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Postado em 29 de maio de 2023 | 17:05

US$ 257 mil de demurrage de um contêiner não é obra do acaso

Um dos maiores problemas enfrentados pelos associados da nossa entidade, criada há dez anos, é a sonegação do direito à modicidade nos preços de demurrage e detention de contêiner, todavia, não acreditávamos que o modelo de regulação do transporte de contêiner da Agência Nacional de Transportes Aquaviários  (Antaq) permitisse que um agente intermediário exigisse uma demurrage de US$ 257 mil de um contêiner, cujo frete foi US$ 6.063. Ou seja, 42,4 vezes maior do que o frete que foi pago ao armador. É inimaginável. Isso não é obra do acaso.

A Usuport Sul (Associação de Usuários dos Portos da Região Sul), possui dentre os seus objetivos, aumentar a competitividade do comércio exterior, defender os interesses dos donos de carga no âmbito das agências reguladoras, e colaborar com o Estado e a Sociedade, no estudo e solução dos problemas que se relacionem com a segurança jurídica e a eficiência econômica na infraestrutura de transportes (art. 5º do Estatuto).

Nesse cenário, temos atuado intensamente em vários foros para a defesa de um ambiente de negócios seguro e eficiente, e defendido a valorização da regulação setorial, mas não podemos tolerar injustiça, pois sabemos que não se trata de obra do acaso.

Para citar um exemplo de abuso na demurrage, fomos surpreendidos com um acordo judicial decorrente da condenação de um importador catarinense, pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que nos causou perplexidade pelo valor pago (US$ 257 mil) a fim de reduzir valor o qual seria ainda maior.

O que fazer quando um Tribunal de Justiça condena um importador a pagar US$ 197.058 (valor original da decisão judicial em 18/05/2018) de demurrage de um contêiner e o valor da carga é US$ 78.386? A regulação pode criar critério técnico para que o julgador possa ter que decidir para evitar o abuso? Sim.

A Antaq editou essa norma? Não. Existe alguma obrigatoriedade para que armadores e agentes forneçam à Antaq as informações/documentos referentes às cobranças feitas nas esferas extrajudicial e judicial? Também, não.

Não há dúvida que tal condenação viola a modicidade. Mas como argumentar diante de tamanha desproporcionalidade?

Na ação acima, o importador catarinense pagou R$ 1,57 milhão ao agente, acrescidos de R$ 180 mil (US$ 33.271) aos advogados do credor, em acordo de 04/10/2021, homologado em 25/10/2021, nos autos do processo de cumprimento de sentença nº. 5001637-33.2021.8.24.0126, na 1ª. Vara de Itapoá, em seis parcelas mensais iguais, quando, inclusive, já vigorava a Resolução Normativa nº 18/2017.

O valor abrange acordo em condenação ao pagamento de demurrage de um contêiner reefer de 40 HC no valor de US$ 197.058 e de uma nova unidade no valor de US$ 25.078,33, que foi avariada, totalizando US$ 222.136,33, em ação ajuizada em 2016.

Significa dizer que a demurrage corresponde a 88,7% do valor do acordo, ou seja R$ 1,39 milhão, o que equivale a US$ 257.410, calculado com base no câmbio do dólar de 4/10/2021 (R$ 5,41).

O valor da demurrage, possivelmente, é um dos maiores do mundo, se considerado o valor do frete de US$ 6.063, ou seja, 42,45 vezes maior do que o frete, e 3,28 vezes o da carga. Se o modelo de regulação atual permite que os custos de transação (como o transporte) seja maior do que o custo de produção, existe um problema que precisa ser resolvido, pois os portos brasileiros movimentam cerca de 10.000.000 de TEUS (unidades de 20 pés) em 2022 (dados Antaq) e o risco de atraso devido à greve de órgãos intervenientes e de caminhoneiros é enorme, e pode causar muitos dias além da período de livre-estadia. É preciso um limite.

Isso tudo ocorre mesmo com a vigência da norma que determina que a modicidade é uma das condições do serviço adequado e, nos termos da Resolução nº 62/2021, da Antaq (antiga Resolução Normativa nº 18/2017), é “caracterizada pela adoção de preços, fretes, taxas e sobretaxas em bases justas, transparentes e não discriminatórias e que reflitam o equilíbrio entre os custos da prestação dos serviços e os benefícios oferecidos aos usuários, permitindo o melhoramento e a expansão dos serviços, além da remuneração adequada” (art. 3º, VII).

Por tal motivo, para evitar abusos, a citada norma tipificou o não cumprimento dos critérios de serviço adequado na Resolução, como infração administrativa de natureza média, com multa de até R$ 100.000 ao transportador marítimo ou agente intermediário infrator.

Embora criada em 2001, pela Lei 10.233, até hoje a Antaq não editou critérios para identificar abusividade no preço de demurrage/detention, o que tem feito com que grande parcela de armadores e agentes intermediários cobrem no Judiciário os preços que quiserem, sem qualquer limite.

Diante desse problema, depois de muita luta dos usuários, inclusive com denúncias à Antaq e ao Tribunal de Contas da União, especialmente da Logística Brasil (Associação Brasileira dos Usuários dos Portos, de Transportes e da Logística), a Antaq inseriu o tema 2.2. na Agenda Regulatória Biênio 2020/2021 — Desenvolver metodologia para determinar abusividade na cobrança de sobre-estadia de contêineres. Dessa forma, foi instaurado processo administrativo em 2020, que foi arquivado em recente decisão de Diretoria, conforme Acórdão 120/2023, por quatro votos contrários e um a favor (do Diretor Relator), que entendeu pela submissão a uma audiência pública da proposta de metodologia.

Perplexas com a decisão, diversas associações de usuários e despachantes aduaneiros, como a Usuport (Associação de Usuários dos Portos da Bahia), Usuport Sul (Associação de Usuários dos Portos da Região Sul), ADAB (Associação dos Despachantes Aduaneiros do Brasil), Abracomex (Associação dos Importadores e Intervenientes em Comércio Exterior do RJ), Aexa (Associação dos Exportadores de Açucar e Álcool), Anfacer (Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos, Louças Sanitárias e Congêneres) e vários usuários que sofreram(em) cobranças abusivas, vêm se mobilizando, dentre elas, a Logística Brasil e o Conselho de Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), que fizeram recurso, onde apresentam lista de 24 casos em que houve abusividade na cobrança.

Os usuários pedem que o processo que culminou com a decisão de Diretoria – Acórdão 120/2023) seja desarquivado, para que a metodologia seja colocada em audiência pública.

Esse ambiente de negócios tem afastado importadores e exportadores do comércio, tendo em vista a exposição ao risco de condenação ao pagamento de valores de demurrage inimagináveis quando se trata de proteger o usuário e o consumidor, que tem que pagar esses lucros exorbitantes nas prateleiras de supermercado, shoppings e farmácias, especialmente quando há instituições que devem proporcionar segurança jurídica e serviço adequado.

O momento é de união dos usuários.

A Usuport Sul clama e espera que a Antaq reveja a sua posição e continue com a sua curva de aprendizado para evitar a exposição ao risco do usuário a valores de cobranças abusivas como a que foi mencionada, e que continuam a ser analisadas nos diversos tribunais e operações em todo o Brasil. Como tolerar que o ambiente de negócios permita tal abuso? Vale lembrar Nelson Rodrigues: “O subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos.” Esse cenário ora relatado não é obra do caso.

 

 

 

 

Fonte: Aluisio Selomar Saft de Oliveira é Presidente da Usuport Sul


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