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Postado em 28 de janeiro de 2020 | 20:03

Avanço da extrema-direita abre oportunidade para carne halal brasileira na Europa

Um dos maiores exportadores de carne halal do mundo, tendo entre seus clientes países importantes do mundo islâmico, como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Egito, o Brasil tem no horizonte uma oportunidade de entrar em um mercado de população islâmica crescente: a Europa.

Com uma extrema-direita ascendente, o continente tem proibido o abate de animais sem insensibilização prévia – o que, na prática, inviabiliza os protocolos religiosos halal e kosher, já que os animais precisam ser sacrificados cumprindo determinados preceitos da lei judaica e dos rituais islâmicos.

“A direita está em ascensão na Europa e, em alguns países, esses grupos políticos sequer disfarçam que a posição pelo banimento do abate religioso é para tornar o lugar incômodo aos muçulmanos”, observa Felipe Kleiman, consultor e especialista em projetos e operações de abate kosher.

Kleiman tem dado palestras no Brasil, Uruguai e Argentina destacando o potencial de mercado kosher e halal no continente europeu, sobretudo após a conclusão do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. “Não se fala muito disso, mas estamos vendo que a perseguição pela proibição do abate religioso vem ganhando corpo há dois, três anos”, destaca o consultor.

Atualmente, cinco países europeus obrigam o atordoamento do animal antes do abate sob o argumento de proteção ao bem-estar animal: Suécia, Bélgica, Noruega, Islândia e Suíça. Na Holanda, a proibição está em debate no parlamento e, ao que tudo indica, outros países devem adotar a mesma medida em breve.

Consumo interno
Holanda, Alemanha e Áustria, por exemplo, discutem permitir o abate religioso só para consumo interno, restringindo a exportação. O mesmo caminho tem sido estudado pela Polônia, país onde o abate sem insensibilização chegou a ser banido entre 2012 e 2017.

Beneficiado pela proximidade geográfica, o país é o quinto maior fornecedor de carne kosher para Israel, logo depois de Brasil e Paraguai, que disputam o quarto lugar e devem se beneficiar caso a medida seja aprovada pelos poloneses.

“O que é muito inconveniente e difícil de manejar [no debate público] é que ninguém aponta quais pontos precisam ser melhorados em termos de manejo e bem-estar animal, mas sim acabar com o abate religioso”, observa Kleiman ao lembrar que “há plenas condições de se abater animais seguindo os ritos tradicionais islâmicos e judaicos em conformidade com o bem-estar animal”.

Normativa em Israel
O consultor lembra que, desde o ano passado, Israel implantou uma normativa alterando os padrões de manejo para o abate kosher, o que inclui a aquisição de equipamentos de contenção que privilegiam o bem-estar animal e cujos investimentos podem chegar a até R$ 6 milhões, dependendo da infraestrutura do frigorífico.

Entre os parâmetros estabelecidos pelo país estão o grau de vocalização, que restringe a 3% o percentual máximo de animais com alguma manifestação vocal no momento do abate – o que poderia ser considerado uma forma de avaliar se houve dor ou não no momento da degola. “Está tudo focado com uma lente de aumento nos últimos segundos de vida do animal, sendo que há muitas questões relevantes ao bem-estar animal que antecedem ao abate. ”, conclui Kleiman.

No caso do abate halal, as regras incluem, além dos protocolos religiosos, impedir que um animal veja o outro ser abatido ou ter contato com sangue, exigência de uma área específica de repouso, além de padrões de saúde animal.

“O problema todo do bem-estar animal está nas diferentes concepções de bem-estar que se tem pelo mundo. Se você for avaliar o que afirmam esses países, eles não são contra o abate sem insensibilização necessariamente, mas contra o abate feito de forma tortuosa”, pondera Ali Saif, diretor executivo da Cdial Halal.

Mais muçulmanos
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Pew Institute Research, os muçulmanos devem responder por 14% da população europeia até 2050, com uma taxa de crescimento anual de 4,9% a 7,4% ao ano. Os europeus, por outro lado, devem ver sua população local diminuir, reflexo das baixas taxas de natalidade desses países.

O instituto avalia que, mesmo sem nenhuma migração, a população não muçulmana na Europa chegue a 445,9 milhões de pessoas em 2050, uma queda de 9,9% ante o registrado em 2016. “De fato, a comunidade islâmica vem crescendo não só na Europa, mas no mundo inteiro. E realmente, às vezes o produtor não consegue ter uma visão específica desse mercado”, reconhece Saif, da Cdial Halal.

Exportações
Dados da Secretaria de Comércio Exterior mostram que o Brasil exportou 1,86 milhão de toneladas de carne para países árabes em 2019, com crescimento anual de 3,4%. Já para União Europeia, houve queda de 6,7% no mesmo período, para 368,5 mil toneladas.

Saifi reconhece, contudo, que a exportação brasileira aos países europeus ainda esbarra em uma série de entraves normativos, que dificultam o comércio com o bloco.


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