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Postado em 19 de setembro de 2019 | 17:58

Entidades brasileiras se dividem sobre importação de álcool dos EUA

O setor de açúcar e álcool do Nordeste tratou de se mobilizar assim que foi informado sobre a decisão do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de facilitar a vida dos produtores de etanol dos Estados Unidos. O Brasil cedeu e atendeu a um pedido do republicano Donald Trump para não apenas prorrogar por mais 12 meses a compra de álcool anidro, obtido a partir do milho, sem a cobrança de imposto de importação, de 20%, mas também aumentou a cota livre do tributo, de 600 milhões de litros para 750 milhões.

Passadas quase duas semanas desde o anúncio da medida, a inquietação de parte do setor quanto ao que consideram ser uma decisão prejudicial aos produtores de cana-de-açúcar e usinas só aumentou. Tanto que, agora, o assunto extrapolou o debate entre entidades e representantes do governo e chegou ao Congresso.

Representantes dos plantadores de cana-de-açúcar, das usinas, de três ministérios, da Câmara e do Senado vão se reunir para discutir como minimizar os efeitos dessa concessão ao presidente dos Estados Unidos, em fase de pré-campanha para reeleição.

O encontro vai ocorrer na Câmara e terá a participação das lideranças de todos os partidos, além de representantes da Agricultura, Economia e Relações Exteriores. Por parte do agronegócio, vão participar a Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana), que tem associados de 13 estados, com maior peso para os do Nordeste, e a Associação dos Produtores de Açúcar e Bioenergia (Novabio), formada há cerca de cinco meses, a partir de um movimento de articulação dos Sindicatos de Produtores da Indústria do Açúcar e do Álcool das regiões Norte e Nordeste.

Para os presidentes das duas entidades, os produtores do Nordeste serão os mais afetados pelo aumento da importação de etanol americano livre de imposto. O setor vinha de dois anos de acordo com os EUA. A portaria anterior venceu em 31 de agosto, depois de 24 meses. Agora, serão mais 12 meses de benefício tributário para os americanos. A vitória foi comemorada por Trump, em período de pré-campanha eleitoral para a reeleição.

Por questões logísticas, a maior parte dessa cota de álcool vindo dos EUA é desembarcada nos portos do Nordeste e abastece a região. Alexandre Andrade Lima, presidente da Feplana, critica a decisão do governo. Na sua avaliação, “a medida deveria ter vindo acompanhada de uma contrapartida para beneficiar o açúcar brasileiro naquele país, onde enfrenta o regime de cotas que torna o produto nacional pouco atrativo”.

Apesar de ser líder na produção de açúcar e de álcool e de já terem se passado algumas semanas desde o anúncio do governo brasileiro, a Raízen não quis comentar a portaria e informou que está “analisando os possíveis efeitos que a decisão terá sob seus negócios”, segundo nota.

NEGOCIAÇÕES

A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), que representa o setor no Centro-Sul e, portanto, tem uma base bem maior do que a das regiões Norte e Nordeste, também não confirmou se vai participar da reunião da próxima semana. Informou, por meio de nota, que avalia o aumento da cota de importação como uma “grande vitória do governo brasileiro, liderada pelo Ministério da Agricultura, com o respaldo do presidente Bolsonaro. No entanto, apesar de festejar a medida pró-EUA, a Unica argumenta que faltou incluir a contrapartida para o açúcar brasileiro nesse acerto com Trump.

Mas, diferentemente do que diz a Unica, tanto os representantes da Feplana quanto da Novabio acreditam que a pasta liderada por Tereza Cristina (DEM) não participou das negociações com o governo Trump. “A ministra trabalhou bastante (contra a renovação do acordo), mas foi atropelada”, afirma o presidente da Feplana, que também preside a câmara setorial dessa área no Ministério da Agricultura.

Diante da derrota de Tereza Cristina, representantes do setor na região Nordeste trataram de buscar ajuda em suas bancadas na Câmara e no Senado. Com isso, conseguiram que fosse apresentada na Câmara, na última terça-feira (10), a urgência do projeto de decreto legislativo, assinado por Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), para sustar a decisão do governo de aumentar a cota para importações anuais de etanol dos EUA sem tarifa.

Falta apreciar o mérito do projeto para que ele possa ser colocado em votação pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Segundo Lima, essa foi a estratégia para manter as negociações com o governo. “Esse etanol chega em plena safra do Nordeste, uma região com problemas de topografia acidentada e com uma série de particularidades. Boa parte desse etanol, cerca de 90%, vai para o Nordeste”, reclama o líder da Feplana.

Na sua avaliação, nesse acordo faltou a contrapartida da abertura do mercado para o açúcar brasileiro, um tema que vem sendo tratado há tempos, segundo o presidente da Feplana, com o novo governo. “Só houve promessa até agora, mas de concreto não houve nada. Hoje, a taxa cobrada sobre o açúcar nacional faz praticamente dobrar o preço. A cota de isenção é muito baixa e os americanos não importam mais porque o imposto inviabiliza”, diz.

Golpe fatal para algumas empresas do Nordeste

Uma das propostas que será discutida pelo setor produtivo, articulada pelo deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara, é que o álcool americano só entre no país durante a entressafra no Nordeste (de agosto a abril), reduzindo os impactos financeiros. Nessa época, quem costuma atender aquele mercado são os produtores do Centro-Sul, “que corre o risco de perder espaço”, avalia Lima. “O que se viu até agora foi a promessa de uma negociação melhor para o açúcar, mas precisa ter uma realidade.”

A pressão por meio da Câmara, na avaliação do presidente da Feplana, levou preocupação ao governo. “Claro que houve preocupação com o risco de o projeto legislativo ser aprovado, isso seria uma derrota. Acredito que se pode chegar a um denominador, mas é cedo para uma conclusão. Sem acordo, a Câmara pode tentar derrubar a portaria. Isso vai ser muito ruim para as negociações futuras do governo. Não deixa de ser uma carta na manga.”

Apesar de, por ora, o assunto estar na Câmara, Lima trabalha com a possibilidade de ser preciso contar com o apoio do Senado. E faz as contas. Cada estado do Nordeste tem três senadores eleitos. No Nordeste, são gerados cerca de 200 mil empregos diretos no plantio de cana. Cada usina emprega de 3 mil a 4 mil pessoas. Como o setor já não vem de uma situação muito favorável nos últimos anos, a chegada de mais álcool dos EUA pode ser um golpe final para algumas empresas.

Lima trabalha com o risco de fechamento de algumas unidades de produção que estejam hoje mais debilitadas financeiramente. “Concorrer com etanol produzido a partir de uma produção de milho subsidiada, na situação que o setor se encontra, pode ser fatal.” O presidente da Feplana lembra que muitas empresas do setor entraram na Justiça contra a Petrobras, na época em que a ex-presidente Dilma Rousseff decidiu importar gasolina. Segundo ele, hoje há bilhões de reais em disputa nos processos.

IMPACTO

Ainda de acordo com o presidente da Feplana, com a entrada do álcool americano, o governo deixa de arrecadar R$ 270 milhões em impostos. Para o representante da Novabio, Renato Cunha, o que ocorreu no caso do álcool dos EUA mostra uma perda de oportunidade comercial. “Em qualquer acordo, as duas partes devem ter algum tipo de compensação. Esse foi um pseudoacordo, só beneficiou os EUA”.

Cunha conta que fazia pelo menos um ano que o setor vinha conversando, na tentativa de evitar que o Nordeste absorvesse o impacto da importação livre de imposto. Segundo ele, ficou acertado que a negociação deveria ter reciprocidade.

O representante da entidade reclama, ainda, de um problema que já vinha ocorrendo na portaria anterior, que é a falta de regulação do destino do etanol importado dos produtores americanos. “Sempre vai para o Nordeste. A Agência Nacional do Petróleo, o Ministério da Agricultura e o de Minas e Energia não sabem quem deve regularizar isso. Essa cota não tem condições de ser absorvida”, alerta.

O presidente da Novabio defende que o álcool dos EUA seja destinado ao Centro-Sul, “que teria mais condições de absorvê-lo. O Brasil se autorregula e não precisa importar etanol. A gente fica sem ter onde vender. E não há cerimônia em fazer isso com o Nordeste. A gente cansou disso”, lamenta Cunha. (PP)

Fonte: Estado de Minas


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