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Postado em 30 de março de 2021 | 17:04

“Problema do Brasil não é falta de dinheiro, mas de planos”, diz Perfeito

Para economista-chefe da Necton Investimentos, cenário é complicado até o fim do ano, mas pode ser aliviado pela vacinação em massa. Sinais de retomada econômica não estão no radar do economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, em um horizonte muito próximo. “Para 2021, não tem como ficar otimista”, aponta, em entrevista à EXAME.

Sem grandes reformas ou privatizações no curto prazo, o que pode dar um impulso na economia é a possibilidade de vacinação em massa, cenário em que se pode pensar em retomada dos investimentos, e a aposta na alta nos preços das commodities.

Nessa perspectiva, a Necton atualizou a projeção para a taxa de juros em 2021: a previsão para SELIC no fechamento do ano passou de 5% para 6%, distribuídos em quatro rodadas.

Para Perfeito, o Brasil tenta buscar o equilíbrio entre o timing político e as exigências econômicas. E, nesse cenário, o governo tem agido de “forma errática”, avalia. “O problema do Brasil não é a falta de dinheiro, é a falta de planos”, sentencia o economista. Veja os principais trechos da entrevista:

Para 2021, não tem como ficar otimista. O PIB no primeiro trimestre deve vir muito provavelmente próximo de -0,5%, principalmente pelo avanço da pandemia. Mais do que isso, o conjunto de incentivos que foi dado no ano passado foi retirado. Fala-se muito do auxílio emergencial, mas tem outros programas de incentivo para empresários, diferimentos de impostos, esse tipo de coisa, que não tem mais hoje em dia.

Você acha que vai dar para renovar esses programas?

Se sim, será de uma forma muito tímida. Pegue o auxílio emergencial como exemplo, que seria o grande programa. Estamos falando agora de um benefício 13% do que era no ano passado no volume total. De 350 bilhões de reais para 44 bilhões de reais, e em quatro parcelas, só. Vai ser tímido. Os outros planos também estão fragilizados.

Deveria ser momento de retomar planos mais robustos, já que agora a pandemia está em uma situação ainda mais preocupante no Brasil? 

O problema do Brasil não é a falta de dinheiro, é a falta de planos. Fazer gastos, obviamente, implica em constrangimento fiscal, mas se o plano for bem desenhado, bem acertado, acho que não tem problema. Para aprovar auxílio emergencial, aprovou-se uma PEC que ficou estranha para os objetivos do governo. O que me preocupa mais é a questão de o governo estar cada vez mais errático em seu conjunto.

Em que sentido?

O Paulo Guedes (ministro da Economia) aponta uma coisa, e o governo não consegue efetivamente fazê-la. Às vezes até com o próprio presidente contribuindo contra. O Bolsonaro está, também, em uma situação extremamente difícil hoje, porque o que Guedes propõe para a economia é ajuste de longo prazo. Ele fala em corte de gastos públicos porque acredita que isso vai permitir que os juros fiquem baixos e os empresários invistam. Nesse tipo de coisa que talvez o tempo da economia tenha batido no da política.

As intenções se chocam, prejudicando a economia?

Quando o presidente faz movimentos como fez com a Petrobras, ele está dizendo para a gente, do jeito dele, que subir 10% o preço do diesel em seis meses não dá. Quando o botijão de gás chega a 100 reais, algumas famílias começam a queimar pedaços dos barracos para fazerem fogueira. É esse o tamanho do problema. Realmente tem uma pressão muito grande. Isso torna o conjunto do ajuste do Guedes mais lento, para dizer o mínimo, e mais custoso também.

Isso se estende às reformas? Você vê um horizonte com reformas a curto prazo?

A reforma administrativa pode passar alguma coisa, acho que vai passar. Mas só alguma coisa, porque na própria PEC Emergencial já viram como a questão dos gatilhos foi desidratada. Há pressão de alguns segmentos do funcionalismo público. E tem a questão que o Bolsonaro tem como parte da sua base de apoio uma grande parcela do funcionalismo, que são militares, bombeiros. A pressão é grande, e é um tipo de ajuste muito difícil ser feito.

O Banco Central aumentou a taxa de juros na última reunião do Copom, de 2% para 2,75% ao ano. O que achou?

Acho que depositaram no colo do Banco Central mais do que ele podia entregar. E não adianta nada ter os juros no lugar certo e a economia no lugar errado. Manter os juros baixos não é garantia que vai fazer a economia crescer, e deixar baixos por muito tempo pode trazer problemas. Isso que estamos vendo com a inflação agora não é só culpa dos juros baixos, tem a pandemia, uma serie de distorções da economia, mas faz o real perder muita força.

Acha que esse aumento de 75 pontos base foi razoável?

Acho que deveria ser 50, porque é difícil criar um tipo de política, de estratégia de comunicação para não passar muita preocupação. Subir 75 pode sinalizar “opa, deu errado”. Poderia ser mais devagar, mas resolveram fazer desse jeito porque a inflação em 12 meses vai continuar subindo bastante. Lá por volta de junho, julho, o IPCA vai estar 6% ou 7%.

Mas o aumento da taxa de juros tem esse poder de combater a alta da inflação do jeito que está?

Agora, no curto prazo, não. E pior: a inflação no Brasil, hoje em dia, é nitidamente uma inflação de custo. Falar que é inflação de demanda é brincadeira. Só que o remédio dos juros é como se fosse de quimioterapia, tenta atacar inflação de custo e também vai acabar batendo na demanda. A esperança do BC é tornar mais possível controlar um pouco o dólar. O fato de o real ter perdido tanto está fazendo com que o IGP-M esteja batendo a 30% ao ano. Isso tem um efeito nefasto na economia como um todo. Temos uma situação na qual o BC é obrigado a rever sua política, e isso vai atrapalhar o crescimento, óbvio. Não tem como pensar diferente.

A gente corre o risco de chegar em um cenário de dominância fiscal?

A ideia da dominância fiscal seria se tivéssemos uma dívida em dólar. Nós não temos. A dominância fiscal é o seguinte: o governo sobe a taxa de juros para ver se atrai mais dólar. Só que o fato de subir a taxa de juros impede que entre mais dólar, porque a pessoa acha que não vai conseguir pagar a dívida, porque fica muito mais cara. É uma teoria dos jogos que gera situação explosiva. Mas não acho que é o caso. Isso não quer dizer que não tenha, talvez, dificuldades em rolar parte da dívida.

O que poderia ser feito diante dessas condições?

Acho que o que podem fazer é muito pouco, porque estão amarrados por uma política econômica que tende para a austeridade, que tem um custo e um benefício políticos. O custo é que cria uma situação onde a economia fraca atrapalha a popularidade do presidente. A política econômica gera esse ônus para ele. A gente vê que ele está radicalmente contra lockdown porque diz que o lockdown que está gerando a crise. Está usando até a própria crise para tentar se blindar politicamente, para tentar jogar no colo dos governadores. É um jogo difícil de equilibrar.

A proximidade das eleições de 2022 atrapalha o cenário? Essa perspectiva já pode estar influenciando na política econômica?

No caso das eleições, o problema não é o Lula ser candidato em 2022, mas o Bolsonaro virar candidato em 2021. Não sei se ele já está em eleição, porque tem problemas de curto prazo para resolver. A inflação a 7% por volta de julho tem algumas questões: quer dizer que pela lei do teto ele pode gastar 7% a mais no ano que vem, o que pode aliviar bastante par ele. Mas ele tem problemas de curto prazo. São quatro meses de auxílio emergencial. Acaba em julho, quando a inflação estará a 7%. Imagina a pressão.

Como contornar?

É um cenário muito complicado daqui até o final do ano, mas algumas coisas boas podem acontecer. A vacinação pode andar mais rápido, por conta da pressão. Isso pode ajudar bastante a aliviar o sistema de saúde e também porque, terminando lockdown, já pode ter crescimento um pouco mais forte da economia, talvez com um pouco mais de investimentos. Externamente, o que é bom e ruim é que o preço de commodities está subindo, o que ajuda a economia brasileira.

 

 

 

Fonte: EXAME


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