Capital privado como locomotiva
A presença quase exclusiva de capital privado nos projetos torna real a possibilidade de, finalmente, as ferrovias reconquistarem boa parte do peso que já tiveram na matriz de transportes do Brasil. Pesados investimentos privados estão previstos para os próximos anos. Três desses projetos estão orçados em R$ 13 bilhões. As obras deverão começar em 2021. Se executados na velocidade programada, esses projetos se tornarão importante fator de reativação mais rápida da economia do País, de geração de empregos e de transformação da matriz de transportes, com a redução expressiva da participação do modal rodoviário, hoje de longe o mais utilizado.
Será uma mudança notável. Mesmo transcorridas duas décadas da privatização da antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA), entre 1996 e 1998, continuava forte a presença do setor público no setor. Tendo perdido boa parte de sua capacidade de investimentos, o governo vinha procurando definir prioridades para os investimentos privados. Isso ocorreu de maneira acentuada nas gestões petistas.
Por anos, o governo se dedicou a formular planos e desenhar traçados que, no papel, pareciam responder às grandes necessidades do País no setor de transportes, sobretudo de produtos agrícolas e minerais. Havia, em boa parte desses planos, objetivos políticos, como a conclusão da ligação ferroviária entre regiões distantes e a integração da malha ferroviária brasileira com a de outros países, como Bolívia e Peru. Um desses planos era o de levar a ferrovia até o Oceano Pacífico, através do Peru.
Regras pouco claras para a participação e remuneração do capital e exigências consideradas excessivas se somaram à cautela que os investidores privados já tinham com relação aos planos grandiosos do governo, levando à paralisia da maioria dos projetos.
As dificuldades financeiras do setor público ficaram mais agudas por causa do custo das medidas de enfrentamento da pandemia.
Mas o País continua carente de meios de transportes de grande capacidade e eficiência, a custo competitivo. Levantamento feito pelo Estado mostrou um cenário novo. “A restrição fiscal e a falta de recurso da União não podem ser desculpa para não buscarmos as soluções de que precisamos para expandir a participação do modo ferroviário em nossa matriz de transportes”, disse o ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas.
A ferrovia responde por 15% da carga transportada no País. A projeção do Plano Nacional de Logística é de que, em 2025, esse modal passe a responder por 31% do total transportado. O ganho da ferrovia se daria à custa da redução da participação do modal rodoviário, de 65% para 50%, na matriz de transportes de carga do País.
A permissão para que as atuais concessionárias renovem antecipadamente seus contratos (que venceriam entre 2026 e 2028) teve papel decisivo no estímulo a projetos privados de expansão da malha ferroviária. Assim, o capital privado responderá pelos grandes investimentos de que a ferrovia carece.
Os trechos que receberão investimentos a partir do ano que vem atendem principalmente a Região Centro-Oeste, grande produtora de grãos e de proteína animal. A maior parte da produção dessa região, e de outras que serão também atendidas pelos novos traçados, se destina à exportação. A partir de Mato Grosso, os novos trechos têm basicamente as diretrizes Oeste-Leste (em direção ao Porto de Ilhéus, na Bahia) e Sul-Norte (de Sinop até o porto fluvial de Itaituba, de onde a carga pode seguir por hidrovia para Belém ou Macapá).
O trecho Sinop-Itaituba, de 933 quilômetros, conhecido como Ferrogrão, deve ir a leilão no primeiro trimestre do ano que vem. Os investimentos previstos são de R$ 8,4 bilhões até sua conclusão. Até novembro deverá ser assinado o contrato para o trecho de 383 quilômetros entre Água Boa (MT) e Mara Rosa (GO), onde a linha se acopla à Ferrovia Norte-Sul. Dois trechos da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) completam o conjunto.
Fonte: Estadão