Brasil pode ter eólica no mar em até cinco anos, diz Neoenergia
Em menos de cinco anos, o Brasil poderá ter as primeiras usinas de geração de energia eólica em alto-mar (offshore), previu ontem o presidente da Neoenergia, Mário Ruiz-Tagle. Ele acredita que os projetos podem ser acelerados pelas oportunidades que se abriram para a transição energética depois da eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia. O conflito tende a estimular a busca por diversificação de fontes de energia e, nesse cenário, o Brasil passou a ocupar uma posição estratégica para a Europa, o que pode atrair novos investimentos para fontes renováveis no país.
“A experiência que estamos vivendo na Europa está trazendo a importância da não-dependência energética, não apenas a não-dependência de outro país, mas também a não-dependência de uma fonte de geração”, disse.
O executivo participou ontem, no Rio, da assinatura de empréstimo com o Banco Europeu de Investimento (BEI) no valor de € 200 milhões (cerca de R$ 1,1 bilhão) para financiar a construção de dois projetos de energia eólica terrestre e um de geração solar no Nordeste do Brasil, que já estão em desenvolvimento.
O financiamento será direcionado ao parque solar de Luzia (PB), de 100 megawatts (MW) de capacidade, além do parque eólico de Oitis (PI/BA), de 566,5 MW. Ambos estão em construção e devem entrar em operação este ano. Parte do valor também será destinado ao complexo eólico Chafariz (PB), de 471,2 MW que iniciou operações parciais em julho de 2021.
Brasil tem menores os custos para hidrogênio verde, junto com Chile e Austrália, de acordo com CEO da Neoenergia
A Neoenergia, controlada do grupo espanhol Iberdrola, atua no Brasil na distribuição, comercialização, transmissão e geração de energia. A empresa controla cinco distribuidoras, com mais de 15 milhões de clientes e, em 2021, teve receita de R$ 41,4 bilhões. O interesse em eólicas offshore está relacionado à busca pela diversificação do portfólio, que hoje tem 4 GW em geração das fontes termelétrica, solar e eólica terrestre.
O grupo está conduzindo estudos de medição de vento para avaliar a viabilidade de desenvolver projetos eólicos na costa do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Ceará. Segundo Ruiz-Tagle, as discussões para o estabelecimento de regulações para a eólica offshore no Brasil estão ocorrendo de maneira acelerada em relação a outras fontes. “Estou muito confiante de que isso vai ser acelerado. O fato de ter uma indústria de óleo e gás desenvolvida no Brasil ajuda muito na logística desses projetos”, afirmou.
As eólicas offshore são consideradas importante fonte de energia elétrica para produção do hidrogênio verde, combustível apontado como uma das fontes para reduzir emissões no setor de transportes e que também é uma aposta da Neoenergia. A empresa tem um acordo com o Estado do Ceará para desenvolver projetos de hidrogênio verde e negocia parcerias também com os Estados do Rio Grande do Sul e Bahia.
A companhia conduz um projeto-piloto de hidrogênio verde na Termopernambuco (PE), usina termelétrica que opera. “[A eólica offshore] não é uma das energias mais baratas que vamos encontrar no Brasil, mas esse é uma das energias que é o caminho para o hidrogênio verde, que vai ser um combustível altamente demandado. No mapa mundial, o Brasil tem os menores custos de produção do hidrogênio verde, junto com Chile e Austrália”, disse Ruiz-Tagle.
Também presente ao evento, o vice-presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI), o português Ricardo Mourinho, afirmou que o Brasil tem potencial para se tornar um grande exportador e produtor de hidrogênio verde. Na primeira visita que fez ao Brasil no cargo, ele destacou o potencial de colaboração entre Brasil e Europa, especialmente nesse momento de conflito. “Temos que olhar para a guerra para saber como construir um mundo mais sustentável e resiliente, em que cada um dos países não esteja tão dependente de um único país. O Brasil é uma economia com uma dimensão de recursos gigantescos, tanto recursos naturais quanto humanos. O Brasil é uma fonte imensa de produção de energia renovável” destacou.
Durante a viagem, o executivo esteve em Brasília, onde se encontrou com representantes do Ministério da Economia, Banco Central e Fórum Amazônia. No Rio, também esteve com representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo ele, isso demonstra a aposta do banco na parceria com o país.
O BEI tem destinado cerca de 800 milhões de euros por ano, em média, à América Latina, dos quais cerca de 40% vieram para o Brasil. Nos últimos dez anos, o banco financiou 44 projetos no país. Ainda não há, entretanto, um valor previsto para este ano. O montante destinado a cada país, explica Mourinho, depende dos projetos disponíveis. “Definimos a estratégia para ação fora da Europa e então procuramos os projetos que geram mais impacto. Avaliamos a sustentabilidade técnica e econômica de cada projeto e depois os impactos na dimensão social, climática e de contribuição para um mundo mais resiliente”, afirmou.
Ele descartou, entretanto aportes em projetos de petróleo e gás. O BEI deixou de financiar combustíveis fósseis em 2019. “Nem a pandemia, nem a guerra nos levam a pensar que se deva retomar. A guerra cria a necessidade de substituir, buscar recursos para fazer uma transição mais rápida”, disse.
Apesar do potencial para atração de investimentos em energias renováveis no Brasil, o presidente da Neoenergia lembrou que o conflito também afeta a cadeia de suprimentos, o que pode levar a uma revisão em novos projetos. “Estamos acelerando o processo [de transição energética]. Mas temos que olhar com muita atenção para os efeitos que esse fenômeno pode ter na América Latina do ponto de vista do fornecimento de matérias-primas. O custo está crescendo e isso tem um impacto no desenvolvimento das renováveis”, afirmou.
Ruiz-Tagle disse que o Brasil viveu uma crise hídrica em 2021, que ressaltou a importância das fontes renováveis e da diversificação da matriz. Ele disse que o empréstimo de R$ 10,5 bilhões aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para equalizar o caixa das distribuidoras pelos custos na crise vai garantir segurança jurídica. “As distribuidoras vão receber os recursos para fazer pagamentos à cadeia do setor elétrico. Uma cadeia de pagamentos segura vai garantir investimentos para o futuro”.
Fonte: Valor