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Postado em 18 de setembro de 2019 | 18:31

Governo planeja abrir transporte de carga a navios estrangeiros

Empresas de transporte marítimo de cargas projetam um crescimento de até 30% ao ano para o setor com uma série de mudanças regulatórias que estão em preparação no Ministério da Infraestrutura. O plano do governo é editar uma medida provisória (MP) para aumentar a competição no setor e consolidar o transporte em navios, que ainda responde por apenas 5% do transporte de cargas no país, como uma alternativa às rodovias.

A medida mais polêmica é a autorização do afretamento de embarcações estrangeiras para a operação de cabotagem no país. O ministério prevê que a MP esteja pronta para ser editada pelo presidente Jair Bolsonaro até outubro. As outras medidas vão desde a desburocratização do setor à redução de impostos do combustível de navios, o bunker , passando pela desoneração da importação de embarcações.

Atualmente as empresas só podem atuar com navios próprios construídos no Brasil, que são mais caros, ou comprados no exterior, também mais caros por conta dos impostos de importação. Segundo o diretor da Navegação e Hidrovias do Ministério da Infraestrutura, Dino Antunes Dias Batista, o objetivo da MP é atrair novas empresas para o setor reduzindo custos desse tipo de transporte.

De acordo com dados da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac), cerca de 61% das cargas no país ainda são escoados pelas rodovias. Outros 22% passam por ferrovias, e o transporte aquaviário movimenta 11% dos volumes. A cabotagem responde por cerca de 5%.

A Abac estima que 98% do transporte marítimo de cargas no país, excetuando-se os navios da Petrobras, são feitas por apenas oito empresas brasileiras de grande porte.

– Queremos flexibilizar essas regras para quem não puder comprar uma embarcação no país ou no exterior possa afretar — diz Batista, do Ministério da Infraestrutura. – Nossa tentativa é ampliar a concorrência no mercado de cabotagem, trabalhando em novas alternativas de afretamento de embarcações, com aumento da oferta na cabotagem no curto prazo e com redução de custos.

O transporte de cargas em navios passou incólume pela crise e continua exibindo crescimento anual de dois dígitos mesmo com o fraco desempenho da economia. Segundo a Abac, o setor cresceu, em média, 12,8% ao ano desde 2010.

O segmento passou a chamar mais a atenção dos donos de cargas a partir de maio de 2018, com a greve dos caminhoneiros que paralisou o país. Só no primeiro trimestre deste ano, o transporte de cargas por contêineres cresceu 16,8% na comparação com o mesmo período do ano passado.

Para Cleber Cordeiro Lucas, presidente da entidade, medidas para reduzir o custo dos operadores, como a permissão de afretamento de embarcações de bandeira estrangeira, podem acelerar essa expansão:

— A cabotagem de contêineres pode crescer até 30% ao ano, mas não de hoje para amanhã. Isso depende de termos todas as medidas implementadas. Estima-se que para cada carga transportada na cabotagem há cinco outras que poderiam ser capturadas.

Para Maria Fernanda Hijjar, especialista do Instituto Ilos, as medidas que o governo pretende adotar podem impulsionar o setor com a redução de custos:

— O setor tem potencial para crescer até cinco vezes. E as medidas previstas têm o objetivo muito importante de aumentar a participação desse modal (cabotagem) na matriz de transporte brasileira.

Atualmente algumas empresas podem afretar navios estrangeiros, mas as regras são restritivas. Só podem fazer isso empresas de maior porte, que já têm um determinado número de navios próprios no Brasil. Além disso a embarcação afretada tem que operar com bandeira brasileira, o que obriga que a tripulação seja contratada de acordo com regras brasileiras.

Segundo Lucas, da Abac, uma tripulação brasileira pode custar cinco a seis vezes mais que uma estrangeira. O governo ainda não informou como será tratada essa questão da tripulação, quantos trabalhadores terão de ser brasileiros nessas embarcações. A Abac defende que as embarcações estrangeiras tenham apenas o comandante e o chefe de Máquinas brasileiros, garantindo liderança brasileira à tripulação.

Executivos do setor são favoráveis à abertura do mercado às embarcações estrangeiras, mas advertem que as regras precisam ser bem definidas para evitar riscos de, em um momento de reaquecimento da economia em outros mercados pelo mundo, as empresas retirem embarcações do Brasil.

— A medida vai aumentar a capacidade de afretamento mas é preciso ter também embarcações brasileiras, para dar segurança de que o Brasil não vai ficará sem navios. Se o setor crescer só com embarcação estrangeira, na hora que a China reaquecer seu mercado, por exemplo, os navios vão todos embora. E a oferta acaba de uma hora para outra — destaca Lucas.

Maria Fernanda, do Ilos, concorda com essa preocupação e aponta outro risco na abertura do mercado brasileiro para navios de bandeira estrangeira: as empresas que já atuam no país e foram obrigadas a comprar embarcações nacionais ou importar com custos acima do praticado no mercado internacional ficarão em desvantagem na competição. Segundo a Abac, as empresas investiram R$ 3,5 bilhões em novas embarcações nos últimos dez anos. Quem afretar navios vai ter uma vantagem no custo de seus serviços:

— É preciso ter cuidado para que as medidas incentivem a cabotagem de forma contínua e não atrair empresas para fazerem apenas cargas de oportunidade.

Julian Thomas, presidente da Aliança Navegação e Logística, líder do mercado de cabotagem no Brasil destaca como positiva o plano do governo de desonerar o combustível dos navios, cujo preço hoje tem 18% composto de impostos. Ele também vê como positiva a ideia de isenção dos impostos na importação de embarcações por dez anos, também em estudo pelo governo:

— O objetivo é reduzir o custo Brasil, porque o custo de uma tripulação brasileira é maior do que o de uma estrangeira, por conta dos encargos sociais. As medidas de redução de custo são importantes porque é um setor intensivo em capital.

O Terminal de Contêineres de Salvador (Tecom Salvador) do grupo de logística portuária e marítima Wilson Sons aumentou sua movimentação de janeiro a julho em 25%. Biscoitos, macarrão instantâneo, a placas de geso, produtos químicos para tratamento de água, cervejas, são alguns dos dos vários clientes que trocaram o transporte rodoviário por navios.

O diretor executivo do Tecom Salvador, Demir Lourenço Júnior, não tem dúvidas de que, com a maior abertura do mercado de cabotagem no Brasil, esse tipo de transporte vai apresentar um crescimento bem maior do que vem tendo nos últimos tempos. Segundo o executivo, o transporte dos mais variados produtos, de máquinas a motos e alimentos, é cada vez maior por navios entre os vários portos do país.

— Certamente com a atração de empresas estrangeras com suas embarcações, aliado a outros itens como desburocratização do sistema e redução do preço do combustível, vai causar uma redução significativa dos custos do setor — diz Lourenço.

Depois da greve dos caminhoneiros, em maio do ano passado, com a fixação da tabela do frete, o custo do transporte rodoviário ficou mais caro. Então muitas empresas passaram a usar a cabotagem, que se tornou mais atraente e competitiva.

De acordo com empresários do setor, a cabotagem é competitiva com o transporte rodoviário para cargas coletadas a cerca de 200 quilômetros do porto de embarque e cujos destinos estão a mais de 1 mil quilômetros da origem. O custo final pode ficar entre 20% e 30% menor que o do caminhão. Outra vantagem é o menor risco de roubo de carga. e

— Para nós movimentadores de carga é ótima a abertura de mercado que o governo pretende fazer no setor. Hoje uma grande restrição da cabotagem é justamente a capacidade de transporte — destaca Lourenço da Wilson Sons.

Fonte: O Globo


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