Opinião

A praticagem e a falácia do preço

Está de volta à Câmara dos Deputados o projeto de lei de incentivo à cabotagem, BR do Mar. No Senado, foi acolhida emenda do senador Lucas Barreto (PSD/AP) que dá status legal à regulamentação infralegal da Marinha para a atividade de praticagem. A medida é de extrema importância. Ao inserir na Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário critérios de segurança da navegação presentes na NORMAM-12, da Diretoria de Portos e Costas, o BR do Mar empodera a Autoridade Marítima e evita a judicialização recorrente com questionamentos constantes ao seu poder discricionário.

Um dos alvos das empresas de transporte marítimo e dos terminais sob sua propriedade é a escala de atendimento de prático em rodízio, que obriga que o dono do navio a contratar o prático da vez, independentemente da empresa à qual ele pertença.

Os armadores argumentam que a escala impede a concorrência entre as empresas de praticagem, supostamente elevando o preço que pagam pelo serviço, com reflexos no frete para o dono da carga. Será mesmo?

Tenhamos como exemplo o Porto de Santos – maior da América Latina – e a exportação de soja – principal item da exportação do agronegócio. O Laboratório de Transportes e Logística da Universidade Federal de Santa Catarina (LabTrans) comparou este ano os preços praticados pelas praticagens em três portos com características similares a Santos, na Argentina e nos Estados Unidos. O valor encontrado no Brasil foi de R$ 0,66 por tonelada transportada, inferior aos demais. A participação do custo da praticagem no valor CRF (Custo e Frete) da soja exportada foi de 0,03%.

Na cabotagem, esses percentuais são ainda menores, já que os preços do serviço de praticagem são significativamente mais baixos do que os praticados no longo curso, principalmente no caso das cargas conteinerizadas, que têm valor agregado superior ao das commodities. Vale lembrar que esses preços são estabelecidos em acordos de longo prazo negociados com a praticagem e, mesmo quando há divergência entre as partes, a Marinha pode intervir como árbitro se houver risco à permanente disponibilidade do serviço. Por que então insistem na falácia do preço para pressionar congressistas e mudar a boa regulação do serviço?

Essa pressão acontece em maior ou menor grau no mundo inteiro e a resposta está no lucro, porque os principais custos de viagem – combustível e tripulação – o dono do navio não consegue controlar. Sobra a praticagem para aumentar a sua margem.

E os armadores não têm lucrado pouco. O frete que cobram é regulado pela demanda pelo comércio marítimo e deu um salto na pandemia após a retomada da economia mundial. Segundo analistas do mercado, o lucro das empresas que transportam contêineres deve atingir US$ 48 bilhões no terceiro trimestre, mais do que Facebook, Netflix, Amazon e Google juntos. Nada mal, não?

É por isso que tentam criar o mito de que a praticagem impacta no frete. Querem criar uma liberdade para que o usuário controle o serviço, quando em todos os países a atividade é submetida ao interesse público, apesar de ser paga pelos armadores.

O nosso cliente é o Estado brasileiro. Em cada operação de praticagem, estamos a bordo para bem conduzir o navio e proteger a sociedade. Além de mortes e prejuízos econômicos, um acidente com uma megaembarcação pode causar danos ambientais irreparáveis, derramando toneladas de combustível em mares e rios.

A escala de atendimento em rodízio tem o foco na segurança. Como o armador não escolhe quem vai atendê-lo, o prático tem autonomia para tomar sempre a decisão mais segura, imune a qualquer tipo de pressão comercial. Ao mesmo tempo, a escala assegura que o prático não trabalhe demais, a ponto de ficar fadigado, nem de menos, podendo perder experiência. É um padrão internacional utilizado no Brasil desde 1986 e nunca foi substituído nas normas da Marinha, que reafirmou a importância do seu emprego em portaria publicada em 30 de novembro. Adotá-la em lei ordinária – assim como como os limites para isenção de praticagem consagrados no mundo – robustece o papel da Autoridade Marítima na defesa do bem-estar dos brasileiros.

 

 

Fonte: Ricardo Falcão é presidente da Praticagem do Brasil e vice-presidente da Associação Internacional de Práticos Marítimos

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