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Postado em 23 de agosto de 2021 | 19:02

Novo plano decenal precisa abordar escolha se sítio para viabilizar expansão nuclear, avalia Reive Barros

O pontapé inicial para o crescimento da geração nuclear no Brasil foi dado pelo governo quando o Plano Nacional de Energia (PNE 2050) trouxe a indicação de até 10 GW em expansão da fonte nos próximos 30 anos. Foi uma jogada já bastante ousada e que animou o setor. Ainda assim, é preciso tirar o zero do placar. Para que a construção de novas centrais saia do papel, especialistas em energia avaliam que o governo deve agora passar a incluir a nuclear também no planejamento de médio prazo. Essa é a opinião de Reive Barros, atual diretor de engenharia da Chesf. Nesta entrevista ao Petronotícias, ele defende que o próximo Plano Decenal de Energia (PDE 2031) precisa ser mais “incisivo” e incluir algumas atividades preliminares que serão fundamentais para a concretização das novas plantas – como a escolha de sítios.

A nossa sugestão foi que o PDE já sinalizasse a principal etapa – a escolha de sítios – para os anos de 2022 e 2023. Seria importante que esse próximo plano decenal já definisse um cronograma a respeito da necessidade da escolha dos sítios das usinas. Se essa definição não for acertada logo, ficamos sob o risco de postergar cada vez mais essa decisão”, avaliou Barros. Além disso, o entrevistado sustenta que o PDE também pode abordar outros temas importantes, como requisitos legais e regulatórios referentes ao setor nuclear. “Acho que 2022 seria o ano para endereçar essas questões. Isto é, criar as regras e dizer quais são as necessidades de aperfeiçoamento da legislação para atender à questão nuclear”, completou.

Durante o evento Nuclear Trade and Technology Exchange (NT2E), o senhor defendeu que o próximo PDE deveria já indicar algumas etapas preliminares para viabilizar a construção de novas usinas nucleares no Brasil. Poderia explicar aos nossos leitores esse ponto de vista?

O Plano Decenal de Energia apresenta uma indicação de empreendimentos de geração com o horizonte de dez anos. Ou seja, o plano diz, por exemplo, o quanto cada fonte vai ter de expansão de capacidade. O PDE sinaliza uma matriz elétrica, definindo qual o potencial daquelas fontes que devem entrar em operação nesse horizonte de dez anos. Como o Brasil faz leilões de energia a cada ano, o país já tem geração contratada pelos próximos cinco anos [o entrevistado faz referência aos leilões de energia A-5 e A-6] – seja eólica, solar, térmica, hidrelétrica ou biomassa. O prazo de maturação para implantação dessas fontes que acabei de citar está, mais ou menos, dentro de uma faixa de seis anos.

Porém, quando falamos de usinas nucleares, o prazo de maturação desses projetos é maior, podendo chegar a dez anos. Levando em consideração que o Plano Nacional de Energia 2050 já indicou que vamos implantar até 10 GW de geração nuclear nos próximos 30 anos, fizemos durante a NT2E uma provocação ao presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral.

A nossa sugestão foi que o PDE 2022 já sinalizasse a principal etapa – a escolha de sítios – para os anos de 2022 e 2023. Seria importante que esse próximo plano decenal já definisse um cronograma a respeito da necessidade de escolha dos sítios das usinas. Se essa definição não for acertada logo, ficamos sob o risco de postergar cada vez mais essa decisão.

Gostaria que falasse sobre a importância dessa definição, a partir do ponto de vista dos investidores privados que desejam investir no setor nuclear brasileiro.

O modelo elétrico tradicional brasileiro já possui alguns requisitos e atributos que são considerados importantes para a atração de investidores. O primeiro deles é a estabilidade regulatória e jurídica. Isso é fundamental para quem quer investir no país. Agora, nós precisamos criar essa condição de estabilidade também para o segmento nuclear. A origem do setor nuclear brasileiro é 100% estatal. São necessárias regras claras para esse segmento atrair o investidor privado.

O segundo item que considero importante é a garantia de contrato de longo prazo. Isso já existe no setor elétrico brasileiro. Para o setor nuclear, eu vejo a necessidade de alguns aprimoramentos institucionais em legislações, resoluções e portarias ministeriais, à semelhança do que acontece no setor elétrico. O terceiro aspecto é a questão da garantia de recebíveis. O sonho de todo o investidor de qualquer lugar do mundo é ter em mãos um contrato de longo prazo que tenha a garantia de recebíveis.

O quarto e último atributo que considero importante é a previsibilidade. Importante ressaltar que esse é um aspecto já presente na gestão do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Nesse sentido, eu sugiro que o próximo PDE incorpore as etapas de escolha dos sítios e escolha da tecnologia das próximas usinas nucleares, porque isso dará previsibilidade aos investidores. Todo esse cenário, inclusive, vai favorecer o nível de competição para a retomada de Angra 3. Quem pretende fixar-se no Brasil, simplesmente vai tentar começar pela obra de Angra 3.

O senhor acabou de mencionar na última resposta que o PDE deveria abordar a questão da escolha de sítios e também a definição de tecnologia. Além desses outros aspectos, que outros temas poderiam ser endereçados no plano?

Eu diria que seria preciso uma sinalização em termos de requisitos legais e regulatórios. Acho que 2022 seria o ano para endereçar essas questões. Isto é, criar as regras e dizer quais são as necessidades de aperfeiçoamento da legislação para atender a essa questão nuclear.

Aqui vale ressaltar que o PDE não tem o compromisso de resolver, mas sim de endereçar. O setor nuclear precisa ter em 2022 a definição de toda a legislação, do modelo de negócio e da escolha de sítios. Agora, como será a legislação, isso caberá ao legislador. De igual modo, a modelagem regulatória caberá à agência reguladora. O PNE só precisa sinalizar a necessidade dessas etapas.

A nuclear é uma fonte consolidada do ponto de vista de segurança, qualidade e confiabilidade. Mas estamos em um modelo de transição, que é a saída de um projeto 100% estatal para que venha ser um empreendimento com uma parte estatal e outra privada ou, quiçá, totalmente privado. Então, vale a pena o PNE sinalizar com essa necessidade e chamar atenção para isso.

Em um modelo com a participação privada, como seria a participação das empresas na escolha de sítios?

No modelo anterior tudo era estatal. A própria Eletronuclear se encarregava de fazer os estudos dos sítios. No setor hidrelétrico, qualquer um pode fazer um estudo de localização da usina hidráulica. Depois de realizado o leilão, caso aquele investidor que fez o estudo não ganhar a concorrência, será ressarcido por quem ganhou a disputa. Esse modelo, fazendo algumas adequações, pode ser totalmente assimilado pelo segmento nuclear.

O processo de escolha de sítios é um investimento importante e ninguém vai fazer isso sem saber que terá resultados. Por isso estamos aqui tentando contribuir com o PDE 2022, de modo que seja mais disruptivo e incisivo. 

Ao seu ver, existem obstáculos que impedem que o próximo PDE traga esses pontos que o senhor levantou? Ou o que falta mesmo é apenas uma decisão de endereçar todas essas questões?

Eu não vejo obstáculos. Aliás, eu acho até que o momento é muito propício para isso. Hoje, existe uma confiança muito grande na importância dessa fonte em relação ao fator de carga, à segurança e à questão ambiental. Durante a NT2E, cheguei a mencionar que esse PNE pode ser disruptivo nessa questão, porque precisamos ousar.

Imagine: se uma usina nuclear tivesse sua implantação em torno de cinco ou seis anos, o próprio PDE poderia sinalizar a entrada dessas plantas. Mas como a fonte tem uma característica que se difere das demais, dado o prazo de maturação de 10 ou 11 anos, é preciso ousar. Podemos continuar com o modelo de planejamento decenal, mas que ele seja mais incisivo e ousado. Mesmo que as usinas nucleares entrem apenas em 2031 ou 2032, são necessárias algumas atividades antecedentes para consolidar essas novas plantas.

O PDE daria uma grande contribuição se pudesse sugerir alguns marcos importantes, com prazos para escolha de sítios e decisões institucionais. Tudo isso que estou dizendo passa pelo crivo final do Ministério de Minas e Energia. A pasta é que dá o norte e define as políticas públicas. Já a EPE materializa as decisões e as recomendações de política pública do ministério. A partir do momento em que o Ministério de Minas e Energia definiu a retomada do Programa Nuclear Brasileiro, a fonte já foi citada no PNE 2050. Essa foi uma decisão de política pública.

 

 

 

Fonte: Petro Notícias


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