Opinião

Nova tributação sobre frete pode encarecer cadeias de distribuição no país

Atualmente, a tributação sobre bens e serviços no setor é de cerca de 19,5%; com o IVA dual, pode atingir até 28% em alguns casos.

A Reforma Tributária, aprovada em 2023 por meio da Emenda Constitucional 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar 214/2025, representa uma das maiores mudanças estruturais do sistema fiscal brasileiro nas últimas décadas — e trará impactos expressivos para os mais diferentes setores, inclusive para o universo de distribuição.

Como um dos setores mais estratégicos da economia, a logística representa um elo de conexão entre produção, distribuição e consumo, garantindo o fluxo eficiente de insumos, bens intermediários e produtos finais em um país de dimensões continentais e forte dependência do transporte rodoviário.

Além disso, com a criação do IVA dual (que se divide em Contribuição sobre Bens e Serviços, o CBS, de ordem federal, e Imposto sobre Bens e Serviços, o IBS, de competência municipal e estadual), os serviços de transporte e armazenagem passam a ser tributados potencialmente de forma mais uniforme — fato que pode significar, no médio prazo, a simplificação de apurações e cobrança —, a mudança também pode ocasionar o aumento de custos nas cadeias de supply chain.

 

No cenário atual, transportadoras e operadores logísticos convivem com um sistema de tributação extremamente complexo: ICMS aplicado a combustíveis e serviços, PIS e Cofins e diferentes regimes estaduais que tornam as operações mais caras e burocráticas.

Por isso, empresas do setor são, via de regra, afetadas fortemente pela cumulatividade dos tributos e diferenças entre regimes estaduais de ICMS — fator que, historicamente, fez com que muitos negócios estruturassem suas operações em função de incentivos oferecidos por diferentes regiões do país no contexto da chamada “Guerra Fiscal”.

Sob o novo modelo, os benefícios regionais perdem efeito, com a expectativa de uma maior padronização da tributação do frete e da armazenagem, com incidência no local destino do serviço. Esse ponto é especialmente relevante, visto que a mudança para a tributação no destino tende a redistribuir a arrecadação, com o potencial de alterar rotas e centros de distribuição.

Com a transição para o IBS, uniformizando as alíquotas e extinguindo benefícios regionais, as empresas podem basear as decisões em questões como eficiência operacional, proximidade de públicos, consumidores e infraestrutura.

Contudo, a mudança traz também um receio de aumento de carga tributária que pode ser bastante substancial. Atualmente, a tributação sobre bens e serviços no setor é de cerca de 19,5%; com o IVA dual, pode atingir até 28% em alguns casos.

Como consequência, o valor dos produtos pode subir e trazer também impactos diretos na inflação dos custos de frete, sendo, nesse sentido, um ponto sensível para todos os setores produtivos.

Outro ponto de atenção se refere à gestão de créditos tributários. As novas disposições, trazidas pela reforma, prometem a devolução de créditos de forma plena ao longo da cadeia. Na prática, contudo, o processo deve ser desafiador para empresas que lidam com múltiplos elos e fluxos operacionais mais complexos.

Negócios que operam a partir de modelos integrados, ou seja, que envolvem transporte, armazenagem e distribuição, por exemplo, deverão estruturar o uso de créditos de maneira precisa, a fim de evitar perdas financeiras, distorções na precificação e desequilíbrio nas margens operacionais.

UM HORIZONTE DE DESAFIOS

Para além de efeitos diretos na operação logística, outras questões também demandam atenção por parte de empresas do setor. Nesse novo cenário, o desafio de compliance também se intensifica, visto que a transição exigirá adequações em sistemas fiscais, notas eletrônicas (como CT-e, CTe-Os, NF-e, NFS-e e BP-e) e parametrizações contábeis, além das mudanças em relação ao local de incidência do imposto, agora no destino do serviço, conforme supracitado.

A convivência entre dois sistemas durante o período de transição (2026-2033) adiciona, por sua vez, uma camada extra de complexidade. Neste intervalo, contribuintes terão de realizar a apuração de tributos, créditos e débitos conforme os dois regimes, aumentando a possibilidade de inconsistências.

Assim, em um contexto que apresenta grandes desafios potenciais, o planejamento tributário e a revisão de estratégias se tornam decisivos. Empresas do setor terão de avaliar e, se necessário, readequar as cadeias de suprimentos, de modo a se preparar para o novo ambiente regulatório. Uma boa gestão de créditos de IVA pode mitigar parte do impacto, mas, em um curto prazo, o aumento dos custos logísticos pode ser significativo.

Como tem sido amplamente debatido, a reforma tributária objetiva modernizar o sistema e reduzir burocracias e complexidades, mas a implementação, naturalmente, demandará um período de ajustes relevantes por parte dos contribuintes. Para o setor logístico, o desafio será encontrar o equilíbrio entre eficiência operacional e controle fiscal, de modo que as empresas absorvam as novas regras sem comprometer sua competitividade.

Por fim, em um segmento com estreitas margens e cujos impactos alcançam todo o ambiente de negócios do país, a capacidade de adaptação do setor logístico será determinante para a própria sustentabilidade da economia brasileira.


Fonte: *Denilson Kastller é sócio e Diretor de Operações no Grupo FiscALL

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