INB prevê inaugurar duas cascatas em 2021 e negocia nova exportação de urânio para Argentina
A Indústrias Nucleares do Brasil (INB) se prepara para dar novos passos dentro do setor nuclear do Brasil e também planeja se afirmar como um importante player no mercado internacional. O Petronotícias publica nesta sexta-feira (15) a primeira parte de uma entrevista com o presidente da estatal, o Capitão de Mar e Guerra da Reserva Carlos Freire, para conhecer os novos planos da companhia. Como se sabe, no ano passado, a INB inaugurou a oitava cascata de ultracentrífugas – usadas no processo de enriquecimento de urânio. As próximas cascatas, a nona e a décima, devem ser lançadas no próximo ano. Feito isso, a INB conseguirá concluir a primeira etapa da implantação da sua Usina de Enriquecimento Isotópico de Urânio e será capaz de suprir 75% da demanda da usina de Angra 1. Além disso, conforme noticiamos, a INB entregou recentemente uma nova carga de urânio enriquecido para a Argentina. Agora, segundo Freire, a empresa já está em negociações com o governo do país vizinho para exportar outro carregamento do produto. Por fim, ainda nesta reportagem, o presidente da INB fala da entrega da próxima recarga de Angra 2, da possibilidade de parcerias com empresas privadas na mineração e as ações da estatal contra a Covid-19.
Gostaria de começar essa primeira parte da entrevista pedindo para o senhor falar da inauguração das próximas cascatas de ultracentrífugas. A previsão de inauguração da nona cascata continua sendo para este ano?
Falando francamente, acho difícil acontecer neste ano. Acho que devemos buscar fazer a inauguração das duas cascatas no ano que vem. Seria, inclusive, um momento muito oportuno para lançarmos o projeto da expansão da Unidade de Enriquecimento de Urânio, em Resende.
No ano passado, conseguimos finalizar a contratação da Amazul para desenvolver o projeto de detalhamento desta nova unidade de enriquecimento de urânio. A ideia é que possamos, até o ano que vem, estar com o projeto em andamento e o termo de referência para licitar a construção desta unidade a partir de 2022. Então, seria importante inaugurar a nona e décima cascatas e lançarmos a pedra fundamental da segunda etapa da Unidade de Enriquecimento de Urânio.
Com o aumento na capacidade de enriquecimento, a INB pensa em ampliar a exportação de urânio?
É importante entender a moldura legal que existe em relação à exportação de urânio. Existe uma obrigação de manutenção do estoque mínimo de urânio enriquecido para a geração de energia no país. Além disso, há um trâmite muito pesado para realizarmos a exportação. A moldura legal de tudo isso está sendo trabalhada e discutida. A ideia é que possamos, não só do ponto de vista legal e de mercado, nos inserir como um player desse mercado.
Para isso, precisamos primeiro ter um excedente de urânio. Com o projeto de Santa Quitéria (CE) e a futura duplicação da capacidade de Caetité (BA), haverá um excedente bastante razoável que permitirá a INB exportar o urânio com valor agregado.
O que exportamos para a Argentina não é apenas yellow cake. Exportamos para a Argentina o pó de urânio enriquecido, já com valor agregado, com um bom retorno financeiro da operação. Essa foi a terceira venda de urânio para a Argentina, que é um forte parceiro brasileiro neste setor. Inclusive, já estamos finalizando conversações com a Argentina para fazer uma quarta exportação para o país.
Mas a INB pretende ir mais longe.
De que forma?
Para ir mais longe, e não apenas exportar o urânio na forma yellow cake, é fundamental ampliar nossa capacidade de enriquecimento de urânio. O ministro Bento Albuquerque é um entusiasta disso e o próprio presidente Jair Bolsonaro demonstrou um interesse muito grande de ver o Brasil ser um grande player como exportador de urânio. Temos uma reserva imensa no país, muito acima do que precisamos para os próximos 50 anos em termos de produção de energia. E nós temos o domínio do ciclo do combustível. São poucos os países que têm reserva e o domínio do ciclo. Temos que usar isso em prol da sociedade. Não adianta ter uma reserva imensa enterrada.
O enriquecimento de urânio está inserido como um ponto de alavancagem grande. Na hora que você enriquece o urânio, damos um salto de 35% em termo de preço.
Que outras ações estão previstas pela direção da INB para o restante do ano?
Estamos fazendo um trabalho junto com a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) para ampliar as opções em termos de anomalias (como são chamadas as áreas de grande concentração de urânio). E também para ampliar o conhecimento das jazidas que temos e das possíveis jazidas em sites promissores. Este é um trabalho que vai agregar um valor muito grande ao nosso conhecimento do potencial do Brasil neste sentido.
No ano passado fizemos também, com muita dificuldade, as duas recargas de Angra 1 e Angra 2. Em 2020, já finalizamos a produção da 16ª recarga de Angra 2 e estamos começando nesta semana a entrega da mesma. E temos um compromisso de iniciar, brevemente, a 17ª recarga de Angra 2. Naturalmente, estamos com as mesmas dificuldades de orçamento, mas estamos tentando superar isso.
Estamos fazendo trabalhos com a Apex-Brasil [Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos], com apoio da ABDAN [Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares], para internacionalização das possibilidades do mercado de urânio. Existem ações no sentido de ampliar essas parcerias.
Quais ações?
Existe um aspecto muito interessante nessa ampliação de produção de urânio. Estamos na busca de parceiros internacionais para fazermos parcerias na exploração e na busca de urânio no país. Mas essas conversas tiveram de ser interrompidas agora.
Nas anomalias onde o urânio prevalece economicamente, quem tem o direito de lavra é a União. Nesses locais, a INB não pode ter parceiros privados pela legislação atual. Em locais como Santa Quitéria, onde o urânio é um subproduto, aí sim podemos estabelecer uma parceria privada.
Outra coisa interessante é que existe uma série de locais onde acontece a mineração e há o urânio como subproduto. A INB está buscando, com o apoio da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), a identificação de possíveis parcerias no aproveitamento deste material. Naturalmente, isso vai depender do cenário pós-Covid-19. Vamos retomar, logo que possível, essas conversas. Ano passado tivemos a possibilidade de participar de interações e seminários para essa busca. Mas, tivemos de suspender a partir de março. Contudo, isso continua em nosso radar e é algo que devemos continuar.
De que forma a pandemia impacta as operações da empresa e como a INB está agindo para superar estas dificuldades?
Nós procuramos atender às orientações do Ministério da Saúde e do governo federal, através do Ministério de Minas e Energia. Todo o pessoal de grupo de risco foi identificado e colocado em home office. As equipes operacionais foram reduzidas ao mínimo necessário de operação. As equipes de segurança, sejam físicas ou radiológicas, ficaram estabelecidas dentro do que foi orientado pelo nosso órgão licenciador. Fechamos nossa sede do Rio de Janeiro e colocamos todo mundo de quarentena. Até por questões de segurança das pessoas, porque o Centro da cidade está esvaziado e não haveria condições de manter as pessoas indo e vindo.
Nas unidades produtivas que estão finalizando a 16ª recarga de Angra 2, em Resende (RJ), à medida que as pessoas finalizavam os seus trabalhos, foram sendo colocadas em home office. E quando finalizamos a parte do elemento combustível, as equipes da Fábrica de Combustível Nuclear foram colocadas em home office.
Criamos um gabinete central para gerenciar a crise e gabinetes locais em cada unidade. O gabinete central produz um relatório que é enviado diariamente para mim, para o Ministério de Minas e Energia e a Casa Civil. E também procuramos seguir as orientações e os decretos dos governadores e dos prefeitos nos locais onde estamos inseridos.
Graças a Deus, não temos tido problemas. Na INB, pela própria atividade que exerce, existe uma cultura de segurança e higienização. As contaminações que ocorreram foram fora das nossas unidades. Isso porque estamos mantendo um sistema de higienização nos principais locais, distanciamento das pessoas e uso de máscaras.
Os impactos da Covid-19, em termos da produção, não ocorreram até o momento. Nós temos o planejamento do início das próximas recargas, mas está ainda dentro do cronograma anterior. Porque sempre entre uma recarga e outra para as usinas de Angra, existe um espaço de tempo reservado para manutenção das unidades. Estamos ainda dentro desse calendário.
O que temos uma certa urgência em retomar é em Caetité, porque acabada a fase de testes, nós precisamos retomar a fase de produção. Mas, de resto, estamos atravessando essa questão do coronavírus tranquilamente.