Opinião

A excelência do Tribunal Marítimo e a sua importância nos processos judiciais

Não é segredo que a Cidade de Santos abriga o maior porto da América Latina. Em decorrência disso, são bastante comuns as discussões jurídicas que permeiam o Poder Judiciário local envolvendo o Direito Marítimo e Portuário, em suas diversas nuances. Embora a Comarca de Santos não tenha Varas especializadas na matéria, sequer em direito empresarial, como ocorre em outras localidades, os magistrados santistas apresentam elogiável expertise na solução dos conflitos, fruto de esforço e estudo constantes.

Em paralelo, muitas dessas mesmas demandas são julgadas também pelo Tribunal Marítimo. Com sede no Rio de Janeiro, o Tribunal Marítimo é um órgão autônomo, administrativo, vinculado ao Ministério da Marinha, com jurisdição em todo o território nacional, conforme dispõe a Lei 2.180, de 5 de fevereiro de 1954, da era Getúlio Vargas. Sua composição é de excelência. Denominados igualmente juízes, todos os sete integrantes têm formação de ponta e conhecimento técnico de sobra, muitos com históricos de carreiras na Marinha do Brasil ou qualificação em Direito Marítimo e Internacional, o que contribui, inquestionavelmente, para julgamentos extremamente especializados. A galeria de seus componentes é verdadeiramente ilustre e nela destacam-se duas incríveis mulheres, Vera Lúcia de Souza Coutinho e Maria Cristina de Oliveira Padilha, esta última atuante até os dias de hoje.

Cabe ao Tribunal Marítimo, dentre outras atribuições previstas na lei, julgar os acidentes e fatos da navegação, definindo a natureza e determinando as causas, circunstâncias e extensão, indicando os responsáveis a fim de aplicar as penas estabelecidas nesta Lei 2.180/54, como multa e suspensão do tráfego marítimo, além de propor as medidas preventivas e de segurança da navegação.

Nesse propósito, prestigiando as garantias constitucionais do processo judicial, como contraditório e ampla defesa, os julgamentos do Tribunal Marítimo devem também ser fundamentados, e o são com maestria. Não é a toa que as decisões do TM, quanto aos acidentes e fatos da navegação, têm, como não poderia deixar de ser, significativo valor probatório. Por tudo isso, o Tribunal Marítimo se destaca como um auxiliar inquestionável do Poder Judiciário. É bem verdade que, embora as decisões proferidas pelo TM possam ser revistas pelo Poder Judiciário, nos termos do artigo 18 da aludida Lei 2.180/54, as mesmas se presumem certas e têm forte valor probatório. Isso por diversas razões.

Primeiro porque, na apuração das responsabilidades, cabe ao Tribunal Marítimo investigar quaisquer pessoas supostamente causadoras do fato ou acidente da navegação, dentre elas, mas não somente, o capitão, o prático e todos os membros da tripulação, para aplicação das penalidades administrativas, o que significa que, na esfera judicial, haverá prova idônea contra ou a favor daquele que produziu o dano, para efeito de reparação civil.

Segundo porque a decisão proferida pelo TM é oriunda de inquérito instaurado pela Capitania dos Portos competente, de acordo com a sua jurisdição. No inquérito, a autoridade encarregada deve seguir alguns elementos essenciais como o relatório do capitão ou mestre da embarcação, depoimento do capitão ou mestre, do prático e das pessoas da tripulação que tenham conhecimento do acidente ou fato da navegação a ser apurado, depoimento de testemunhas idôneas, inclusive com possível acareação, cópias autênticas dos lançamentos diários de navegação e máquina, referentes ao acidente ou fato a ser apurado, e a um período de pelo menos vinte e quatro horas anteriores a tal acidente ou fato, exame pericial, dentre outros necessários para o esclarecimento da matéria investigada.

E, mais, todas essas providências são realizadas de forma bastante ágil. Não raras vezes os depoimentos são colhidos no dia após o ocorrido, o que assegura o seu retrato de forma fidedigna. Considerando que a prova testemunhal pode levar anos para ser colhida no processo judicial, pode-se imaginar a importância da prova feita com brevidade no inquérito. Ademais disso, não se pode perder de vista a dificuldade concreta que alguns magistrados encontram para nomear expert nos casos que demandam perícias técnicas, por ausência de profissionais habilitados e especializados.

Encerrado o inquérito, o encarregado direciona o caso com urgência ao Tribunal Marítimo para que o processo seja iniciado por determinação da Procuradoria ou da parte interessada, ou ainda por decisão do próprio Tribunal, seguindo-se todos os trâmites da Lei. Oportuno mencionar que, instaurado o processo, há citação, defesa e produção de todas as espécies de provas reconhecidas em direito, sendo esse mais um motivo para o Poder Judiciário acatar esse conjunto probatório, até porque não é demais reforçar que a todo o momento a Lei 2.180/54, que dispõe sobre o Tribunal Marítimo, garante a observância das regras processuais vigentes (artigos 62, 64 e 155). Daí porque exsurge a importância na contratação de advogados nesse processo administrativo.

Assim, cumpre enfatizar também que “Sempre que se discutir em juízo uma questão decorrente de matéria da competência do Tribunal Marítimo, cuja parte técnica ou técnico-administrativa couber nas suas atribuições, deverá ser juntada aos autos a sua decisão definitiva.” (artigo 19, Lei 2.180/54) e “Não corre a prescrição contra qualquer dos interessados na apuração e nas consequências dos acidentes e fatos da navegação por água enquanto não houver decisão definitiva do Tribunal Marítimo.” (artigo 20, Lei 2.180/54)

Por tudo isso, é recomendável que, por força da relevante prova produzida no âmbito do Tribunal Marítimo, seguindo o contraditório e a ampla defesa, além da extrema tecnicidade, o processo judicial deve ser suspenso até que haja decisão definitiva do TM, conforme, aliás, preconiza expressamente o disposto no artigo 313, inciso VII do Código de Processo Civil. Essa foi, diga-se de passagem, uma importante inovação legislativa do código de 2015. O que antes era uma discricionariedade do magistrado passou a ser um preceito de observância obrigatória no atual contexto processual.

Nessa linha, embora em princípio possa parecer que não, ganha-se economia e celeridade processual, evitando-se a repetição das mesmas provas e a perda da contemporaneidade na sua produção.

Inegável, assim, a importância do Tribunal Marítimo, não só como meio de contribuir para a segurança da navegação, mas igualmente como meio eficaz de produção de prova para a devida apuração dos responsáveis pelos danos causados no processo judicial juntamente com a matéria de direito pertinente.

 

 

 

Fonte: Luciana Vaz Pacheco de Castro é membro do Comitê Executivo da Wista Brazil Women’s International Shipping & Trading Association; membro da Comissão de Direito Marítimo da OAB de Santos/SP; membro da ABDM – Associação Brasileira de Direito Marítimo; e sócia da Advocacia Pacheco de Castro Sociedade de Advogados

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