Argentina amplia barreiras e dificulta exportações do RS
Exportadores do Rio Grande do Sul acenderam alerta, no início do ano, com a formação de possíveis barreiras a vendas para a Argentina. O temor cresceu na semana passada com o anúncio de medidas que tendem a aumentar a burocracia na hora de fechar negócios com o mercado vizinho.
As ações incluem a redução no prazo de licenças e a necessidade de autorizações prévias. Para empresários do Estado, a situação reforça o maior grau de protecionismo do governo Alberto Fernández, que assumiu o poder em meio à crise na economia local.
Um dos setores afetados é o calçadista, aponta a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), sediada em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. Na semana passada, o governo argentino encurtou de 180 para 90 dias a validade de licenças para importação das mercadorias. Ou seja, diminuiu o intervalo que compreende desde a realização de encomendas até a entrega dos produtos.
– A alteração é uma medida protecionista. É legal, não infringe acordos internacionais, mas representa um complicador a mais para os negócios. Se houver qualquer problema durante a fabricação ou transporte dos produtos, as licenças podem caducar. O prazo ficou menor – diz o presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira.
O Rio Grande do Sul é o maior exportador do segmento no país. Em 2019, as vendas de calçados brasileiros para a Argentina caíram 24,7% em receita. No período, os embarques somaram US$ 105,2 milhões, segundo a Abicalçados.
A Câmara Empresarial Argentino-Brasileira do Rio Grande do Sul (Ceab-RS) ressalta que o governo Fernández também aumentou a lista de setores que necessitam pedir licença prévia para vender ao mercado vizinho. Secretário-geral da entidade, Leandro Cezimbra relata que os segmentos de veículos, máquinas mecânicas e plásticos estão entre os afetados.
– Não havia antes a necessidade de fazer o licenciamento prévio. Agora, as empresas terão de passar por essa etapa – diz. – Estamos vendo as medidas protecionistas com bastante apreensão. Tudo leva a crer que o governo argentino está buscando segurar as importações para tentar incentivar a indústria local – acrescenta Cezimbra.
Queda de 36,3%
A penúria vivida pela Argentina encolheu as exportações gaúchas. Em 2019, os embarques para o país vizinho despencaram 36,3%, para US$ 933 milhões. Os dados foram divulgados nesta segunda-feira (13) pela Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs).
“A crise da Argentina vem diminuindo as vendas, e ainda não encontramos nichos de substituição desse mercado”, comentou, em nota, o presidente da Fiergs, Gilberto Porcello Petry.
Nos últimos meses, Fernández e Jair Bolsonaro se envolveram em polêmicas. Em dezembro, o presidente brasileiro não compareceu à posse do peronista e enviou à cerimônia o vice-presidente Hamilton Mourão. As divergências não ficaram reclusas à área política e provocaram preocupação entre industriais.
Ao mesmo tempo em que tenta renegociar a dívida externa da Argentina, Fernández encara as dificuldades do mercado interno. A inflação, que rompeu a barreira dos 50%, assusta consumidores, e o Produto Interno Bruto deve cair em torno de 3% em 2019 – o resultado oficial ainda não é conhecido.
Entenda a crise vizinha
A Argentina sofre desde 2018 com turbulências no cenário internacional. Com a projeção de alta no juro americano em velocidade acima da esperada, os Estados Unidos passaram a ser vistos como porto ainda mais seguro para investidores. Assim, mercados emergentes como o argentino, onde há riscos mais elevados, foram atingidos pela fuga de recursos.
Por trás da crise, está o baixo nível de reservas internacionais, calculadas em dólares, que servem de espécie de colchão de segurança contra choques financeiros. Enquanto o Brasil tem US$ 356,6 bilhões, a Argentina reúne US$ 46,2 bilhões, indicam os dados mais recentes à disposição.
Projeções indicam queda de cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país vizinho em 2019 – o resultado ainda não foi confirmado. Um dos reflexos das dificuldades é a disparada da inflação, que superou a marca de 50% em 12 meses.
Eleito em 2015 com discurso em defesa do ideário liberal na economia, Mauricio Macri viu sua imagem abalada pela penúria econômica. Em abril de 2019, meses antes das eleições, o presidente recorreu ao congelamento de preços de produtos como arroz, farinha e açúcar, além de manter inalteradas tarifas de serviços públicos.
Depois de assumir o poder em dezembro, Alberto Fernández tem de encarar a renegociação da dívida, tanto com o Fundo Monetário Internacional (FMI) quanto com donos de títulos. No total, a dívida externa passa de US$ 315 bilhões, quase 100% do PIB local.
Fonte: Zero Hora