Opinião

Nova anatomia da fragilidade logística global: O que a temporada de pico de 2025 está revelando

Década passada foi sobre eficiência, a próxima será sobre resiliência e a temporada de pico de 2025 pode ser lembrada como a fronteira entre essas duas eras.

A temporada de pico de 2025 revelou que a infraestrutura logística global não acompanha mais a velocidade do e-commerce. Reportagens da Reuters e análises da Bloomberg, reforçadas por dados da UPS, mostram que capacidade limitada, volatilidade geopolítica e redes de distribuição tensas expõem a fragilidade do modelo atual. A mensagem é clara: eficiência não basta — resiliência se tornou indispensável.

A cada final de ano, o varejo global repete uma espécie de ritual industrial que reforça estoques, amplia turnos, contrata temporários, calibra campanhas e promete ao mercado (e ao consumidor) que desta vez entregará a melhor experiência da história. Mas a temporada de pico de 2025 está quebrando essa liturgia e expondo, de forma inédita, a verdadeira anatomia da fragilidade logística global.

Uma reportagem recente da Reuters, analisando a reestruturação da cadeia de suprimentos da varejista britânica Marks & Spencer, sintetiza a urgência desse momento. Ao redesenhar sua malha de distribuição para sustentar o avanço do e-commerce, a companhia expôs o que muitos ainda evitam admitir: não existe omnichannel competitivo sem um backbone logístico radicalmente mais robusto. Não é questão de eficiência, mas de sobrevivência operacional.

CENÁRIO MACRO REFORÇA ESSA PRESSÃO

A Bloomberg, em análise sobre tarifas comerciais e volatilidade geopolítica, alerta que o ambiente global de abastecimento entrou em uma nova fase de instabilidade estrutural. Movimentos tarifários entre Estados Unidos, China e Europa estão comprimindo margens, alongando lead times e tensionando rotas críticas, especialmente aquelas usadas por varejistas que dependem de importação de alto giro, caso típico do e-commerce mundial.

E se o jornalismo aponta o fenômeno, os dados técnicos confirmam. O relatório “2025 Q4 Global Freight & Logistics Trends”, da UPS, revela um quadro de pressão simultânea em múltiplos modais: capacidade aérea limitada, congestionamento pontual em hubs estratégicos, tarifas sazonais elevadas e menor flexibilidade para absorção de picos. Em síntese, entramos na temporada mais exigente do varejo com uma cadeia menos tolerante a oscilações.

PARADOXO DA MODERNIDADE: TUDO RÁPIDO, TUDO FRÁGIL

A expansão meteórica do e-commerce global produziu um paradoxo: a ambição comercial evoluiu mais rápido que a infraestrutura necessária para sustentar.

O setor prometeu entregas em horas, mas muitos mantiveram estoques centralizados. Prometeu omnichannel integrado, mas operou armazéns inflexíveis (engessados na estrutura intralogística). Prometeu previsibilidade, mas dependeu de rotas internacionais saturadas.

O resultado é o que vemos agora: uma temporada de pico que funciona como um raio-X logístico, revelando cada falha estrutural invisível ao consumidor, mas bem conhecida pelas áreas de Supply Chain.

A reportagem da Reuters sobre a M&S funciona quase como um símbolo dessa virada. A empresa entendeu que, para competir no e-commerce moderno, precisava abandonar a lógica de “operações eficientes” e migrar para “operações resilientes”.

Esse é, provavelmente, o maior ponto de inflexão do varejo global desde 2020!

E NA AMÉRICA LATINA? O IMPACTO É AMPLIFICADO

Embora os estudos internacionais foquem nos mercados mais maduros, seus efeitos são multiplicados na América Latina e, especialmente, no Brasil.

Nossa dependência de importação, combinada a infraestrutura ainda em processo de modernização, cria um ambiente em que qualquer desvio logístico internacional se transforma em ruptura local.

Uma tarifa imposta nos EUA pode encarecer produtos asiáticos que abastecem o varejo brasileiro. Um gargalo em um aeroporto europeu pode atrasar reposições críticas. Uma elevação nas tarifas de peak season pressiona o last mile nacional, já impactado por congestionamentos urbanos e baixa capilaridade em algumas regiões.

No e-commerce, onde a disputa é diária e o SLA é quase um contrato psicológico com o cliente, isso se traduz em perda imediata de share.

A PERGUNTA QUE DEFINE O FUTURO

O que a temporada de pico nos obriga a questionar é simples, mas desconfortável: como sustentar um modelo de negócios acelerado por Marketing se a infraestrutura logística ainda opera em velocidade analógica?

As fontes internacionais convergem na mesma resposta:

  • Reuters: o varejo global está redesenhando sua malha.
  • Bloomberg: a geopolítica adicionou volatilidade estrutural à cadeia global.
  • UPS: os modos de transporte entram na temporada de pico já tensionados.

O diagnóstico indica uma única direção: eficiência não sustenta mais o e-commerce moderno, mas o foco moderno deve ser a resiliência.

O QUE 2025 ESTÁ REALMENTE ENSINANDO

Mais do que um teste operacional, a temporada de pico deste ano está redesenhando toda a discussão sobre logística no varejo. O setor percebe que planejar vendas sem planejar a rede logística é um erro estratégico. O consumidor não julga a campanha, julga a entrega.

Assim, o e-commerce que sobreviverá não é o que vende mais, mas o que entrega melhor, mesmo quando tudo ao redor falha.

A década passada foi sobre eficiência. A próxima será sobre resiliência. E a temporada de pico de 2025 pode ser lembrada como a fronteira entre essas duas eras.


 

 

Fonte: *Rodrigo Barros é sócio-diretor da Andersen Consulting.

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