Home | Jornal Multimodal | Abertura comercial defendida por Guedes terá ensaio em dezembro

Abertura comercial defendida por Guedes terá ensaio em dezembro

No apagar das luzes, o governo Michel Temer pretende baixar as tarifas de importação para 57 produtos químicos, em sintonia com o discurso de abertura comercial defendido pelo economista Paulo Guedes e seus auxiliares. A medida deverá ser tomada em conjunto com os demais países do Mercosul, em dezembro, durante a cúpula presidencial do bloco. Esses itens teriam suas alíquotas da Tarifa Externa Comum (TEC), hoje entre 10% e 14%, reduzidas para apenas 2%.

São insumos utilizados por fabricantes de tintas e revestimentos, refrigerantes, cosméticos, sorvetes, e chocolates, entre outros. Praticamente não têm concorrentes nacionais ou no Mercosul. Em 2017, as importações brasileiras dos 57 produtos atingiram cerca de US$ 160 milhões.

Trata-se de um primeiro “ensaio” de liberalização comercial pelo bloco sulamericano. Mas, nesse caso, houve total alinhamento com o setor privado. A Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), em conjunto com suas congêneres da Argentina e do Uruguai, fez um levantamento sobre produtos passíveis de uma “limpeza da TEC” e encaminhou a proposta aos governos. “Foi fruto de um trabalho de um ano, de uma consulta profunda e detalhada”, diz Denise Naranjo, diretora de assuntos de comércio exterior da Abiquim.

Segundo fontes do governo Temer, resta apenas um aval do Paraguai à mudança nas alíquotas, o que deve ocorrer na cúpula de dezembro. A aposta é que, com o corte das tarifas, importadores poderão ter uma economia de custos e ganhar competitividade.

Paralelamente, uma segunda rodada de abertura na indústria química já começa a ganhar forma. Essa nova tentativa de reduções tarifárias tem origem na Argentina. O governo de Mauricio Macri propôs aos sócios do Mercosul a extensão do corte de alíquotas para mais 305 produtos.

Na quinta-feira, circular publicada pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) convocou interessados a se pronunciar sobre eventuais mudanças. Manifestações deverão ser enviadas em um prazo máximo de 30 dias. Só com base nas respostas o Brasil vai discutir no bloco se aceitaria ou não.

Nesse caso, entretanto, a reação da indústria brasileira foi ruim. Denise Naranjo, da Abiquim, afirma ter sido pega de surpresa e que a proposta é “gravíssima”. De acordo com ela, a Câmara Argentina da Química e Petroquímica também “desconhecia completamente a lista”.

A proposta prevê diminuir todas as alíquotas para 2%. A maioria está em 14%, mas há produtos que pagam tarifa de 4%, 8%, 10% ou 12% para entrar nos países do Mercosul. “Uma redução imediata, como essa, vai levar ao fechamento até de grandes empresas.”

A diretora da associação adverte que, ao diferentemente da lista inicial de 57 itens, a segunda tem grande quantidade de produtos com fabricação nacional. Entre os insumos com proposta de redução tarifária, estão inclusive alguns com direito antidumping em vigência no Brasil – sobretaxa contra as importações de fornecedores que adotam práticas desleais de comércio. Um deles é o ácido cítrico – usado na indústria de alimentos, bebidas, detergentes e antissépticos bucais – vendido por empresas chinesas.

O movimento de abertura unilateral, sem a necessidade de concessões de outros parceiros por meio de acordos bilaterais, é defendido por auxiliares do presidente eleito, Jair Bolsonaro, como forma de baixar preços internamente e melhorar a competitividade da economia brasileira.

Para fontes do governo Temer, a medida preparada agora pelo Mercosul deve ser vista apenas como uma “atualização” da TEC.

Sem falar especificamente sobre a medida no setor químico, o secretário de assuntos internacionais do Ministério da Fazenda, Marcello Estevão, voltou a defender uma redução unilateral das tarifas de importação. Para ele, o foco devem ser especialmente os bens de capital e de informática, que têm grande capacidade de “spill over” (transbordamento) para cadeias produtivas. “A nossa proposta [elaborada pela Fazenda] é gradual e prevê chegarmos à média global de 4% em 2021”, disse o secretário.

Na avaliação de Estevão, o Brasil ainda é uma economia tão fechada que haveria espaço suficiente para reduções tarifárias tanto em caráter unilateral como, depois, por negociações comerciais. “Além disso, os acordos de livre comércio hoje envolvem muito mais que tarifas: envolvem normas e questão não tarifárias.”

O secretário faz menção a um lema bastante difundido no regime militar, que usava a expressão “exportar é o que importa” como incentivo às empresas brasileiras. Para ele, abrir-se mais significa baratear a produção e gerar competitividade no âmbito doméstico, possibilitando inclusive mais vendas ao exterior. “Na verdade, importar é o que exporta”, disse Estevão. “Isso fortalece a indústria nacional.”

Fonte: Valor Econômico