Burocracia atrapalha empresas no setor de infraestrutura
Infraestrutura é um setor tão complexo que envolve áreas essenciais para o desenvolvimento do país, dos vários modais de transporte — aéreo, rodoviário, ferroviário e aquaviário — a energia, telecomunicações e petróleo e gás. Todas com gargalos históricos e muitos desafios. Para os agentes desses segmentos, a expectativa é de que o novo governo dê continuidade ao que foi estabelecido pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e resolva os principais entraves para a expansão dos investimentos privados.
O país não pode esperar pelo ajuste fiscal para voltar a investir em infraestrutura, por conta dos gargalos existentes em todos os setores, diz o pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGVCeri), Edson Gonçalves. “A crise fiscal é muito grave. Temos que andar em paralelo e atrair capital privado, mas isso só vai ocorrer se melhorar a regulação e o compartilhamento de risco”, afirma. “Nas concessões de transportes, é preciso modelar os projetos com uma projeção de demanda realista. Se for superestimada, pode levar à renegociação, devolução de ativos e elevação de tarifas por reequilíbrio econômico-financeiro, que foi o que vimos nos últimos anos”, alerta.
Para o setor ferroviário, o grande desafio é depurar quais programas estão funcionando, portanto, devem ter continuidade, e quais merecem reparos, ressalta o presidente da Associação Brasileira de Transportes Ferroviários (ANTF), Fernando Paes. “O PPI vem dando certo. Então, a escolha do Tarcísio Gomes de Freitas como ministro da Infraestrutura vai ao encontro dos nossos anseios, que é manter o programa das renovações, que já está bastante avançado”, afirma.
Prorrogação
Cinco concessionárias de ferrovias foram qualificadas pelo PPI para terem suas concessões prorrogadas antecipadamente. “Nossa expectativa é que o novo governo mantenha esse programa com afinco e possa incluir outras ferrovias. A antecipação da Malha Paulista já ocorreu no TCU (Tribunal de Contas da União). Na sequência, teremos as duas ferrovias da Vale, depois, a MRS e a Ferrovia Centro-Atlântica”, enumera.
Do ponto de vista de projetos greenfield (aqueles que partem do zero), há o leilão já marcado da Ferrovia Norte-Sul (FNS). “Esperamos que a Valec consiga concluir os lotes que ainda faltam para conectar à malha paulista. Uma coisa depende da outra. A FNS vai depender do aumento da capacidade das malhas obtido pela renovação”, explica. Do ponto de vista regulatório, a aposta é que o novo governo tenha uma regulação mais leve, mais orientada por resultados. “Uma regulação mais racional e inteligente e menos onerosa é necessária para resolver gargalos na aprovação de projetos. Assim o setor privado gastará menos recursos desnecessários e mais para a melhoria do transporte”, opina Paes.
O presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR), César Borges, está otimista por conta dos nomes que estão sendo indicados para o setor de infraestrutura. “O Tarcísio de Freitas tem profundo conhecimento dos problemas e conhece as soluções. Isso sugere que vamos avançar e resolver os passivos”, assinala. O desafio, segundo ele, é a nova equipe fazer um amplo e bom programa de concessão de rodovias. “A União precisa de parcerias com o setor privado, porque não há recursos nem para manutenção”, ressalta.
Borges destaca o programa definido pelo PPI, com a Empresa de Planejamento e Logística, que estabelece a concessão de 12 trechos rodoviários de 5,8 mil quilômetros de extensão, que estão no Plano Nacional de Logística (veja quadro abaixo). “São os mais urgentes e já têm estudo de viabilidade técnico-econômica. Já passaram por audiências e estão com vários estágios de modelagens até chegar ao leilão. Por enquanto, só saiu o da RIS (Rodovia de Integração do Sul), mas a participação de cinco empresas mostrou que há interesse”, argumenta.
“O novo governo tem de fazer um cronograma e conceder os 12 trechos nos próximos quatro anos”, sugere Borges. Para ele, o ambiente regulatório precisa ser estável.
Portos
Para ter maior competitividade e menor custo logístico, o setor de portos privados também cobra ajustes da regulação e desburocratização como prioridades do próximo governo. O diretor-presidente da Associação de Terminais Portuários Privados (ATP), Murillo Barbosa, afirma que o setor sofre com as carências da matriz logística, refletidas no alto custo do transporte da produção, majoritariamente rodoviário, afetando a dinâmica econômica e a oscilação do custo-Brasil. “Enquanto, de um lado, temos empresas privadas que investem seu capital, enfrentando riscos, para prestar serviços ao Brasil, com eficiência e modernização, de outro, a oferta precária de infraestrutura compromete a lógica de distribuição do produto brasileiro e prejudica a dinâmica econômica”, avalia.
A ATP sugere um modelo de logística de transporte integrada, com origens e destinos que conectem áreas de produção e polos industriais aos terminais portuários, com o uso da multimodalidade e ampliação da cabotagem. O grupo defende, ainda, a supressão de regulações ineficientes, para que a livre iniciativa e a concorrência sejam valorizadas, e reivindica a adequação do regime jurídico à realidade dos Terminais de Uso Privados (TUPs), para que os empreendedores tenham mais segurança jurídica para investir.
Para atender aos desafios do setor aéreo, explica Eduardo Sanovicz, presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), o novo governo deve trabalhar para que a cadeia produtiva seja mais eficaz. “É um setor com muita participação estatal. Temos a Infraero, Anac, Anvisa, Polícia Federal, Receita Federal, estrutura militar de controle do espaço aéreo. Mas também envolve iniciativa privada a partir da concessão de aeroportos”, elenca.
Para o transporte aéreo, a Abear tem três focos: cadeia eficaz, liberdade tarifária e ambiente regulatório em condições de igualdade com o mundial. “O preço da querosene de aviação bateu recorde de série histórica, de 18 anos, o mais caro desde que o primeiro avião decolou. Hoje é 30% do custo do setor, que precisa de atuação na precificação e na tributação”, diz.
Nova etapa
Concessões rodoviárias de 2019 a 2021
» Rodovia Extensão (em km)
» BR 101- SC 220
» BR-381/262/MG/ES 672
» BR 153/GO/TO 850,7
» BR 116/493/RJ 711
» BR 116/RJ/SP (Dutra) 691
» BR 040/MG/RJ 211
» BR 163/PA/MT 976
» BR 476/153/282/480/PR/SC 401
» BR 364/365/GO/MG 445
» BR 470/SC 455
» BR 235/SE 54
» BR 393/RJ 200
Total 5.886,7
Setor elétrico na Justiça
Com muitos problemas e uma judicialização que resultou em passivos bilionários, o setor elétrico exigirá do novo governo muito trabalho. O emaranhado de entraves é tanto que a Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria (Sefel) do Ministério da Fazenda divulgou um relatório no qual apresenta diagnósticos e propostas para o novo governo. Sugere, entre outras coisas, a rediscussão dos subsídios que inflam as tarifas de energia e mudanças na gestão do risco hidrológico (GSF) e no Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), responsáveis por uma inadimplência de R$ 8 bilhões.
Para Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc Energia, o maior desafio é adequar a oferta à demanda. “É preciso uma programação para expansão da geração e da transmissão, com base na análise futura de mercado. Havia uma visão muito otimista lá em 2010 e 2012, quando o país crescia 4% ao ano. Isso não se verificou, houve sobra e hoje os leilões estão espelhando o contexto de uma necessidade muito inferior à média de necessidade de novos empreendimentos”, explica.
Segundo ele, houve aumento de capacidade instalada e o consumo ficou estagnado por conta da crise econômica. “Os principais geradores se voltaram para o mercado livre. Mas o planejamento sempre foi feito em função do mercado regulado”, diz. A privatização da Eletrobras também vai ser um teste para o novo governo na correlação de forças com o Congresso.
Pré-sal segue travado
Sentado em cima de uma mega-reserva de petróleo e gás, o Brasil precisa destravar os investimentos e as questões regulatórias para conseguir explorar o pré-sal recursos antes que seja tarde demais. Os combustíveis fósseis devem perder o protagonismo à medida que fontes limpas e sustentáveis ganharem espaço na matriz energética mundial.
Para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires, o maior desafio do novo governo será o megaleilão da cessão onerosa. “Isso passa pelo Legislativo, que precisa aprovar uma lei que dê força para que o leilão ocorra”, diz. O especialista também considera fundamental discutir se o modelo da partilha faz sentido para o Brasil. “Talvez seja melhor voltar ao modelo de concessão ou deixar que o governo possa escolher qual modelo usar”, opina.
No polígono do pré-sal, é obrigatório o modelo de partilha, que é menos atrativo. “Se quiser tirar o petróleo do pré-sal, o Brasil tem de criar um arcabouço regulatório para atrair o máximo de investimentos possível, porque o petróleo está com dias contados. E o setor tem muito potencial de atrair investimentos e gerar emprego, renda e royalties”, ressalta. Para a Petrobras, o desafio será vender refinarias e a BR distribuidora.
O almirante Bento Costa Lima de Albuquerque Júnior, futuro ministro de Minas e Energia, já afirmou que o calendário de leilões de áreas de exploração de petróleo e gás anunciado pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) será mantido.
Lei da telefonia está defasada
Se não for aprovado ainda este ano, o projeto de lei que prevê a modernização da Lei Geral de Telecomunicações deve ser a principal prioridade do novo governo. A lei do setor ainda é de 1997. O futuro ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, já mostrou disposição de defender a reforma do modelo no início do governo Bolsonaro, caso a mudança não aconteça ainda este ano.
Apesar de tudo, as empresas da área estão otimistas. O presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular (Sinditelebrasil), Eduardo Levy, diz que as companhias estão investindo. “Vamos ver se conseguimos emplacar a modernização do marco legal. O país precisa ser digital para dar um salto de competitividade. Já temos uma base sólida: hoje 100% do Imposto de Renda é feito pela internet, as eleições são informatizadas, existem bancos de dados robustos da Dataprev, Serpro e TSE (Tribunal Superior Eleitoral)”, afirma.
Os desafios do setor passam pela implementação da Lei das Antenas e pela garantia do direito de passagem em bens públicos para instalação de infraestrutura, que hoje só vale para áreas urbanas. “As empresas pagam por quilômetro, por isso é difícil chegar aos locais mais distantes”, explicou.
Outro entrave para a expansão dos serviços das telecomunicações é a alta carga tributária. O Brasil tem a maior carga tributária do mundo sobre os serviços de banda larga fixa e móvel, segundo estudo do “Measuring the Information Society Report”, divulgado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT). Conforme o levantamento, a tributação no país chega a 40%, enquanto que a média mundial é de 16%. O estudo levantou o cenário tributário em 162 países.
O impacto é negativo para o consumidor. Os usuários dos serviços de telecomunicações recolhem anualmente cerca de R$ 60 bilhões em tributos, o que representa o pagamento de R$ 7 milhões por hora em impostos e taxas. Só de fundos setoriais, em 2017, foram recolhidos cerca de R$ 5 bilhões, e apenas 8% foram utilizados em benefício dos brasileiros.
Fonte: Correio Braziliense