A dificuldade maior, nessa crise, é com o transporte rodoviário, alerta consultor
Diante da necessidade de manter os fluxos das cadeias logísticas no Brasil, medida essencial para garantir o abastecimento das cidades e a manutenção do comércio exterior, as concessionárias rodoviárias podem assumir um novo papel, cuidando da manutenção dos serviços de apoio aos caminhoneiros. A proposta é do exsecretário executivo do Ministério dos Transportes e ex-diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp, a Autoridade Portuária de Santos), o hoje consultor de Transportes e articulista de A Tribuna Frederico Bussinger. Confira detalhes de sua proposta na entrevista a seguir.
As autoridades têm destacado a importância da estratégia, durante a pandemia, de manter os fluxos das cadeias de suprimento no Brasil. Qual o maior risco nessa tarefa?
A preocupação é corretíssima. E ela tem uma tripla razão, pois a manutenção dos fluxos das cadeias de suprimento é essencial nas três batalhas que temos de enfrentar: a da saúde, a do abastecimento da população e a da antirrecessão econômica.
Mas quais os riscos envolvidos nessa tarefa?
Muito bem colocado: riscos sempre existem. A tarefa, sempre, é minimizá-los. E essa é uma das funções do que se chama gestão de crises. Como a infraestrutura segue aí, as soluções devem focar duas frentes: a produção e a movimentação. Em ambas é fundamental a proteção e a assistência das pessoas que estão envolvidas nas atividades: isso as autoridades sanitárias e as equipes médico-hospitalares têm informado permanentemente e cuidado no limite das possibilidades. Por outro lado, para garantia das atividades em si, é necessário a garantia da infraestrutura e da logística para as pessoas, equipamentos e matéria-prima necessários. No caso dos portos e das ferrovias, de certa forma há um ambiente controlado, com gestores com responsabilidades definidas. A dificuldade maior, nessa crise, é com o transporte rodoviário, cuja participação é superior a dois terços na matriz de transportes.
E qual a forma de resolver essa dificuldade?
O transporte rodoviário é executado em milhares de quilômetros de estradas nesse imenso território, por milhares de empresas e milhões de autônomos. Prover-lhes alimentação, combustíveis, manutenção, local de descanso, é condição sine-qua-non. Um enorme desafio.
Uma sugestão?
A Região Metropolitana de São Paulo é acessada por dez rodovias, todas concessionadas. O Estado tem várias outras. O Sul do País, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro também. Ao menos nessas regiões a proposta a seguir poderia ser aplicada. As concessionárias conhecem quilômetro a quilômetro suas respectivas estradas. Também os prestadores de serviço – postos de gasolina, borracharia, restaurante. Assim, os governos poderiam delegar-lhes a gestão do apoio necessário.
Recursos?
Todas as concessões pagam aos governos, periodicamente, um determinado valor de outorga. Os governos poderiam suspender o recebimento desses valores, por um determinado tempo, destinando-lhes a esses atendimentos: algo na linha das medidas tomadas em relação aos tributos. Vale lembrar que estamos sob Estado de Calamidade e, nessa situação, tratamentos jurídicos de contratos e orçamentos podem ser flexibilizados. Assim, a atuação governamental nas operações já teria um universo bastante reduzido: focaria essencialmente o norte e nordeste. A solução passa, mais uma vez, pela atuação da iniciativa privada? A iniciativa privada pode, sim, ter um papel muito relevante. Mas, como se vê mundo a fora, nesses momentos de calamidades, de tragédias, de crises, é que os governos precisam estar mais presentes. Essa união de esforços e divisão de tarefas, público e privado, é condição sine-qua-non para enfrentamento dessas batalhas. Aliás, a participação dos cidadãos, da sociedade também. É até emocionante ver pessoas, famílias, darem comidas e disponibilizarem suas casas para higiene dos caminhoneiros na beira da estrada!
E quais os riscos, hoje, nos portos?
Riscos, como dito, sempre há. A tarefa é minimizá-los. Nos portos, com acesso direto ao mundo exterior, esse risco é sempre maior. Daí porque a necessidade de cuidados redobrados. Mas mantê-los operando é imprescindível para a manutenção de várias cadeiras de suprimento Particularmente um porto como Santos, responsável por mais de um terço do comércio exterior brasileiro. O Governo lançou a MP-945 para garantir a operação dos portos.
A medida foi acertada?
A MP-945 contém medidas diretamente ligadas à batalha da saúde, portanto temporárias. São evidentemente necessárias e abrangentes. Mas há outras, que vinham sendo discutidas mesmo antes da pandemia e foram adotadas no contexto da pandemia, mas tendem a se perpetuar nos portos organizados. Por exemplo, no rastro do Decreto nº 10.292, as atividades portuárias são caracterizadas como essenciais. E explicitamente é determinada a escalação eletrônica dos TPAs, enquanto veda a escalação presencial. O sr. vê algum risco de um fechamento nos portos nacionais, como ocorreu na China? Insisto, riscos sempre existem. Mas todas as informações indicam que esse risco, ao menos no momento e no horizonte visível, não é grande. Os gestores e as autoridades parecem ter atuado com celeridade e competência. E isso é muito importante. Falando sobre o pós-pandemia, que impactos o sr. prevê para a economia brasileira? O impacto será enorme. Seja pela produção que vai sendo reduzida, seja pelos dispêndios desse “esforço de guerra”, na casa de centenas de bilhões de reais, seja pelos investimentos que estão sendo e serão postergados, seja pela desorganização na economia – por exemplo, descumprimentos de contratos, públicos e privados, e não serão poucos. Os analistas começam a fazer as contas, mas ainda é muito difícil quantifica-lo. E, certamente, será necessário um bom tempo para se recolocar a casa em ordem e retomar indicadores e padrões da situação da economia no período pré-pandemia.
E os impactos no setor de infraestrutura no pós-pandemia? E no setor portuário?
Impacto existirá. Será relevante mas, também, heterogêneo. Saneamento deverá ser pouco afetado, mesmo porque é arma essencial na batalha da saúde. Energia deverá ter queda maior, em função da economia rodando mais lentamente. Transporte coletivo e aviação, até em função da quarentena, já estão sendo duramente afetados. Transporte coletivo urbano e metropolitano já caiu mais da metade, e em alguns casos a um terço ou um quarto, e os aeroportos estão desertos. Congonhas, por exemplo, não funcionará em abril e Guarulhos caiu a algo como 10% do movimento pré-pandemia. Os portos mantêm seus ritmos e, alguns setores, até aumentaram a movimentação recentemente, muito porque as exportações de soja e minério cresceram, talvez porque China e outros países estão reforçando seus estoques estratégicos. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, fala na grande atratividade dos projetos de infraestrutura brasileiros no pós-pandemia.
Teremos mesmo essa atratividade? Os investidores internacionais terão condições de participar desses projetos ou esses planos devem ser adiados, esperando uma recuperação do setor privado?
Saída de investidores e investimentos já vinha acontecendo. Em 2019, por exemplo, noticiou-se que a B3 perdeu cerca de R$ 180 milhões por dia. Em janeiro e fevereiro, foi cerca de cinco vezes mais. Já em março, houve o maior volume mensal de evasão da série histórica. Durante essa crise os analistas avaliam que essa saída de investidores e de investimentos seguirá. Inclusive o Banco Central já reduziu de US$ 80 bilhões para US$ 60 bilhões a expectativa de investimento direto no país para o acumulado do ano. Apesar de todo o esforço dos governos, o cronograma de leilões de concessão deve sofrer postergações. Mas no pós-pandemia, o ministro Tarcísio tem razão. Haverá muita demanda reprimida na economia brasileira e mundial. Portanto, muitas oportunidades a serem exploradas, tanto pelos investidores estrangeiros como nacionais. Lógico que não será uma mera retomada da situação pré-pandemia – já está claro que a economia sofrerá grande transformação como, aliás, diversas outras dimensões da nossa vida pessoal, familiar, profissional, social e política. Essencial, portanto, nos prepararmos para esse novo cenário. E, pelo que se tem observado, inovações na forma de se produzir, distribuir e consumir no Brasil pululam. Quais os maiores riscos para o setor de transportes no pós-pandemia? Demanda existirá. A dificuldade está mais pelo lado da oferta. Apontaria três riscos: a quebradeira das empresas, a necessidade de repactuação dos contratos descumpridos e demissões que já têm ocorrido. Demandará algum tempo e muito esforço para se organizar tudo isso.
Fonte: A Tribuna