Empresa conquista mais um mercado internacional
Em 1975, o empresário português Avelino Costa, fundador da Pif Paf, fechou sua primeira venda para o exterior. Duas mil toneladas de frango estavam prestes a serem despachadas para o Líbano quando estourou a guerra civil no país da Península Arábica – que duraria 15 anos. “A viagem teve de ser cancelada de última hora e se eu não encontrasse outro destino rapidamente perderia todo o carregamento”, lembra. Uma nova negociação foi fechada em 30 minutos e as aves foram enviadas para o Kuwait. Para conferir como a mercadoria chegaria em seu destino, Avelino não pensou duas vezes: pegou um voo e, no momento do desembarque, estava a postos no porto. “O negócio não é só vender, mas vender bem”, costuma dizer. Avelino não descansou nem quando aguardava o voo de volta ao Brasil. De madrugada, sentado em uma das cadeiras do saguão do aeroporto, avistou duas assadeiras de frango em funcionamento. “Mesmo longe, dava para sentir um cheiro espetacular. Fui me informar de onde vinha esse frango que cheirava tão bem e, claro, era brasileiro.” O cheiro e o sabor característicos do frango brasileiro, diz, vêm da ração sem misturas, à base de soja e milho, além de um pouco de farinha de carne. Ali teve certeza do imenso potencial do produto nacional.
Quatro décadas e meia depois, a aventura internacional da Pif Paf continua. Mas, se não há uma guerra para atrapalhar os planos, os trâmites burocráticos são bem maiores que os da década de 1970, quando os problemas poderiam ser resolvidos com alguns telefonemas para as pessoas certas. Desde novembro de 2019, a empresa mineira vem abastecendo o mercado chinês, considerado o maior do mundo. As negociações com os exigentes importadores chineses foram morosas, dependiam de missões governamentais e prolongaram-se por 10 anos. Depois de um longo namoro, surgiu uma oportunidade: a peste suína africana, que matou cerca da metade dos porcos na China, o maior produtor mundial dessa carne. Com isso, o país com população de quase 1,4 bilhão de pessoas foi forçado a acelerar as habilitações de exportações.
Quando o assunto é exportação, as exigências são grandes em todos os mercados, independentemente do tamanho do país. Mas, é claro que quanto maior o poder de fogo do comprador – e hoje o único mercado consumidor capaz de rivalizar com o chinês é o americano – mais possibilidade de exigências ele tem. “Só faltam pedir para pintar as unhas dos frangos”, brinca Luiz Carlos Mendes Costa, primogênito de Avelino e presidente do Conselho de Administração da Pif Paf. Seus irmãos, Ricardo Mendes Costa e Cristiane Emília Costa Silva, também são acionistas e conselheiros da companhia, mas trabalham em outras empresas do grupo.
A Pif Paf exporta cortes de frango para a China e deve enviar 5 mil toneladas para o país asiático neste ano. Nem o surto de coronavírus, que poderia deixar os executivos de cabelos em pé, parece preocupá-los. “Isso gerou alguma volatilidade de preços e certa dificuldade logística nos portos de lá, mas as ações do governo chinês para controlar a proliferação do vírus deverão resultar em retomada e melhoras a partir de abril”, afirma o engenheiro de alimentos Rodrigo Alves Coelho, presidente executivo da empresa desde setembro de 2019. A fábrica de Visconde do Rio Branco, no interior mineiro, já está habilitada e a próxima unidade que a empresa quer aprovar para os chineses é a de Palmeiras de Goiás (GO). “Quando isso acontecer, a China vai responder por 50% das nossas exportações”, diz Edson Laurindo Cavalcante, gerente geral de exportação da Pif Paf. Apesar do grande volume exportado – entre 7% e 8% da produção anual, de cerca de 310 mil toneladas de frangos e suínos por ano -, o departamento de exportação comercial e logística da empresa conta com apenas 10 pessoas. Um dos integrantes tem aulas de mandarim para facilitar as negociações com os chineses. “Nossa ideia é formar um grupo de estudos para que todos entendam e se comuniquem em mandarim”, afirma Edson. “A China é e continuará sendo, durante muitos anos, o maior comprador de proteína animal do Brasil.” O plano da empresa para os próximos quatro anos é ambicioso: dobrar de tamanho. E as vendas para a China têm, claro, papel importantíssimo nesse processo. “Nosso objetivo é crescer para aumentar a exportação, sem deixar de atender o mercado interno”, diz Rodrigo. “Nossos produtos podem ser encontrados em 20 países. Quando chegou a oportunidade de exportar para a China, já estávamos preparados.”
Avelino iniciou suas atividades no comércio aos 8 anos de idade, com a compra e venda de ovelhas e cabras em Vila Nova de Cerveira, um pequeno vilarejo ao norte de Portugal. Apesar da desconfiança de alguns fregueses, o garoto era atrevido e sempre voltava para casa com lucro no bolso. Mais ou menos nessa época, seus pais já tinham acertado toda a sua documentação para que entrasse no seminário e estudasse para ser padre. “Mas eu bati o pé”, lembra. “Queria ser comerciante.” Bom de prosa, em entrevista a Encontro ele relembrou muitas histórias de suas negociações e vendas bem-sucedidas. Nos causos, a palavra mais citada por ele, sem sombra de dúvida, foi “freguêx”, com x bem puxado pelo sotaque lusitano que se orgulha de manter. Como rejeitou a ideia do seminário, Avelino estudou apenas até o antigo primário (o que hoje seria o 5º ano do ensino fundamental). O seu diploma foi herdado do pai, “José da Mica”, que transmitiu ao filho os segredos da simples fórmula de comprar e vender na hora certa. Veio para o Brasil na década de 1950, fugindo dos horrores da II Guerra na Europa.
Avelino faz questão de frisar que nunca perdeu um só centavo nas negociações de que participou. “Sempre ganhei”, diz, com orgulho. Em uma longa negociação com um comprador japonês, quase jogou a toalha. Na época, o cliente enviou um telex pedindo uma amostra de frango. “Mandamos uma caixa recheada de produtos e em seguida mais 15, uma depois da outra”, conta. “Na última, eu disse para mim mesmo: não vou mandar mais nada para o Japão. Estou sustentando os japoneses com nosso frango!” Depois de 15 dias, recebeu um telefonema do cliente agendando um encontro para conhecer a indústria em Visconde do Rio Branco. “Eles chegaram de avião, visitaram a empresa, fizeram o exame de água e viram o funcionamento da granja”, afirma. “É um dos melhores fregueses que temos até hoje. São exigentes e fiéis.”
Tanto Avelino quanto seu filho Luiz Carlos não participam mais do dia a dia da Pif Paf. Luiz Carlos assumiu o controle da empresa em 1985, no lugar do pai, e deixou a presidência em 2017, depois de um processo sucessório que durou cerca de três anos. Ele começou a trabalhar na Pif Paf aos 14 anos, no Rio de Janeiro, e tinha tudo planejado para deixar as funções executivas quando completasse 55. Mas seus planos tiveram de ser adiados quando chamou a professora e consultora de governança corporativa Elismar Alvares da Silva Campos, da Fundação Dom Cabral, para ajudar no processo de profissionalização da gestão. “Eu imaginava que poderia resolver tudo em um ano, mas ela me falou que precisaríamos ao menos de três”, diz Luiz Carlos, que assumiu o recém-criado Conselho de Administração e continuou como presidente. “Um processo como esse precisa ser amadurecido e o sucedido estar bem preparado. Caso contrário, corre o risco do retrocesso”, explica Elismar. Muitos gestores, diz a professora, costumam ficar frustrados quando saem da rotina da empresa.
Embora a sucessão seja processo complexo dentro das empresas familiares, Elismar, que acompanha as reuniões do Conselho de Administração da Pif Paf, considera a transição de Luiz Carlos bem-sucedida. “A qualificação dos conselheiros é boa e ele entende bem qual é o seu papel, aceita as orientações e lidera os processos e a diretoria”, afirma. “Para a presidência, era preciso encontrar uma pessoa com boa conexão e interação com Luiz Carlos”, afirma Elismar. Com a escolha de Rodrigo Coelho, ela acredita que a Pif Paf chegou ao nome certo. O novo presidente trabalha na empresa desde 2018 e tem mais de 20 anos de atuação no segmento de alimentos, em funções de liderança em operações, controladoria e finanças. Tem ampla experiência internacional e já morou em Portugal, China, Argentina e Áustria.
A despeito da crise econômica em 2019, o faturamento da Pif Paf no ano cresceu 20% e chegou a 2,5 bilhões de reais, alavancado pelo aumento do valor agregado dos produtos e entrada em novos mercados externos. O mix de produtos da empresa soma mais de 500 itens e no ano passado foram lançadas novas linhas, como a linguiça mineira mais picante, costelinha à passarinho com toque de limão, pernil suíno sem osso congelado, bolinho de bacalhau com requeijão Ladelli e almôndega bovina.
A aquisição da indústria de processamento de suínos catarinense Fricasa, no fim do ano passado, abriu ainda mais oportunidades de negócios. Rodrigo assume a empresa em momento desafiador, com metas arrojadas tanto no mercado interno quanto no externo. No convívio com Avelino Costa, ele sabe o que vai tentar colocar em prática. Quer aprender cada vez mais sobre o que o fundador da Pif Paf afirma ser o seu maior dom: comprar bem e vender ainda melhor. “Ele é nossa inspiração de respeito com o funcionário e, é claro, com o freguês”, diz Rodrigo. Ou melhor, com o freguêx, como Avelino gosta de chamar carinhosamente seus clientes, daqui de Minas ou do outro lado do mundo.
Fuga dos reflexos da guerra e sucesso no Brasil
Foram os horrores da II Guerra que trouxeram o jovem Avelino Costa para o Brasil. Ele veio para cá em 1952, fugindo da destruição que a batalha mundial levou à Europa. Seis anos depois, casou-se com uma portuguesa, Maria Adelaide Mendes Costa, com quem teve três filhos. Garante que não esqueceu suas raízes. Apesar de viver há décadas do outro lado do Atlântico, Avelino, de 85 anos, faz questão de visitar, todos os anos, sua terra natal, Vila Nova de Cerveira, no norte de Portugal. O mesmo tino para os negócios que tinha ao comprar e vender ovelhas na terrinha, trouxe para cá. Quando decidiu adquirir a Pif Paf, em 1968, no Rio de Janeiro, Avelino já era o maior atacadista de frango do estado. Ele conta que não sabe o que o nome fantasia da empresa, Pif Paf, quer dizer. “Mas soava tão bem que eu resolvi deixar assim mesmo.”
Os primeiros passos em direção a Minas aconteceram por meio de um acordo para fornecimento de aves com uma cooperativa de Viçosa. Pouco a pouco, com o crescimento da empresa, transferiu a empresa para Visconde do Rio Branco, na Zona da Mata. E de Minas não saiu mais. Em 1974, inaugurou a primeira fábrica de rações, em Visconde do Rio Branco, e seu primeiro incubatório, em Pará de Minas. Em seguida, passou a adotar os investimentos de produção integrada na avicultura, na qual os criadores recebem da empresa os pintinhos, ração e assistência técnica para a criação e entregam a ave adulta para o frigorífico. No início dos anos 1980, cerca de 98% da produção era voltada para a exportação. “Vimos que essa era uma estratégia equivocada, pois estávamos judiando do freguês brasileiro, que ficava com a sobra”, lembra Avelino.
Em 1984, a Pif Paf viveu um de seus momentos mais difíceis. Avelino tinha recebido crédito para produzir frango, mas de repente o preço do milho e soja disparou. E faltou milho no mercado. A sua maior preocupação foi preservar a empresa, seus funcionários e os credores comerciais. Conseguiu dar a volta por cima e 60 dias depois os credores estavam todos pagos, sem prejuízo. Em meados dos anos 1990, a empresa inovou e passou a oferecer o frango em cortes. Na mesma época, inaugurou a unidade industrial de embutidos de Viçosa, que hoje processa também linhas de bacalhau dessalgado e desfiados, e alguns anos depois a unidade de abate e industrialização em Patrocínio.
A partir do ano 2000, ampliou seu mix de massas congeladas – lasanhas, pizzas e pães de queijo – fabricados na planta industrial de Leopoldina (MG), adquiriu o controle acionário da Tropical Alimentos, fabricante da marca de sucos Tial e construiu o complexo agroindustrial de Goiás, para abate e industrialização de aves, com matrizeiro, fábrica de rações e um dos mais modernos frigoríficos do país. Entre 2013 e 2015, diversificou seu portfólio com a criação das linhas de pescados Pescanobre e os salgadinhos Ladelli. “A aquisição da Fricasa, no ano passado, e os novos negócios com a China serão fundamentais para a Pif Paf atingir a meta traçada para os próximos quatro anos: dobrar de tamanho”, diz o presidente Rodrigo Alves Coelho.
Fonte: Revista Encontro