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Comércio exterior com novo governo preocupa Pernambuco

“O Mercosul não será prioridade”; “Vamos mudar a embaixada para Jerusalém”; “Você vai deixar o Brasil na mão do chinês?”. As declarações polêmicas dadas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e membros de sua futura equipe têm gerado receio quanto ao futuro do comércio exterior brasileiro. Para Pernambuco, há preocupação especial quanto à importância dada ao bloco sul-americano, já que hoje a Argentina, sozinha, é destino de quase 37% do que o Estado exporta diretamente. É de lá também que vêm insumos importantes, como o milho e o trigo. Na visão de alguns especialistas, no entanto, o novo governo pode vir a privilegiar relações bilaterais, em vez dos blocos

Existente há muitos anos, a troca comercial entre Pernambuco e Argentina foi fortalecida a partir da operação da fábrica do Grupo FCA/Jeep em Goiana, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Da produção de automóveis pernambucanos, cerca de 20% são exportados diretamente pelo Porto de Suape, tendo a Argentina como o principal destino da produção automobilística, seguida do Chile (país associado ao Mercosul) e da Colômbia.

De tão relevante, essas exportações tiveram efeito direto na balança comercial pernambucana no ano de 2017, com crescimento de 38,4% das exportações, volume recorde de US$ 1,9 bilhão, desbancando a Petrobras como a principal empresa exportadora. A transação é ainda mais importante diante do déficit da balança comercial do Estado.

“Temos uma relação muito importante com a Argentina através do Mercosul. Há o interesse, inclusive, de trazer para Suape uma estação aduaneira e centro de distribuição do Mercosul, em que a carga vinda de lá caria sob regime aduaneiro aqui, até ser distribuída”, diz o presidente do Porto de Suape, Carlos Vilar. Pernambuco tem hoje a quarta maior produção de ovos do Brasil e a primeira do Nordeste. E, graças ao Mercosul, o setor conseguiu se consolidar mesmo diante de crises de abastecimento do mercado brasileiro. É que o principal insumo do ramo é o milho e o farelo de milho, que precisam ser totalmente trazidos de outros Estados. Quando o produto nacional ca caro e o dólar facilita, é de dentro do bloco econômico que vem o alimento das aves. “No segundo semestre de 2016 trouxemos dois navios por mês com 30 mil toneladas de milho do Mercosul. Com a destinação do milho brasileiro para exportação, cou mais barato trazer por navio”, afirma o presidente da Associação Avícola de Pernambuco (Avipe), Giuliano Malta.

“Se o Mercosul não for priorizado, será ruim porque algumas oportunidades, as janelas comerciais que acontecem, poderiam acabar.”

Já o presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool em Pernambuco (Sindaçúcar-PE), Renato Cunha, vê um ganho indireto para Pernambuco a partir do fortalecimento das relações internas do bloco. Para cumprir acordos climáticos mundiais, Argentina e Uruguai estão aumentando os percentuais de mistura de etanol à gasolina, hoje bem abaixo dos 27% estabelecidos pelo Brasil. “Isso vai demandar uma maior importação de etanol por esses países, que devem ser atendidos por Estados geogracamente mais próximos. Mas, por outro lado, Pernambuco se beneciaria com o espaço deixado no mercado brasileiro”, destaca Cunha.

BILATERAL

Apesar do receio inicial causado pela fala do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o Mercosul, alguns economistas entendem que, na verdade, a declaração indica que o próximo governo dará andamento a relações comerciais independentemente do bloco. “Acho que se trata de priorizar negociações bilaterais, em que você consegue simplificar a tomada de decisões, sem precisar submeter a um bloco. E Pernambuco precisa ter mercados para aproveitar isso”, analisa o professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Ecio Costa. Para o advogado especialista em comércio exterior Luciano Bushatsky, o setor deve ser beneficiado pelo superministério da Economia, que irá unir as atuais pastas da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio.

“Hoje o comércio exterior é prejudicado por estar submetido a vários órgãos com líderes autônomos. Com a unificação, estarão todos sob a mesma coordenação, o que deve dar mais celeridade às negociações.”

OUTROS PAÍSES

O Mercosul pode ter sido o alvo da declaração mais cheia de emoção por parte do novo governo, mas não foi a única que trouxe preocupação e desconforto a empresários de dentro e de fora do Brasil. As consequências mais imediatas foram sentidas nesta semana, quando o Egito cancelou uma visita brasileira ao País depois de Bolsonaro armar que iria transferir a embaixada brasileira em Israel de Telavive para Jerusalém. Anualmente são exportados ao Oriente Médio e Turquia cerca de US$ 16 bilhões, mercado ameaçado por um possível afastamento dos palestinos causando reações em todo o mundo árabe.

O Brasil é atualmente o maior produtor de carne halal – produzida de acordo com os preceitos muçulmanos –, o que fez com que gigantes como a JBS e a BRF apostassem forte nos produtos. A declaração de Jair Bolsonaro manteve o tom de sua campanha eleitoral de reprodução do posicionamento dos Estados Unidos e demonstração de interesse em relação aos israelenses.

“Acho que o próximo governo precisa denir logo bons nomes para as relações exteriores para assessorar bem o presidente eleito. Precisamos ter em mente que não somos os Estados Unidos e nem ele é Donald Trump”, avalia o sócio da consultoria Ceplan Jorge Jatobá. Outro país que está observando os passos do próximo governo é a China, segunda maior economia do mundo. Em fevereiro, o futuro presidente fez uma visita a Taiwan, que ainda não é considerada independente pelos chineses, mas sim uma província dissidente. Em uma declaração delicada para as relações internacionais, durante a campanha presidencial, Jair Bolsonaro demonstrou não ter interesse na participação de chineses em possíveis privatizações e que o país estaria “comprando o Brasil”.

“O governo tem inúmeras obras inacabadas pelo País e não tem dinheiro para tocar essas obras. A China já demonstrou interesse em várias delas, a exemplo da ferrovia Transnordestina. Ter o país como parceiro para PPPs (Parcerias Público-Privadas) seria importante”, analisa o professor de economia da UFPE Ecio Costa.

Fonte: Jornal do Comércio

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