Opinião

Desafios da infraestrutura portuária brasileira pós-eleições

Já há algum tempo que começamos (os sócios da SOLVE) a tratar em nossos artigos, projetos e palestras das consequências para o Brasil das muitas transformações pelas quais a navegação passou na última década e, sobretudo, das transformações que estariam por vir diante das crescentes iniciativas para descarbonização do setor.

Tanto as mudanças do passado quanto as do “futuro” tinham em comum o crescimento do tamanho dos navios e, portanto, a necessidade de investimentos em canais de acesso marítimo (calado, bacia de evolução, área de giro), reforço/aprofundamento de berços de atracação, guindastes maiores (em altura e alcance), expansão dos pátios, entre outros. Contudo, pragmaticamente falando, foram poucos, pontuais e/ou insuficientes o que se viu no Brasil nos últimos 10 anos em termos de investimentos para operar os mega navios!

Fato é que o futuro chegou! Partiu de Cingapura no último dia 5 de outubro o porta-contêineres “Rio de Janeiro Express”, que será o primeiro “New Panamax” (tamanho máximo capaz de cruzar o novo Canal do Panamá) a operar na costa brasileira.

Embora já existam outros navios com 335 metros de comprimento e 16 metros de calado operando na costa brasileira, esse será o primeiro navio com 51 metros de boca/largura (alguns terminais brasileiros só conseguem operar navios de até 48 metros de largura) e mais de 13.000 TEUs (que poderá esbarrar na produtividade, capacidade de pátio e/ou dos gates de alguns terminais) escalando terminais portuários brasileiros.

De propriedade da Hapag Lloyd, o “Rio de Janeiro Express” fez sua viagem inaugural há pouco mais de 2 meses e acaba de se juntar à frota do serviço Ipanema/Ase/SX1, um consórcio entre MSC, Hapag Lloyd e ONE que opera 13 navios com capacidade média de 10.600 TEUs na rota Ásia <> Brasil.

O navio está programado para chegar a Santos no próximo dia 25 de outubro e também deverá “visitar” outros portos brasileiros (Paranaguá, Navegantes e Rio Grande) antes de retornar à Ásia.

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O ponto é que esse navio partiu da Ásia com 15 metros de calado e não fosse o combustível a ser consumido durante a longa viagem até o Brasil não conseguiria acessar o porto de Santos, onde o calado máximo (aguardando a maré alta) gira em torno de 14,5 metros (sem maré o calado máximo de Santos é de 13,5 metros). Ou seja, mesmo que houvesse demanda, o navio precisaria sair de Cingapura a “meia carga” devido às limitações físicas do acesso ao principal porto brasileiro.

Considerando que cada metro de limitação de calado num navio desse porte representa cerca de 800 TEUs não embarcados, a perda potencial de receita do armador é da ordem de US$ 2milhões, somente na “pernada” de importação. Porém, dado que Santos também é o último porto desse serviço na “pernada” de retorno à Ásia (onde os fretes estão em níveis mais baixos), pode-se acrescentar outro US$ 1milhão de perda de receita devido a essa limitação de calado.

Vale destacar que o “Rio de Janeiro Express” passa a ostentar o título de maior capacidade de transporte de carga refrigerada (2.220 tomadas) e, portanto, tende a ser dedicado a rotas com grandes volumes de carnes e frutas, tais como as costas leste e oeste da América do Sul. Antes do “Rio de Janeiro Express”, os “Cap San” da Hamburg Sud (que operam na rota Brasil <> Europa) detinham o posto de maior capacidade para carga refrigerada (2.100 tomadas).

Esse navio é o primeiro de uma série de seis navios idênticos que a Hapag Lloyd deve receber nos próximos meses, no entanto perderá muito em breve a liderança em carga refrigerada para uma série de seis navios encomendados pela CMA CGM com 2.400 tomadas e que deve entrar em operação ao longo de 2023 e 2024.

Em outras palavras, tendo em vista que nos próximos anos podemos ter cerca de 3 a 4 navios desse porte operando semanalmente nos principais terminais brasileiros, apenas as restrições de calado representariam um “Custo Brasil” anual da ordem de US$ 500 milhões (ou cerca de R$ 2,5 bilhões em moeda nacional)!!!

Tendo em vista que é difícil acreditar que os armadores pagarão essa conta ad aeternum (ou que esse custo não será repassado de alguma maneira para os fretes), para que não percamos para outros rotas as escalas diretas desses grandes navios (e passemos a ser atendidos por navios feeder via Caribe/Mediterrâneo, comprometendo a competitividade de muitas commodities), após as eleições será necessário uma ampla coalisão de todos os integrantes da cadeia logística (exportadores, importadores, agentes de carga, armadores, terminais portuários e autoridades) visando agilizar em muito esse debate e destravar investimentos imediatos na infraestrutura portuária brasileira para que os New Panamax possam operar por aqui a full capacity.

 

 

 

Fonte: Leandro Carelli Barreto é sócio da Solve Shipping Intelligence

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