Com apostas em etanol, usinas do Brasil ampliam investimentos em produção
As usinas brasileiras estão aumentando a capacidade de produção de etanol diante dos preços mundiais deprimidos do açúcar e das políticas governamentais que devem impulsionar a demanda pelo biocombustível no país.
Uma mudança para o etanol na safra de 2018/19 reduziu a produção de açúcar do Brasil em 9 milhões de toneladas, para uma mínima em 12 anos, e mais alocação de cana para o biocombustível na próxima temporada poderia ajudar a acabar com um superávit global que pesa sobre os preços do adoçante.
O Brasil também pode perder seu posto de maior produtor de açúcar do mundo para a Índia pela primeira vez em 16 anos, de acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA.
Para as processadoras de cana brasileiras, a mudança para etanol provou ser um “trade-off” atraente, já que o foco maior no biocombustível parcialmente protegeu as usinas de uma queda nos preços globais do açúcar em setembro para o menor nível desde 2008.
Executivos das grandes empresas brasileiras de açúcar Biosev e Usina Coruripe, bem como de pequenas produtoras como Usina Batatais e Usina Cerradão, disseram à Reuters que agora estão investindo em mais capacidade de etanol antes da próxima temporada.
A Biosev, por exemplo, a segunda maior processadora de cana do Brasil, disse que instalou colunas de destilação em duas usinas do Mato Grosso do Sul para dar às unidades a opção de usar 90 por cento da cana para o álcool, um incremento de 50 por cento.
Em outro sinal de que a indústria está fazendo uma aposta de longo prazo no etanol, em linha com a política brasileira de biocombustíveis, a JW, uma das principais fabricantes de equipamentos para etanol, disse à Reuters que contratou 200 pessoas para lidar com um aumento nos pedidos.
O Brasil lançou pela primeira vez políticas para usar mais biocombustíveis em 1975, depois que o embargo de oferta da Opep elevou os preços do petróleo. Os chamados carros flex, que funcionam com etanol puro ou uma mistura de gasolina e etanol, agora compõem 80 por cento da frota de veículos leves do Brasil.
Em um novo impulso, o governo aprovou o RenovaBio, que obriga os distribuidores de combustíveis a aumentar gradualmente a quantidade de biocombustíveis que eles vendem a partir de 2020.
O Ministério de Minas e Energia do Brasil espera que o RenovaBio empurre a demanda para 47,1 bilhões de litros em 2028, de 26,7 bilhões em 2018, ajudando a indústria brasileira de etanol a se recuperar de anos de competição desleal com preços subsidiados da gasolina.
“Os investimentos só são feitos a longo prazo”, disse Plinio Nastari, presidente da consultoria Datagro. “Parte desses investimentos está sendo feita por causa do estabelecimento dessas metas.”
APOSTAS NO ETANOL
O mercado global também pode oferecer oportunidades para produtores brasileiros de etanol, à medida que os países buscam maneiras de reduzir sua pegada de carbono, incluindo a China, que está lançando o uso de etanol em combustível em todo o país até 2020.
Nesta temporada, as usinas brasileiras destinaram 64 por cento da oferta de cana para o etanol, já que as vendas domésticas aumentaram em cerca de 40 por cento devido aos altos preços da gasolina no Brasil, o quarto maior consumidor mundial de combustível para transporte.
Muitas usinas já podem produzir açúcar ou etanol, com alguma flexibilidade no mix. As empresas que investem em colunas de destilação esperam que as reconfigurações lhes deem espaço para produzir ainda mais etanol se os preços continuarem atrativos.
Além da Biosev, controlada pelo trading de commodities Louis Dreyfus, a Usina Coruripe, uma das dez maiores processadoras brasileiras de cana, disse que planeja investir cerca de 300 milhões de reais para esmagar mais cana e aumentar sua capacidade de produção de etanol.
“Nosso mix ainda é muito alto em açúcar devido à configuração das usinas, mas estamos tentando mudar isso”, disse o presidente-executivo, Mario Lorencatto, à Reuters.
A Usina Batatais, empresa que pode moer 7 milhões de toneladas de cana por safra em suas duas usinas, disse que as mudanças feitas na última temporada em uma de suas fábricas no Estado de São Paulo significaram que ela poderá destinar até 80 por cento ao etanol.
“Quase dobramos a produção de etanol hidratado do ano passado para este”, disse à Reuters Luiz Gustavo Junqueira, gerente de inovação da Usina Batatais.
Embora os investimentos variem, uma usina de médio porte pode gastar cerca de 20 milhões de reais para adicionar uma coluna de destilação que aumenta a produção de etanol em 40 milhões de litros, disse Willian Hernandes, sócio da consultoria financeira FG/A, que ajuda as usinas a levantar capital.
Hernandes disse que três empresas podem começar a expandir sua capacidade a partir deste mês, antes da próxima safra de cana-de-açúcar, em abril.
As usinas também estão investindo em tanques de armazenamento para que possam manter o etanol e vendê-lo quando os preços estiverem mais altos, disse Alexandre Figliolino, que trabalhou no Itaú BBA e agora assessora empresas de açúcar e etanol.
AÇÚCAR EM BAIXA
A dramática mudança do Brasil para o etanol nesta safra cortou sua produção de açúcar em 20 por cento e, se o etanol continuar atraente na próxima temporada, as usinas poderão destinar mais cana para o biocombustível.
“Com todos os planos de que ouvimos falar, as usinas provavelmente poderiam tirar mais 2 milhões de toneladas de açúcar do mercado na próxima temporada”, disse Hernandes.
O Departamento de Agricultura dos EUA e a Organização Internacional do Açúcar esperam que a Índia supere o Brasil em 2018/19 como o maior produtor mundial de açúcar.
O apelo do etanol sobre o açúcar é influenciado por vários fatores, incluindo os preços da gasolina e da moeda brasileira, por isso ainda é incerto o quanto de cana irá para o etanol em 2019/20.
“Sem o RenovaBio ainda, eu diria que estamos olhando para a mesma situação”, disse Eder Vieito, analista sênior de commodities da Green Pool. “Se o mundo precisar de açúcar, os preços do açúcar passarão a um nível de preços que o etanol não pode igualar —sem perder demanda significativa para a gasolina.”
Um enfraquecimento do real e do petróleo arrastou o preço ao qual o açúcar está ao par com o etanol para pouco mais de 13 centavos de dólar por libra-peso, estimam analistas. Mas isso ainda está acima dos preços do açúcar.
“Os preços ainda estão enviando aos produtores o sinal para manterem um forte foco no etanol no próximo ano”, disse Nastari, da Datagro.
PEGADA DE CARBONO
No entanto, os estoques decrescentes de açúcar no Brasil têm suportado os preços domésticos, o que poderia estimular um aumento de curto prazo na produção.
Também não está claro se o presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, manterá a política de alinhar os preços domésticos dos combustíveis com os preços globais. Embora tenha melhorado a competitividade do etanol ao remover os limites de preço da gasolina, o aumento das cotações na bomba irritou muitos brasileiros.
O açúcar também tem um apelo para as usinas porque os produtores podem cobrir os retornos com contratos futuros —um mecanismo que ainda não existe para o mercado doméstico de etanol, disse John Stansfield, analista e trader do Grupo Sopex.
Fora do Brasil, o mercado de etanol deve se expandir também graças às políticas destinadas a reduzir as emissões. A consultoria em etanol e açúcar F.O. Licht espera que a demanda global aumente pelo menos 2 por cento ao ano na próxima década.
E embora o etanol brasileiro muitas vezes não possa competir com a oferta de baixo custo dos EUA, o etanol de cana-de-açúcar do Brasil tem uma pegada de carbono menor que pode atrair os governos que se esforçam para cumprir os compromissos do acordo climático de Paris.
A Colômbia, por exemplo, é um dos vários países que estão mudando as políticas de biocombustíveis para priorizar o uso de variedades com menor pegada de carbono. O etanol brasileiro começou a chegar ao Estado norte-americano da Califórnia este ano porque os distribuidores de combustível podem ganhar mais créditos sob o esquema de descarbonização do Estado.
“Em comparação com os biocombustíveis locais, como o etanol de milho, o etanol de cana do Brasil tem uma pegada de carbono muito menor”, disse o diretor da F.O. Licht, Christoph Berg. “É, portanto, um combustível relativamente atraente”.
As altas tarifas ainda representam uma barreira em muitos países, incluindo a China, onde o etanol brasileiro está sujeito a uma taxa de 30 por cento, embora analistas afirmem que as tensões comerciais entre Washington e Pequim possam fornecer uma oportunidade.
“No momento, não parece que a China reduziria a tarifa de importação do etanol brasileiro”, disse Berg. “Mas ele pode ser competitivo se tal tarifa for removida.”
Fonte: Reuters