Opinião

Corredores logísticos no Brasil: capacidade, integração e sustentabilidade

O setor de transportes no Brasil tem passado por significativas mudanças nos últimos anos. Ainda que diversos investimentos na malha rodoviária e aeroviária mereçam atenção, destacam-se neste artigo os desenvolvimentos relacionados aos corredores de transporte de carga no Brasil, com ênfase no planejamento, investimentos e alterações nos modelos de exploração de ferrovias e portos brasileiros.

Com relação às ferrovias, primordiais para o fluxo de cargas entre os portos brasileiros e suas hinterlândias, destacam-se os processos de renovação da malha existente, como já ocorrido no caso EFVM, em curso no caso da FCA, e em planejamento da RMP e da RMS. Além disso, diversos novos investimentos em ferrovias estão em diferentes estágios de projeto e implantação, como os tramos central e sul da FNS, a FICO e a FIOL.

Ainda em relação aos projetos ferroviários futuros, destacam-se os estudos para a viabilização da Ferrogrão, e a grande novidade: a possibilidade de autorização de novas ferrovias, ou seja, a implantação de ferrovias privadas. Esta possibilidade, prevista pela Medida Provisória 1.065/2021, cuja validade foi prorrogada até fevereiro de 2021, já conta com mais de 20 projetos já recebidos pelo Ministério da Infraestrutura, cujo potencial de investimentos supera R$ 100 bilhões com mais de 7 mil quilômetros de novos trilhos em todas as regiões do país.

O Projeto de Lei nº 3.754/2021 (anteriormente denominado PLS n° 261/2018), que institui o novo marco legal das ferrovias, deverá ratificar esta modalidade de outorga. O texto, entre outros tópicos, trata sobre os novos instrumentos de outorga para ferrovias em regime privado, em nível federal, estadual e municipal, e está em fase de aprovação pela Congresso Nacional.

No que diz respeito aos portos, destacam-se os projetos e a implantação em andamento de diversos novos terminais em portos públicos e TUPs – especialmente nas regiões Norte, Nordeste e no Espírito Santo –, e a iminente concessão das administrações de portos públicos, sob a esperança de maior agilidade em investimentos na infraestrutura dos terminais brasileiros, em particular no que diz respeito às dragagens de aprofundamento e manutenção dos canais de acesso.

Essas medidas são importantes para atender à demanda projetada nos principais instrumentos de planejamento do Governo Federal para a movimentação de cargas, assim como reduzir os custos de diversos setores produtivos e do comércio no Brasil.

Como o volume dos bens transportados pelo modal marítimo representa aproximadamente 90% do comércio global, de acordo com a OCDE, cabe avaliar, inicialmente, a necessidade de ampliação da capacidade de transporte pela perspectiva dos portos brasileiros. De acordo com o Plano Nacional de Logística Portuária (PNLP), a relação entre a capacidade instalada atualmente nos portos brasileiros e a demanda prevista para movimentação de granéis sólidos minerais, granéis sólidos vegetais, contêineres e carga geral projeta-se conforme os gráficos a seguir.

Figura 1

Fonte: PNLP (2019)

Analisando-se as projeções das quatro naturezas de carga ilustradas – entre as quais não se incluem os granéis líquidos, que, em boa parte, são transportados entre o porto e a hinterlândia por dutos –, observa-se um crescimento de quase 50% no volume de movimentação até 2045. É possível notar também que, já em 2025, projeta-se a necessidade de ampliação da capacidade para a movimentação de granéis sólidos vegetais em relação à capacidade atualmente instalada.

A ampliação da capacidade portuária, no entanto, não se dá apenas a partir da ampliação da infraestrutura. Em uma primeira etapa, entende-se mais eficiente, tanto sob o ponto de vista da utilização de ativos físicos quanto financeiros, a melhoria da produtividade nas operações, seja pela otimização de processos, pela implementação de novas tecnologias ou de equipamentos que proporcionam maior vazão ou movimentos por hora.

Esgotada a possibilidade de ampliação da capacidade pela utilização mais eficiente das instalações disponíveis, faz-se necessária a ampliação da infraestrutura, seja pela adaptação do canal de acesso e dos berços para um maior fluxo ou para o recebimento de navios de maior porte, ou, especialmente, através da ampliação do número de berços.

Cabe salientar que a necessidade de adequação dos portos e terminais para o recebimento de navios com maiores dimensões não diz respeito apenas à adequação da capacidade de movimentação, mas também à capacidade de atração de cargas, devido aos ganhos de escala e consequente redução dos custos do transporte para o embarcador. Logo, para a concretização da demanda prevista, é necessário não apenas que se amplie a capacidade de recebimento dos navios, mas que os portos se mantenham atrativos.

O PNLP demonstra que, atualmente, os navios que operam nos portos brasileiros atracam ou desatracam aliviados, dadas as restrições de infraestrutura nos portos brasileiros ou nos portos que com eles conformam o par de origem e destino. Assim, pode-se inferir que existe uma demanda reprimida para a expansão das dimensões dos navios que atracam aos portos brasileiros, que tende a se intensificar.

Cabe ressaltar, no entanto, que a expansão da capacidade de movimentação e das dimensões dos navios comportados nos portos não é suficiente para, na prática, atender à crescente demanda do comércio internacional e de cabotagem no Brasil. Para que os portos possam, de fato, desempenhar essas atividades fundamentais para a economia brasileira, é necessário que a evolução da capacidade de fluxo das cargas entre eles e suas hinterlândias acompanhe este crescimento.

Neste sentido, toma-se o exemplo dos granéis sólidos vegetais, cujas projeções foram apresentadas na Figura 1, e revelam que, até 2060, será necessário dobrar a capacidade instalada em 2018 para que se possa escoar toda a demanda prevista. Da mesma forma que as instalações portuárias precisarão ser expandidas, e novas instalações precisarão ser implementadas, o que de fato já está parcialmente em curso, os corredores logísticos – em especial os corredores ferroviários e, na medida do possível, as hidrovias – precisarão ter sua capacidade expandida, de modo que possamos atender a esse crescimento de demanda, levando em consideração a sustentabilidade econômica e ambiental.

Ainda tratando-se dos granéis sólidos vegetais, observa-se uma oportunidade de crescimento em todas as regiões do Brasil, e, embora os crescimentos mais pujantes previstos pelo MAPA (2020) sejam para as regiões Norte e Centro-Oeste, os grãos produzidos no Centro-Oeste são exportados por portos localizados em todas as regiões do Brasil. Sendo assim, é importante que haja um alinhamento entre o planejamento da expansão da capacidade portuária e da capacidade dos corredores ferroviários, que em muitos casos já se encontra próxima ao limite do Indicador de Saturação da Ferrovia (ISF) de 90%.

Não se deve, no entanto, ater-se apenas à expansão da malha ferroviária e terminais integradores na direção do Arco Norte e Santos, que certamente têm seu papel estratégico na logística brasileira, mas também ao Corredor Centro-Leste (portos do Espírito Santo e Rio de Janeiro), e aos corredores conectados aos portos do Nordeste e do Sul do país.

Embora a expansão da malha ferroviária brasileira seja necessária e haja indícios de que irá ser impulsionada de fato nos próximos anos, seja por ferrovias concedidas pelo governo ou autorizadas para a inciativa privada, conforme já mencionado, deve-se considerar que esses empreendimentos demandam investimentos vultosos e um escrutínio minucioso acerca dos impactos ambientais, especialmente no que diz respeito à expansão em direção ao Arco Norte. Logo, é urgente que o planejamento da expansão ferroviária envolva também a ampliação da capacidade das malhas atuais, para que não acabemos com uma coleção de linhas ferroviários e terminais subutilizados, na contramão da eficiência da utilização dos recursos e da sustentabilidade econômica e ambiental.

 

 

 

 

 

Fonte: Carlos Frederico Alves é administrador e mestre em engenharia de transportes, consultor na EC Projetos na área de planejamento de transportes, com ênfase em estudos de mercado e análises de infraestrutura e capacidade portuária.

Tiago Buss é economista e diretor da EC Projetos, possui experiência na execução de projetos de planejamento de transportes nos modais marítimo, ferroviário, rodoviário e aeroviário, tendo coordenado projetos de planejamento setorial em cooperação com o Minfra, como o PNLP e o PAN.

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