantes— é aproximadamente dez vezes maior do que os mercados de música e cinema”.
A pesquisa divide os países entre exportadores e importadores de cultura alimentar. O cálculo envolve fórmulas mirabolantes, mas no fim das contas dá nisso: as culinárias de certas nacionalidades lucram muito nos mercados doméstico e externo; outros países gastam seu dinheiro nos China in Box da vida e outras comidas exóticas.
No grupo dos exportadores, a Itália dispara em primeiro lugar, com um superávit de US$ 170 bilhões (cerca de R$ 693 bilhões) gerado pela gigantesca presença de cantinas e pizzarias no mundo inteiro. Entre os deficitários, os Estados Unidos seguram a lanterna, com um saldo negativo de cerca de US$ 55 bilhões (cerca de R$ 224 bilhões).
Curioso, mas previsível. Ainda que o saldo americano seja vermelho, o volume da exportação culinária é o maior dentre todos os países listados na pesquisa: US$ 191 bilhões (cerca de R$ 779 bilhões).
O Brasil tem o terceiro maior déficit, atrás dos Estados Unidos e da China e à frente do Reino Unido e do Canadá. No time dos superavitários, a Itália é seguida de longe pelo Japão, depois por Turquia, México e Tailândia.
Os dados levantados pela equipe de Waldfogel são interessantes do ponto de vista etnográfico. Não têm, contudo, relevância econômica. A tese demonstrada no estudo tem jeitão de má-fé, de desonestidade intelectual.
Não sou capaz de contestar os cálculos do pessoal de Minnesota. Presumo que estejam todos corretos. Mas o trabalho de Waldfogel traz absurdos detectáveis até por jornalistas de gastronomia.
Para começar, a fonte primária de coleta de dados é o Tripadvisor. A plataforma colaborativa de hotéis e restaurantes mais fraudável do planeta. Aquela que elegeu como melhor restaurante de Londres uma casa fictícia, inventada por um repórter da revista “Vice”.
Ainda que o Tripadvisor fosse 100% confiável no conteúdo, usá-lo como régua universal cria distorções. Assim como o Yelp (outra fonte de dados do trabalho), ele é feito por americanos para americanos. Nos outros países pesquisados, sua relevância é questionável —para dizer o mínimo.
O principal furo de “Dining Out”, porém, é identificar a culinária como um bem cultural que gera riquezas para o país de origem —como nos mercados fonográfico e cinematográfico.
Com exceção das grandes cadeias de fast-food (quase todas conglomerados globais com sede nos Estados Unidos), o dinheiro gerado pelos restaurantes circula na economia doméstica.
O napolitano Gennaro, que tem uma trattoria em Nova York, paga o aluguel a um paquistanês, que usa o dinheiro para amortizar a dívida no banco americano. Raimundo Nonato, dono de uma pizzaria em Juazeiro do Norte, nem sabe onde fica a Itália.
Mas é a Itália que domina a indústria cultural. Então tá.
Fonte: Folha de S. Paulo