Delator acusa Vitol e Trafigura de conhecerem esquema que atingiu Petrobras
A cúpula da Vitol e Trafigura, tradings globais do setor de petróleo, sabia de um esquema de propina para obter contratos com a Petrobras, segundo a delação premiada de um intermediário das operações ilícitas investigadas pela força-tarefa da Lava Jato.
De acordo com documentos inéditos obtidos pela Reuters, o operador financeiro Carlos Henrique Nogueira Herz afirmou ter atuado há alguns anos para facilitar supostos acordos entre funcionários da Petrobras e as gigantes Vitol e Trafigura.
A delação foi homologada na quinta-feira passada pelo juiz federal Luiz Antonio Bonat, que substituiu o atual ministro da Justiça, Sergio Moro, no comando da Operação Lava Jato em Curitiba.
Em depoimentos prestados em agosto, Herz afirmou que importantes executivos, incluindo o presidente do conselho da Vitol, Ian Taylor, teriam conhecimento de milhões de dólares em subornos pagos a funcionários da Petrobras.
Segundo a delação, um parceiro comercial de Herz, Bo Ljungberg, atuava supostamente para viabilizar um esquema no qual a Vitol pagaria subornos aos funcionários da Petrobras em troca de informações confidenciais da estatal petrolífera.
Esses dados privilegiados, por sua vez, teriam dado à Vitol uma vantagem significativa sobre os concorrentes ao negociar combustível com a empresa estatal, de acordo com a delação.
Taylor estaria diretamente envolvido na negociação dos subornos, que variavam de 10 a 20 centavos de dólar por barril de petróleo negociado entre as empresas, disse Herz.
O delator afirmou que essa operação envolveria milhões de barris de petróleo, gerando um considerável valor de propina —que era chamado no jargão de “delta”.
Herz forneceu dezenas de páginas de e-mails e extratos bancários detalhando o esquema de propina como um todo.
No entanto, pelos documentos vistos pela Reuters, ele não forneceu evidências documentais ligando Taylor a uma conduta possivelmente ilegal, e a reportagem não pôde confirmar independentemente o envolvimento de presidente do conselho da Vitol.
Cidadão sueco radicado no Rio de Janeiro, Ljungberg foi indiciado pelas autoridades brasileiras em dezembro por facilitar os supostos pagamentos.
O delator disse que o sueco ficou pessoalmente próximo a Taylor e ficou a par das tratativas entre os dois nas conversas com Ljungberg, com quem ele era co-proprietário de várias empresas ativas no setor de comércio, de acordo com os documentos.
Em troca de e-mails, funcionários da Vitol e da Petrobras negociam o estabelecimento do que eles chamam de “canal especial” para negociações entre as empresas. Seria sabido pelos envolvidos que esse “canal especial” envolvia pagamento de propina. Os e-mails não incluem correspondência ou menções a Taylor.
Em um comunicado, a Vitol disse que “não seria apropriado comentar nesta fase, além de reiterar nossa política de tolerância zero em relação a suborno e corrupção e nossa política de cooperação total com as autoridades relevantes em todas as jurisdições em que operamos”.
A empresa não falou especificamente sobre Taylor, que também era presidente-executivo na época das supostas ilegalidades. Ele não respondeu a uma mensagem enviada pela Reuters.
Ljungberg não respondeu às mensagens da Reuters solicitando comentários. Anteriormente, ele não respondeu aos pedidos de comentários da Reuters sobre as acusações que as autoridades brasileiras fizeram contra ele.
O acerto ilícito para pagamento de funcionários da Petrobras seria feito, de acordo com o delator, com o uso de empresas offshore. Ele disse que, apesar de ter atuado na operação, não recebeu a parte que lhe cabia no esquema.
IMPASSE
Em outro depoimento, Herz disse que os executivos da Trafigura Claude Dauphin, então CEO, Mike Wainwright, o atual diretor operacional da Trafigura, e José Larocca, atual co-chefe do comércio de petróleo, sabiam das propinas pagas pela firma para funcionários da Petrobras.
Dezenas de e-mails apresentados por Herz na delação mostram funcionários da Petrobras e da Trafigura discutindo suposto pagamento de propinas.
Os executivos da Trafigura, Larocca e Dauphin, não estão incluídos nos e-mails. No entanto, Wainwright é copiado em pelo menos uma cadeia de e-mails, que faz referência a supostos pagamentos.
O operador financeiro disse ter assumido, após firmar um contrato fictício de consultoria, o papel de fazer os pagamentos da Trafigura, que eram repassados a doleiros e, por sua vez, alocados em offshores apontadas pelos beneficiários.
Em comunicado, a Trafigura afirmou não ter sido contatada pelas autoridades brasileiras em relação às afirmações feitas por Herz à Lava Jato.
“Estamos analisando as informações disponíveis que parecem, em grande parte, repetir declarações feitas pelas autoridades brasileiras em dezembro de 2018”, disse.
“Qualquer sugestão de que a gerência atual da Trafigura sabia que seus pagamentos seriam usados para fazer pagamentos indevidos a funcionários da Petrobras não está correta”, completou.
A empresa não disponibilizou pessoalmente Wainwright e Larocca para fazer comentários. Dauphin, que deixou o cargo de CEO da Trafigura em 2014, morreu em 2015.
Um advogado de Herz não respondeu aos pedidos de comentários. Os escritórios do advogado não atenderam a vários telefonemas. Os procuradores da Lava Jato não fizeram um comentário imediato.
A Petrobras informou que iniciou investigações internas a partir da delação de Herz e afastou os funcionários nomeados de seus cargos atuais. “A Petrobras soube do depoimento de Carlos Herz e, imediatamente, iniciou investigações internas sobre o assunto”, afirmou a empresa.
OPERAÇÃO SEM LIMITES
A delação de Herz aumenta a aposta em uma investigação brasileira abrangente do setor do comércio de commodities, após a Lava Jato ter deflagrado no fim de 2018 a “Operação Sem Limites”.
De acordo com os documentos vistos pela Reuters, Herz trabalha no setor de comércio de commodities desde 1980, primeiro para a Glencore e depois para a Trafigura. Nos últimos anos, Herz fundou empresas de trading menores que se tornariam atores-chave na Operação Sem Limites, incluindo a Fonte Negócios e a Encom Trading.
A Reuters não conseguiu contato com essas duas tradings.
Em dezembro, os procuradores afirmaram que as multinacionais europeias Vitol, Trafigura, Glencore e Mercuria Energy Group usavam intermediários para pagar pelo menos 31 milhões de dólares em propinas aos funcionários da Petrobras para vender petróleo a preços abaixo do mercado ou ganhar acesso a informações privilegiadas que lhes deram uma vantagem ao negociar com a estatal brasileira.
É a mesma linha da acusação feita por Herz —profissional que disse ter atuado por décadas no setor— em sua delação fechada no mês passado.
As companhias, que controlam cerca de 10% do consumo diário de petróleo do mundo, têm dito que estão cooperando com as investigações. Todas enfatizaram seu compromisso com práticas éticas de negócios. Mercuria negou irregularidades. Glencore e Mercuria se recusaram a fornecer comentários adicionais para esta reportagem.
A operação Lava Jato já disse que esses subornos eram rotineiros entre pelo menos 2011 e 2014, mas podem ter ocorrido até 2018.
A apuração sobre irregularidades no mercado de commodities do petróleo é um braço da Lava Jato, iniciada em 2014, que derrubou dezenas de empresários e políticos.
O FBI, a Polícia Federal norte-americana, também investiga o esquema de corrupção envolvendo tradings, contando com a cooperação de um ex-funcionário da Petrobras. A Comissão de Comércio Futuro de Commodities dos EUA também solicitou documentos relacionados ao assunto da Petrobras.
Vitol, Trafigura, Mercuria e Glencore têm investimentos em infraestrutura estratégica de energia e commodities em todo o mundo, inclusive no Brasil.
Fonte: Reuters