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Infraestrutura esbarra em amarras históricas, diz Frischtak

Em meio à tentativa do governo federal de impulsionar os investimentos em infraestrutura por meio do Plano Pró-Brasil, especialistas apontam problemas estruturais crônicos que emperram os avanços do setor. Má governança, insegurança jurídica e regulatória e legislação deficiente são alguns dos entraves que precisam ser atacados para que os aportes em infraestrutura deslanchem no país.

Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, lembra que o Brasil investiu 1,84% do PIB em infraestrutura no ano passado, bem aquém do patamar de 2,31% do PIB registrado em 2010. Do total de R$ 133,4 bilhões aplicados no setor em 2019, cerca de dois terços vieram do setor privado e apenas um terço do setor público.

Questionado sobre o Pró-Brasil, Frischtak diz que ainda há necessidade de maior detalhamento do plano do governo, mas alerta para o que afirma ser a fraqueza dos projetos públicos para o setor nas últimas décadas: a governança do investimento. Ele elogia a equipe montada pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, mas alerta que o sucesso da empreitada vai depender da capacidade de entregar um programa amplo, com projetos complicados, alguns paralisados, onde deverá haver a mobilização de empresas privadas. “O sistema de planejamento nosso ainda não está adequado, isso eu posso afirmar. E nós continuamos com problemas de governança. Então eu sou um pouco cético, é ver para crer”, diz.

O especialista afirma que experiências passadas, como o PAC, demonstraram que a principal questão não é falta de recursos, mas sim uma progressiva deterioração regulatória e institucional que minou a capacidade de fazer avançar o setor. Para ele, mudanças na agenda legislativa e regulatória no país poderiam levar os aportes no setor a um crescimento anual na casa de 0,3% do PIB.

“A capacidade de o Estado investir adequadamente, sem má alocação de recursos, foi progressivamente deteriorada, o que tem mais a ver com uma economia política perversa do que falta de competência. Problemas de captura, corrupção, a forma como o Estado foi apropriado. Isso não é algo que ocorreu do dia para a noite, foi progressivo”, diz.

O especialista detalha razões para essa deterioração da capacidade de o Estado investir ou financiar adequadamente o setor de infraestrutura. Para ele, há problemas desde o planejamento. “Projetos que não deveriam chegar a uma obra posterior, chegam”, afirma, acrescentando que há no país uma qualidade baixa na produção de projetos executivos. “Raramente projetos públicos, obras públicas ou mesmo obras financiadas pelo setor público têm o seu projeto executivo em pé. É caro, de 2% a 5% do projeto total, mas é muito mais caro não ter”, afirma.

A solução, buscar investidores privados, acaba esbarrando nos alegados problemas de ambiente, sejam regulatórios ou de legislação. Joisa Dutra, diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri), cita a falta de um “bom ambiente” que atraia “investidores de qualidade” para concessões no país. “De modo geral, não conseguimos criar ambiente adequado, seja por inadequação dos marcos legais e regulatórios, seja porque as perspectivas de risco são muito aumentadas”, diz.

Ela ressalta que essas dificuldades de construção de marcos regulatórios e legais claros e convidativos acabam atraindo para o país não o melhor investidor possível. “O investidor melhor vai buscar o ambiente melhor. Sobra pra nós o investidor que tem um perfil de risco maior e um custo de capital maior ou uma chance de renegociação maior”, pondera.

Joisa bate na mesma tecla que Frischtak e afirma que o grande esforço do país para atrair capital para a infraestrutura passa por melhorar o desenho de concessões, atribuindo risco de forma mais eficiente e usando instrumentos de garantia que distribuam melhor o risco. “Quando a gente distribui melhor [o risco], diminuímos o custo de capital, vamos atrair melhores investidores para fazer mais infraestrutura. Infelizmente não tem fórmula mágica, não tem bala de prata, é um processo. Estamos evoluindo muito lentamente.”

Frischtak cobra ainda uma participação do Estado não nos recursos, mas na construção de um cenário de atração de investidores. “Não falta dinheiro. Não falta interesse. Precisamos do Estado para dar segurança jurídica, para dar previsibilidade regulatória, para fazer andar a legislação no Congresso, para fazer um planejamento bem feito”, diz Frischtak.

Estudo inédito da Inter.B mostra a redução sofrida no estoque de capital em infraestrutura desde os anos 1970. Segundo esse levantamento, em 1970 esse estoque era de 39,9% do PIB, patamar que avançou para 58,2% em 1982, caindo paulatinamente nos anos seguintes. No ano passado, esse estoque representou 35,9% do PIB.

O estudo frisa que os ativos não são eternos e precisam de manutenção, modernização e reabilitação para evitar perda de eficiência e aumento de custos e de riscos de segurança. A Inter.B aponta ainda em que segmentos estão os maiores hiatos na infraestrutura e mostra que entre 2001 e 2017 o investimento em infraestrutura teve a média anual de 2,01% do PIB, enquanto o necessário seria 4,24% do PIB, restando o hiato de 2,23% do PIB por ano. O maior “gap” nesses aportes está nos transportes, com hiato de 1,33% do PIB por ano, uma vez que a média anual de aportes no setor foi de 0,6% do PIB anualmente, para uma necessidade de 2% do PIB por ano. A seguir, a consultoria elenca o déficit de em energia (0,47% do PIB por ano), telecomunicações (0,16% do PIB a.a.) e saneamento (0,27% do PIB a.a.).

A conclusão da Inter.B é que um esforço para elevar o investimento em infraestrutura para 4% do PIB a partir deste ano levaria o estoque de capital no setor a 60% do PIB apenas em 2044. Além disso, aponta que, mesmo com dois terço dos aportes em infraestrutura vindo do setor privado, permanece o desafio de aumentar essa fatia.

Fonte: Valor Econômico

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