Importação de livros encomendados por editoras na China agrava a crise
Que o brasileiro lê pouco não é novidade. Entre 70 países avaliados em ranking pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), o Brasil está na lanterna do índice de leitura, ocupando o 59º lugar. Para entender a crise que o mercado editorial enfrenta no país, é do outro lado do mundo, na China – de volta à berlinda em recente polêmica aberta pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro –, que uma das pernas mais afetadas do setor, a indústria gráfica, encontra explicação. A importação de toneladas de livros impressos na China persiste, sem dar trégua às fábricas de livros em terras tupiniquins.
Dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços indicam crescimento exponencial da presença chinesa desde 2010 na oferta de livros no país e em Minas Gerais. O volume de publicações que chegam da China ao estado avançou de 145 quilos por ano, em média, de 2005 a 2009, para 15,6 toneladas entre 2010 e o mês passado. Os números levantaram tormenta na vida das empresas, como avalia o Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado de Minas Gerais (Sigemg).
De acordo com o presidente da entidade, Luiz Carlos Dias Oliveira, é como se o estado tivesse, nos últimos nove anos, importado cerca de 380 mil exemplares do best-seller Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente, da Editora Globo Livros. O boom chinês chegou a atingir 53,335 toneladas de livros embarcados ao estado em 2011, volume que voltou a cair, mas persiste, numa curva instável, mas com presença garantida nos mercados mineiro e brasileiro. Naquele mesmo ano, o Brasil importou 11,5 mil toneladas da indústria gráfica chinesa.
O fenômeno da invasão da locomotiva asiática reflete os preços cerca de 35% mais baixos oferecidos pelas gráficas da China às editoras no Brasil, comparados àqueles pedidos pela indústria local, segundo Oliveira. Apesar da imunidade tributária, prevista em lei, de que as gráficas desfrutam imprimindo livros, jornais e periódicos, o custo no Brasil não é tão atraente para as editoras quanto a oferta do concorrente asiático. “Não adianta, porque as nossas máquinas não são avançadas, o que nos faz perder a vantagem para o outro lado”, afirma.
Outro ponto questionado por Dias Oliveira, também presidente da regional mineira da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf-MG), é que a indústria gráfica, embora faça parte da cadeia da produção de um bem cultural, patrocinado pela Lei Rouanet – disponibiliza recursos para a realização de projetos artístico-culturais, como os livros –, não se beneficia da legislação. “Ela [a Lei Rouanet] ajuda na qualidade e conteúdo dos livros brasileiros, que conseguem, de certa maneira, competir com os de outros países, mas só envolve a produção intelectual. Aí, eles (as editoras) mandam os livros para serem impressos em outro país e a gente não ganha nada.”
Dias Oliveira admite que, além das condições desiguais em que a indústria gráfica trabalha, frente ao concorrente chinês, outro problema está na gestão ineficiente das empresas do setor. A indústria gráfica e as próprias editoras, na avaliação do industrial, não conseguiram acompanhar as transformações pelas quais esses mercados passaram nos últimos anos.
“Não fizemos o nosso para casa do jeito que deveríamos. Atribuir essa crise só ao governo é um equívoco. A maneira de produzir é outra, as plataformas são diferentes e ninguém quer entender isso”, relata. Questionado se ele se referia ao fenômeno da edição digital, o novo modelo de leitura dos e-books, Oliveira nega. “Ler um livro é muito diferente de ler um artigo na internet. O livro ainda é um produto tangível. Nós é que perdemos a maneira de comercializar e de empreender.”
Efeito cascata No fim do mês passado, Luiz Schwarcz, presidente da Companhia das Letras, uma das maiores editoras do Brasil, divulgou carta aberta em que analisa aspectos da atual crise editorial no país. Na intitulada “Carta de Amor aos Livros”, ele cita os recentes pedidos de recuperação judicial feitos pelas livrarias Saraiva e Cultura, o que teria gerado efeito cascata em todo o mercado editorial do Brasil. Schwarcz destaca que dezenas de lojas foram fechadas, centenas de livreiros despedidos e as editoras ficaram sem 40% ou mais dos seus recebimentos previstos.
Alencar Perdigão, de 54 anos, dono da tradicional Quixote Livraria e Café, instalada na Rua Fernandes Tourinho, na Savassi, Zona Sul de Belo Horizonte, acredita que a crise tem relação, principalmente, com a modificação da cadeia de comercialização de um livro (do autor, passando pela editora, a gráfica, a distribuidora e a livraria).
Ele considera ter havido alternância do foco dos donos das grandes editoras. “Eles são, de certa forma, gananciosos, querem vender cada vez mais rápido e mais barato. As editoras estão eliminando tanto as distribuidoras quantos às livrarias, estão vendendo diretamente para o consumidor. A crise da Saraiva e da Cultura tem muito a ver com isso.”
Quando o assunto é a saúde financeira das pequenas livrarias, Perdigão defende como salvação para o mercado a aprovação da chamada Lei do Preço Fixo. Determinação em vigor na França, Alemanha, Portugal e na vizinha Argentina, entre outros países, o projeto de lei em tramitação no Senado prevê que, durante um ano após o lançamento do livro, as livrarias fiquem impedidas de aplicar descontos superiores a 10% em cada obra.
“Assim, as livrarias pequenas teriam as mesmas condições de venda do que os grandes comerciantes, como a Amazon e as lojas de eletrodomésticos, que estão interessadas em vender televisão e não livro. Para vender aparelhos, eles jogam o preço dos livros lá pra baixo e você sai do site com um livro e uma TV”, afirma Alencar Perdigão.
Fonte: Estado de Minas