Impostos e burocracia, os gargalos da cabotagem
Para que a navegação de cabotagem – o transporte marítimo de cargas entre portos da costa brasileira – cresça de fato no País, ela precisa ser tão competitiva quanto o transporte rodoviário de mercadorias. Para isso, a isenção de impostos e uma menor burocracia são os caminhos apontados por especialistas do setor.
Essa é a avaliação do consultor portuário Fabrizio Pierdomenico e do presidente eleito da Federação Nacional das Agências de Navegação Marítima (Fenamar), Marcelo Neri, que participaram do Fórum Porto & Mar, programa de debates sobre o setor transmitido ao vivo na página do Grupo Tribuna no Facebook.
Neri e Pierdomenico discutiramos impactos do projeto BR do Mar, pacote de medidas para incentivar a cabotagem que o Ministério da Infraestrutura pretende lançar até o final deste mês. O objetivo da pasta federal é, através dessa iniciativa, aumentar a oferta de cabotagem, incentivar a concorrência e reduzir custos. A expectativa é dobrar o volume de contêineres transportados por cabotagem.
Santos é o principal porto do País em movimentação de cabotagem, respondendo por 21,6% dessas cargas.
Um dos principais pontos apontado como gargalo pelos especialistas, e que está no escopo do projeto federal, é a tributação do combustível utilizado pelos cargueiros (óleo bunker) neste tipo de viagem. Um mesmo navio pode fazer viagens de cabotagem e de longo curso (internacionais), mas ele não tem isenção de imposto do combustível para os transportes ao longo da costa nacional.
Mesmo com essa diferença, Pierdomenico acredita que o grande concorrente da cabotagem é o transporte de carga rodoviário. “Quando você pensar em políticas públicas para cabotagem, você tem que pensar o que a rodovia tem de vantagem e como estas vantagens podem ser enfrentadas dentro da cabotagem”, afirma.
O consultor explica ainda que uma tratativa que nunca foi para frente foi a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado sobre o valor do bunker. “Você teria que discutir com os 27 estados, convencê-los de abrir mão do imposto para baratear o óleo bunker, para que ele seja competitivo como o óleo diesel, que tem subsídio. É com essa matriz de custo desigual que a cabotagem precisa competir”, avalia.
Menos processos
O plano do Governo Federal fala em redução do trâmite burocrático. Mas o consultor portuário faz uma ressalva. “Não serve reduzir. Tem que eliminar essa burocracia. O dono da carga, com uma nota fiscal só, tem que sair de onde ele está, ir para o porto, entrar no navio, do navio para o outro porto e do porto para o cliente final. É simples assim. É como faz o caminhoneiro. Se não for assim, a cabotagem continuará tendo elos da logística piores que o caminhoneiro”, diz.
“Não faz sentido você ter o mesmo regime aduaneiro para a cabotagem do que você tem para o transporte internacional. Tem que ter zero de regime, ser como o caminhão. É a mesma carga. Só muda o modal”, disse o presidente eleito da Fenamar.
Crescimento
Nos últimos 10 anos, esse modal teve um crescimento médio anual de 12%. Mas, apenas em 2018, a greve dos caminhoneiros, que começou em maio e interrompeu o transporte rodoviário em boa parte do País, fez com que a cabotagem crescesse 15%.
“Ano passado, tivemos um milhão de contêineres de 20 TEU (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) na cabotagem. Você tirou um milhão de caminhões das estradas. Foi além do que era esperado”, comenta o presidente da Fenamar.
“Um navio significa 4 mil carretas a menos na estrada. É menos poluição, é menos acidente, menos roubo, menos impacto nas estradas, menos manutenção no asfalto”, destaca Pierdomenico, que complementa: “Mas isso só muda quando o produtor olhar para a cabotagem e falar, ‘vou para a mais barata’. É natural que esse modal seja mais barato, desde que haja isonomia”.
Fonte: A Tribuna