Compensações para cidades portuárias
Não é de hoje que o tema é abordado. Eu mesmo, em 2012, publiquei um artigo abordando esse tema, sob forma de uma analogia com os royalties de petróleo.
Esses royalties são compensações pagas ao governo, por empresas que exploram hidrocarbonetos em território nacional, como forma de compensação por potenciais danos sociais e ambientais gerados na região de exploração.
Atualmente, estados e municípios onde ocorre a extração de hidrocarbonetos tem direito à maioria desses royalties, com a seguinte divisão: União: 40%; estados: 22,5%; municípios produtores: 30%, sendo que os restantes 7,5% são distribuídos para todos os municípios e estados da Federação.
Os valores dessa divisão decorrem, em geral, de alíquotas de 10%, para as cobranças mensais, e de 5%, em cobranças trimestrais.
Segundo a ANP, a estimativa de arrecadação de royalties da produção de petróleo e gás natural em 2022 é de R$ 61 bilhões.
De acordo com a Confederação Nacional de Municípios (CNM), 30 cidades do País recebem cerca de 70% do montante destinado aos municípios onde ocorre a produção. Para os demais, um dos critérios para a distribuição dos 7,5% remanescentes é a faixa litorânea. A cidade de Santos, sede do principal porto do Brasil, responsável por mais de 25% do comércio exterior do País, recebe um valor pífio, por esse motivo.
Também merece menção outros tipos de royalties: os derivados de hidrelétricas (“royalties da água”) e da mineração, também revertidos para as regiões onde essas atividades são desenvolvidas.
Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em 2022 essa arrecadação foi da ordem de R$ 8,3 milhões. No caso de royalties de mineração, em 2021 foram arrecadados aproximadamente R$ 10 bilhões, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM).
Mas, o que tem a ver os royalties de petróleo, água e mineração com as propostas de compensações financeiras às cidades portuárias?
Bem, a própria definição dos royalties de petróleo, que não é muito diferente das demais, explica: compensação por danos sociais e ambientais, mesmo que potenciais, na medida em que a arrecadação é feita sobre o montante do valor da produção, independentemente de casos concretos.
Nem é preciso enfatizar a importância dessa receita para o Rio de Janeiro.
Essa arrecadação, como já mencionado, não é indenizatória, mas compensatória, e cobrada sobre a produção.
Daí a existência de propostas para que as cidades portuárias também recebam compensações financeiras por abrigarem portos, elos da cadeia logística responsáveis pelo escoamento de 95% do comércio exterior brasileiro.
Os portos geram empregos e tributos paras essas cidades, mas também geram impactos negativos no ambiente urbano. No caso de portos públicos delegados a estados e municípios, essas compensações são, em tese, de melhor equacionamento, o que não vale necessariamente para os complexos portuários geridos diretamente pelo Governo Federal, ainda mais depois da Lei Federal nº 12.815/2013, que tirou o caráter deliberativo dos Conselhos de Autoridade Portuária (CAPs).
Mas, mesmo antes dessa lei, já havia movimentos com esse objetivo, caso da Proposta de Emenda à Constituição nº 318/2008, de autoria do então Deputado Federal Vicentinho, que propunha “o repasse de 5% do Imposto de Importação sobre Produtos Estrangeiros aos municípios que hospedam zonas primárias aduaneiras”. Essa PEC foi seguidamente arquivada e desarquivada ao longo do tempo. Em 2019, o autor requereu novo desarquivamento, no que foi atendido. Quando da elaboração deste artigo, foi constatado que o Relator designado emitiu Parecer pela admissibilidade do pleito que, continua em tramitação.
Posteriormente, houve iniciativa similar, porém descontinuada. Trata-se da Proposta de Emenda à Constituição n° 24/2009, de autoria do ex-Senador Osmar Dias, que propunha a destinação de 2% do produto da arrecadação do imposto sobre importação para os municípios portuários, que teve o mérito reconhecido, mas foi rejeitada e arquivada.
Posteriormente, o Projeto de Lei 4311/2016, de autoria do ex-Deputado Federal João Paulo Papa, propôs a destinação de, no mínimo, 50% do valor arrecadado em arrendamentos para investimento em infraestrutura no porto de origem, também arquivado.
Ainda em tramitação, temos o Projeto de Lei nº 623/2021, de autoria da Deputada Federal Rosana Valle, propõe a destinação de 25% (vinte e cinco porcento) do valor de outorga de arrendamentos terminais portuários e de concessões de instalações portuárias e afins aos municípios onde estão ou serão localizados. Afora o percentual, a minuta do PL foi de minha autoria, disponibilizada à Deputada no início de 2021, por conta de sua representatividade.
Por fim, há o Projeto de Lei nº 2631/2022, do Senador Flávio Arns, que propõe a destinação até 1,5% da receita auferida nos portos delegados para fins de compensação dos municípios impactados pela atividade portuária, também em fase de tramitação. Sugeri ao Senador que o alcance do PL seja ampliado para todos os portos públicos.
Além desses projetos do Legislativo Federal, também houve estudo da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB-Santos, de 2017, que previa a destinação dos recursos arrecadados pelo Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). Segundo os membros dessa Comissão, a arrecadação do AFRMM à época, era de R$ 5 bilhões/ano. O projeto visava promover alteração legislativa, de forma a destinar 50% dessa arrecadação para os municípios portuários. Não foi identificada evolução dessa proposta. No mais, hoje ela sofreria a concorrência dos desdobramentos da BR do Mar.
Também houve sugestões de destinação de percentual da arrecadação da Receita Federal nos portos para as cidades portuárias.
Enfim, sugestões e iniciativas não faltaram ou faltam, e temos três efetivamente em tramitação, com seus autores ainda investidos de mandatos.
A diferença em favor dos PLs é que eles não têm a complexidade de tramitação de uma PEC, por não afetarem o Sistema Tributário Nacional. Mas, isso não assegura que tenham tramitação mais rápida ou, sequer, prosperem. Isso ocorre muito em função de interesses dos não beneficiados, provavelmente por entenderem que recursos que vão para os cofres da União atendem melhor às demandas de quem representam. Para que prosperem, é fundamental a conscientização e mobilização dos dirigentes de municípios portuários, inclusive atuando junto ao Governo Federal e a seus representantes no Congresso Nacional, para que as cidades portuárias recebam tratamento similar ao dado àquelas que recebem royalties de petróleo e gás, água ou mineração.
Trata-se de uma questão de isonomia que contempla constitucionalidade, juridicidade, adequação legislativa e mérito, cujo único precedente perigoso é o fato de ainda não ter sido consumada.
No mais, se aprovar pleitos similares poderá ensejar reinvindicações análogas em benefício de municípios onde se localizem infraestruturas federais, não há que simplesmente negá-las, mas que aferir se elas são pertinentes e justas.
Isso é basilar em regimes democráticos, e é nos municípios que a vida econômica e social ocorre em plenitude.
Fonte: Adilson Luiz Gonçalves é engenheiro, pesquisador universitário e escritor. Membro da Academia Santista de Letras