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Postado em 27 de janeiro de 2020 | 18:40

Argentinos convivem com mais de dez tipos de dólar

O movimento das casas de câmbio da calle Sarmiento, no centro de Buenos Aires, tem sido fraco nestes dias, embora seja janeiro —uma época em que muitos buscam dólares para ir viajar.

“Está sendo atípico, mas esperar o quê? Se a pessoa tem de pagar uma taxa de 30% (imposta pelo governo) para comprar dólares, prefere fazê-lo de outro modo, se houver, ou deixar as férias para outro momento”, diz o dono de uma delas à Folha, sem querer se identificar.

Pouco antes de deixar o governo, o então presidente, Mauricio Macri, impôs limite de compra para os argentinos de até US$ 200 (R$ 836) por mês, para evitar que o valor do peso despencasse ainda mais. Isso segue vigente. A fuga de divisas estancou-se um pouco, mas também têm entrado menos dólares no mercado.

“Eu sou de classe média e estava juntando para sair de férias em julho para Miami com minha filha. A cada mês, comprava um pouco de dólares. Tive de dizer a ela que o sonho ficou pro ano que vem, isso se em 2021 a situação não piorar”, diz Alvaro Ochoa, 39.

“Ainda que a gente consiga comprar as passagens de avião, não vamos poder usar cartão de crédito lá fora. Para tudo, vamos gastar 30% só em imposto”, completa.

A cobrança adicional é uma referência a uma das primeiras medidas econômicas de Alberto Fernández, novo presidente da Argentina.

Em uma tentativa de impedir uma nova rodada de desvalorização do peso argentino, o governo impôs novas alíquotas sobre compras com cartão no exterior e exportações agropecuárias. Com essas ações, os argentinos, acostumados a lidar com duas cotações de dólar, agora precisam lidar com mais de dez.

Os dois mais conhecidos são o oficial (a 63 pesos, pelo Banco Nación) e o blue (clandestino, de 72 pesos a 78 pesos).

Para o cidadão comum que compra a moeda para fazer uma poupança, o dólar a 63 pesos não existe numa casa de câmbio comum, pois ele precisa adicionar mais 30% de imposto —o que o eleva a 82 pesos e foi apelidado de dólar solidário, com um toque de ironia (solidário com quem?).

O blue é um dos principais instrumentos para quem quer ter reserva em dólar, reflexo da baixa confiança dos argentinos no sistema bancário.

“Eu prefiro comprar o dólar clandestino a guardar em pesos, ainda que investidos, no banco”, afirma Hermínia Salvatierra, 52.

Mas surgiram também os dólares cartão de crédito, como o que a família Ochoa precisará pagar se usar o cartão na viagem, o dólar-Netflix e assim por diante. No agronegócio, existe dólar-soja, dólar-milho e dólar-carne, reflexo das alíquotas distintas que produtores pagam na exportação.

Para o economista Aldo Abram, o exportador de soja vai receber 60% do que de fato vendeu no exterior. “E com isso terá de pagar ainda seus gastos de produção e os outros impostos. É um desestímulo à produção para exportação”, diz em referência ao dólar soja.

Já para o economista Orlando Ferreres, a soma dos 30% aos impostos à exportação será usada para a redistribuição que o governo pretende fazer aos setores menos competitivos. “Se isso vai funcionar ou não, há que esperar, pois há um limite de paciência para aquele que está aportando mais.”

Fonte: Folha de S. Paulo


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