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Postado em 6 de fevereiro de 2019 | 17:32

Crise em comercializadora de energia acende alerta sobre garantias

A atual crise da comercializadora de energia Vega Energy, que enfrenta dificuldades para honrar milhões de reais em contratos, evidencia necessidades de avanços nas regras de garantias financeiras do mercado de eletricidade, disseram especialistas do setor.

A Vega Energy comprometeu-se com enorme volume de vendas futuras de energia apostando em uma queda de preços no início deste ano, mas viu-se em apuros após as cotações dispararem devido à falta de chuvas na região dos reservatórios das hidrelétricas, principal fonte de geração do Brasil.

Se a empresa não comprar energia para cumprir os acordos ou não aportar garantias financeiras correspondentes ao valor de suas vendas, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) poderá suspender seus contratos.

Com isso, empresas que compraram da Vega poderiam se ver descobertas e precisariam buscar energia mais cara no mercado para fechar suas posições, além de ficarem sujeitas a multas.

“Obviamente o sistema precisa de melhoras, pois permite forte alavancagem sem um quadro robusto de garantias e chamadas de margem, como no mercado financeiro. O setor será cobrado por sua inação caso não aproveite este episódio para trabalhar fortemente na sua modernização”, disse à Reuters o presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso.

Segundo ele, o caso “acende uma luz amarela no mercado”, inclusive com riscos de “um efeito cascata” —o que poderia acontecer se outras comercializadoras ficarem na mesma situação, sem energia para entregar aos clientes.

Ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o advogado Julião Coelho também defendeu mudanças nas garantias financeiras, que hoje são cobradas pela CCEE apenas pouco antes da liquidação das operações.

“Quem tomou risco tem direito, sim, de lucrar, mas tem que ter dever de assumir o custo (se errar a aposta). Chegamos a uma situação em que agentes que compraram energia podem acabar expostos ao risco de outro agente… não deveria haver espaço para esse tipo de operação”, afirmou ele à Reuters.

Ele lembrou que quando ainda estava na Aneel, em 2012, foi discutida uma revisão nas regras de garantias que previa uma evolução gradual rumo a um modelo em que as comercializadoras precisariam fechar acordos com bancos para que estes garantissem suas transações dentro de um determinado limite operacional.

Ao final dos debates, no entanto, as regras aprovadas foram mais flexíveis —o limite operacional mínimo coberto por bancos para as comercializadoras ficou em apenas 100 mil reais, valor muito baixo perto dos movimentados pelo bilionário mercado elétrico.

“Havia uma previsão de que ao final o agente precisaria ter uma instituição financeira que o respaldasse. Não sei por que isso não avançou.(Casos como o da Vega) são movimentos isolados, mas que continuam a acontecer porque não houve um aprimoramento que já se identificou que era necessário”, afirmou Coelho.

O presidente da Vega Energy, Abenaias Silva, disse à Reuters na última sexta-feira que a empresa tomou uma “invertida” com a disparada dos preços e errou ao ficar exposta demais. Ele também disse que não houve má fé e que está buscando “ajuda do mercado” para cumprir com as obrigações.

REFORMA É CAMINHO
Os elevados riscos envolvidos na venda de energia a descoberto, ou sem lastro em contratos de compra ou em geração própria, são uma das primeiras lições de qualquer curso básico sobre comercialização de eletricidade, disse o professor de Economia da Energia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Alexandre Street.

Por outro lado, acrescentou, as regras do mercado de energia não colocam restrições suficientes a essas operações.

“Essa é a lição número 1, não é para vender a descoberto porque o risco é imenso. Mas não posso depender da boa fé e de todo mundo agir corretamente para que o sistema não quebre… uma maneira seria caminhar para uma regulação mais parecida com a do mercado financeiro”, afirmou Street.

Ele destacou que diversos aprimoramentos nesse sentido constam de uma proposta de reforma da regulamentação do setor elétrico apresentada pelo governo Temer, mas que não chegou a ser aprovada no Congresso Nacional.

Barroso, da PSR, disse que a reforma traria aperfeiçoamentos nas garantias, com possibilidade de chamadas de margem para cobrir as posições dos agentes, como no mercado financeiro, e com liquidação das operações em tempos menores, que reduz os montantes financeiros envolvidos e consequentemente os riscos.

Se bem sucedido, o movimento culminaria com negociações de energia em bolsa e operações garantidas por uma câmara de liquidação (clearing house).

Enquanto isso, no entanto, as próprias comercializadoras precisam ficar mais atentas aos riscos, com avaliações mais profundas sobre o risco das empresas com quem fazem negócios, afirmou Barroso.

“Se continuar assim, o mercado pode se autoflagelar. As empresas precisam tomar riscos compatíveis com seus tamanhos. Isso também ilustra a importância das autoridades zelarem pelo pleo funcionamento do mercado.”

Os questionamentos acontecem em meio a um crescimento recorde do setor de comercialização de energia, que teve 51 novas empresas abertas ao longo do ano passado, maior número já registrado, em movimento embalado por lucros históricos das comercializadoras em 2017.

Fonte: Reuters


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